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WILSON ARAGÃO (Entrevista)
ENTREVISTA com Autor de “Capim-Guiné”,
música que se tornou famosa na voz de Raul Seixas, quando viveu em um assentamento
do MST, em Santo Amaro, na Bahia
(Paulo A. Magalhães, Paulo A.
Magalhães Fº e Vagner Carneiro de Salvador (BA))
ARTISTA IDEALISTA, pedagogo e
engajado na luta do povo, Wilson Aragão é natural de Piritiba, mas
morou muito tempo na roça, em Mira Serra e Morro do Chapéu. É filho de um
pedreiro negro com uma professora primária, descendente de portugueses, e neto
de uma cabocla da mata, que “foi pega no laço pra casar com seu avô”, como ele
diz. Lúdico e imprevisível conciliou, por um período de sua vida, a arte com a
burocracia, ao trabalhar no setor de recursos humanos de grandes empresas em
São Paulo e no Pólo Petroquímico de Camaçari, sem permanecer por mais de dois
anos em cada. Militou no movimento sindical ao lado do governador do Estado,
Jacques Wagner, e fez política partidária junto com Capinam, Gonzaguinha, Fábio
Paes e Jorge Portugal. Gravou três CDs, e suas músicas foram interpretadas por
artistas de várias gerações. Atualmente, sobrevive apenas de música e foi integrante
do Assentamento Eldorado (“Pitinga”), do MST, em Santo Amaro, onde é muito
querido pela comunidade.
A conversa que se segue,
sintetizada aqui nos trechos mais significativos, ocorreu na Secretaria do MST,
em Salvador, entre risadas e goles de cervejas ingeridas pelo entrevistado, que
traçou um rico painel da sua trajetória de vida e musical. Das mágoas com
setores de esquerda aos sonhos de contribuir com a luta do MST, além de suas
composições e das pinturas ao lado da sua companheira, que promoveu aulas de
artesanato no assentamento em que residiu e comercializou seus produtos.
Para iniciar, fale de sua
experiência no campo. Você plantou num sítio no sertão de Piritiba, pegando na
enxada como pega um catingueiro, como conta na música “Capim-Guiné”?
Wilson Aragão – (Risos!...)
Trabalhei muito com meu pai, na foice. Ele era um bom pedreiro, construiu dez
casinhas simples de adobe, depois vendeu e comprou um sítio no sertão de
Piritiba. Mais tarde, compraria o outro lado da estrada. Enquanto capinava,
abrindo as covas, eu ia jogando as sementes e tapando as 70 ou 80 tarefas de
feijão, milho, banana, aipim, mandioca, caju, jaca, entre outras culturas.
Catei muita mamona e puxei carro de boi para pegar madeira da floresta. Lembro
que na roça ele tinha um rádio de seis faixas, e quando a gente estava
trabalhando ele aumentava o volume pra gente escutar a música, numa distância
de 50 a 100 metros. Gostava de ouvir Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves, Carlos
Nobre e Jackson do Pandeiro. E assim passei a infância e a adolescência,
recebendo todas essas influências.
E lá pras bandas de Piritiba,
Morro do Chapéu e Mira Serra, havia virtuosos violeiros?
Sempre surgia novidade na feira;
homens vindos da Paraíba, foragidos da seca, procurando emprego nas roças, que
traziam a cultura de lá. Eu achava muito bonito o pessoal batendo pandeiro e
dizendo versos. Lá em Mira Serra tinha até um sujeito que fazia um som
maravilhoso, uma mistura de cavaquinho com viola, extraído de um instrumento
inventado por ele, num formato de lata de óleo, com cordas de arame de estender
roupa.
Aprendeu a tocar lá instrumentos;
o violão, por exemplo?
Eu ficava cutucando, mas vim aprender
a tocar um pouquinho de violão já depois de casado. Minha vida toda foi no
Evangelho, minha família sempre foi prebisteriana, era igreja quarta, sexta,
domingo. Meu pai dizia que violão era coisa de vagabundo, e não deixava
aproximar do violão. Eu disse que quando fosse dono do meu nariz, compraria um
violão. E realmente, quando meu pai separou de minha mãe e eu fui pra São Paulo
trabalhar, comprei um violão.
Era uma época de euforia, da
ideologia “Brasil, potência do mundo”; da conquista do tricampeonato mundial de
futebol; da proliferação das torturas nos porões da ditadura; e da
pornochanchada nas telas do cinema brasileiro. Os militares estavam no auge da
sua popularidade, por conta do chamado “Milagre Econômico”: “ninguém segura
esse país”, “ame ou deixe-o”...
Eu morava em Piritiba já
pleiteando algum emprego, mas toda a minha família era de oposição. Os
políticos de direita da cidade eram da ARENA e não deixaram que eu trabalhasse
na prefeitura, nem no Banco da Bahia. Sem opção de trabalho formal, só me
restou ganhar algum dinheiro como artista, fazendo desenhos e pintura. A
prefeitura era obrigada a me engolir porque eu produzia todas suas faixas.
Desenhava ainda escudos do
colégio etc. Na 1º Exposição de Arte da Cidade, conquistei três prêmios,
inclusive o 1º lugar de desenho, imaginação e pintura. Cantava ainda no coral e
nos muitos grupos que formávamos, como o grupo musical “Os Helps”, que tinha
muita influência dos Beatles, e depois virou “Os Horríveis” (risos...).
Você percebeu que a cidade era
pequena para suas inquietações...
No dia em que fui pra São Paulo,
minha mãe correu atrás do ônibus, tropeçou e caiu no meio da rua. Na metrópole,
meu tio me deu abrigo por um ano, aí dividimos um quartinho, eu e um amigo.
Mais tarde, fui promovido na fábrica Companhia Brasileira de Alumínio, na
cidade de Mairinque, onde eu também morava, e, pra estudar Pedagogia na
Universidade de Sorocaba, eu tinha que viajar diariamente 60 a 70 km de
distância. Passei a admirar um professor comunista chamado Álvaro Vanucchi, que
foi preso na ditadura militar, expulso do Brasil e depois voltou. O sobrinho
dele era estudante de medicina e foi morto numa praça em São Paulo, em plena
luz do dia. Eu fui assimilando estas histórias e tomando conhecimento do que
era a ditadura militar. Quando bateu a saudade, eu vim-me embora, em 1978, com
greves estourando em tudo que é canto. Como eu era especialista em Recursos
Humanos, as empresas se interessaram por mim. Comecei a trabalhar no Pólo
Petroquímico ganhando 21 salários mínimos, um dinheirão pra época. Montava
planos de cargos e salários, convênios e assistência médica. Quando me chamavam
para tocar em algum lugar, eu dispensava cachê. Ah, se eu soubesse que esse
tempo ia passar...
Parece que a sua composição de
maior sucesso, “Capim-Guiné”, foi feita neste período. Fale um pouco sobre a
música.
Em 1979, nas horas vagas do
trabalho, compus “Capim-Guiné”, que é um protesto contra a grilagem de terras
na ditadura militar. Ocorreu que um fazendeiro de Tapiramutá, cheio de
pistoleiros, invadiu de madrugada a propriedade de meu pai, que era evangélico
e não tinha armas. No outro dia, meu pai foi à delegacia prestar queixa e o
delegado não gostou. Seguiu então para Salvador, a fim de conversar com o
governador. Houve um telegrama do gabinete do governador perguntando quem era o
meu pai. Quando souberam que se tratava de um homem de oposição, do MDB,
disseram: “pode invadir as terras”. O fazendeiro cortava o arame e botava o
gado para comer a nossa plantação. Nós emendávamos e ele novamente cortava. Meu
pai foi a Brasília conversar com o presidente Geisel, e este também enviou uma
mensagem. Quando foi informado de que a família era de oposição, disse que não
podia fazer nada.
Ouvindo hoje “Capim-Guiné”,
tem-se a impressão que há na letra algumas metáforas para ludibriar a censura.
Há sim, mas nessa época era
proibido falar palavrão, e a música não passou na censura. Veio uma carta para
todas as emissoras de rádio proibindo tocar “Capim- Guiné”. É bom esclarecer que
a cara de veado à qual me referi era o presidente Geisel, pois qualquer
barulhinho para o veado, ele pára, escuta atentamente, mas não toma atitude. Já
o Caxinguelê é um esquilo brasileiro. Quanto a “não planto capim-guiné pra boi
abanar rabo”, é porque eu não iria mais fazer roça pra bandido vir e tomar,
desfrutando de tudo...
Esclareça a dúvida que paira
entre os ouvintes de MPB: “Capim-Guiné” é apenas sua ou tem parceria com Raul
Seixas? Como foi mesmo que você conheceu Raul?
Em 1982, em Piritiba, eu já havia
conquistado um festival de música com “Capim- guiné”, antes de conhecer Raul.
Na época, Elba Ramalho estava surgindo com muito sucesso, e eu fi cava sentado
na porta dos hotéis esperando ela acordar. Aí, eu perguntava: “Gostou de Capim-
Guiné?”, ela respondia: “Ouvi a fita e gostei de todas suas músicas, mas me dá
um tempo, porque meu disco já está cheio”. Continuei colado com Elba. Um dia,
os músicos me falaram: “Elba ensaiou Capim-Guiné, e está de arrombar, mas o
diretor de produção pediu pra tirar e gravar uma música do Gonzaguinha, “Casca
do Ovo”, porque ninguém sabe quem é esse Aragão”. Aí fi quei chateado e tive um
“pega pra capar” com ela. A gente era amigo e ficamos diferentes até hoje.
Um conterrâneo de Piritiba,
chamado Beto Sodré, me convenceu oferecer a música a Raul Seixas e mandou-a pra
São Paulo. Um dia, ligamos para ele do orelhão e ele falou que havia gostado,
mas queria propor pequenas alterações. Em vez, por exemplo, da frase “comprei
um sítio, plantei jabuticaba, dois pés de guabiraba” etc. elaborado por mim,
ele propôs “plantei um sítio no sertão de piritiba...”, homenageando a minha
cidade, e misturou guabiraba com as pindaíbas, que eram as cachaças que ele
bebia, botou guataíba, que não existe, e gravou.
Jardelino Satanás
No lançamento do disco, em 1983,
no Esporte Clube Periperi, a nossa amizade foi se estreitando. Ficamos num
hotel, na Barra, o dia todo na beira da piscina “comendo água”. Gostei muito
dele, suas palavras tinham sentimento, um coração bom, um jeito meio ameninado
e meio maluco. Passei dois dias na casa dele em São Paulo, e enquanto ele
cheirava muito éter e lança-perfume, eu tomava minhas cervejas. Depois, ele
veio pra minha casa em Salvador e fez uma verdadeira revolução no Engenho Velho
de Brotas, pois saiu bebendo cachaça em tudo que era boteco, e todo mundo
querendo conhecê-lo. Também demos um passeio pelo sul da Bahia, fomos em
Ibirataia, Barra do Rocha e Ipiaú.
Sua música mais conhecida é
“Capim-Guiné”, mas qual é a que você mais gosta?
Sou apaixonado por “Sertões e
Sertões”, do primeiro disco. Fiz quando eu tava sofrendo porque tiraram o trem
de ferro, a Leste Brasileira, de Piritiba: “Ó mira, mira bem para o resto da
estrada de ferro. Quantos braços cravados, quantos dormentes para ouvir o trem
na curva apitar, apitou pra nunca mais”. Eu estava em São Paulo quando minha
mãe me escreveu uma carta. Cheguei em casa e chorei.
E as feridas da vida?
Eu tenho uma mágoa danada. A
gente que é de esquerda sempre foi boicotado. Quando a esquerda conquistou o
poder, não abriu espaço para a nossa arte. As prefeituras do PT aqui da Bahia
quase nenhuma me contrata. Só querem Calypso e Calcinha Preta, que deseduca a
população. É a indústria da anti-cultura. Esse povo nunca foi forró. A cultura
brasileira sempre foi voltada para os mesmos, se concentrando em torno dos
poderosos. A Rádio Educadora aí tem dias que tocam dez músicas do Caetano, oito
do Djavan, e nenhuma dos outros. Por que não divide o espaço? Convidam a gente
para participar de reunião, de discussão, mas na hora de contratar e pagar o
cachê, continuam os mesmos.
A gente tem que valorizar aquela
coisa de raiz, Bule-bule, repentistas, samba de roda... Na região de Cachoeira
e Santo Amaro tem grandes sambistas. No nosso assentamento, Eldorado, tem
Luizinho, Delis e Rebeca, uma menininha de 4 anos.
As emissoras de rádio massacram
os ouvidos, pegam qualquer besteira, pagam jabá pra tocar 50 vezes por dia e
sonegam direitos autorais. Tem algumas que nem pagam porque alegam que a rádio
dá prejuízo. Se dá prejuízo, porque não passa pra gente do MST? Cantei muito,
sem cobrar cachê, para o Sindicato dos Bancários, da Construção Civil, dos
Metalúrgicos e Eletricitários. Hoje, estão fortalecidos e não lembram da gente.
Eu colocava minha música a serviço das lutas sindicais, e hoje esquecem que a
gente sobrevive dos cachês.
Letra de
Capim-Guiné
Plantei um sítio / No sertão de Piritiba / Dois pés de guataiba / Caju,
manga e cajá.
Peguei na enxada / Como pega um catingueiro / Fiz acero, botei fogo / "Vá
ver como é que tá".
Tem abacate, jenipapo / E bananeira / Milho verde, macaxeira / Como diz no
Ceará.
Cebola, coentro / Andu, feijão-de-corda / Vinte porco na engorda / Até o
gado no currá.
Com muita raça / Fiz tudo aqui sozinho / Nem um pé de passarinho / Veio a
terra semeá.
Agora veja / Cumpadi, a safadeza / Cumeçô a marvadeza / Todo bicho vem prá
cá.
Num planto capim-guiné / Pra boi abaná rabo / Eu tô virado no diabo / Eu tô
retado cum você.
Tá vendo tudo / E fica aí parado / Cum cara de viado / Que viu caxinguelê.
Suçuarana só fez perversidade / Pardal foi pra cidade / Piruá minha saqüé / Qüé!
Qüé!.
Dona raposa / Só vive na mardade / Me faça a caridade /Se vire e dê no pé.
Sagüi trepado / No pé da goiabeira / Sariguê na macaxeira /Tem inté
tamanduá...
Minhas galinha / Já num fica mais parada / E o galo de madrugada / Tem medo
de cantá.
Num planto capim-guiné / Pra boi abaná rabo / Eu tô virado no diabo / Eu tô
retado cum você.
Tá vendo tudo / E fica aí parado / Cum cara de viado / Que viu caxinguelê.
Num planto capim-guiné / Pra boi abaná rabo / Eu tô virado no diabo / Eu tô
retado cum você.
Tá vendo tudo / E fica aí parado / Cum cara de viado / Que viu caxinguelê.
Num planto capim-guiné / Pra boi abaná rabo / Eu tô virado no diabo / Eu tô
é, tô é retado cum você.
Tá vendo tudo / E fica aí parado / Cum cara de viado, ôme? / Que viu
caxinguelê.
Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/v01/impresso/anteriores/jornal.2008-03-20.5670775414/editoria.2008-03-20.9892961498/materia.2008-03-20.9666859983
2º cd de Wilson Aragão
3º cd de Wilson Aragão
Conheça a trajetória desse grande
cancioneiro do sertão de Piritiba visitando sua página. Lá você encontrará
todos os cds para downloads. Artigos de jornal, seus amigos cantadores, shows e
as canções ainda inéditas. Wilson Aragão, o orgulho piritibano representante de
nossa cultura e de nosso patrimônio imaterial.
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