Os
cartazes anunciando o aluguel do imóvel de 543 metros quadrados na
esquina das avenidas Nossa Senhora de Copacabana e Princesa Isabel
denunciam o fim de uma era. Funcionou ali, até 20 de março do ano
passado, a loja remanescente da Só a Rigor, rede de aluguel de roupas de
festa cujo apogeu se deu entre os anos 1980 e 1990. Criado em São
Paulo, o negócio chegou a ter representações em diferentes capitais e
cinco pontos no Rio, mas o de Copacabana costumava ser o mais badalado,
devido ao tamanho e à localização privilegiada.
O cerrar das
portas veio com o bloqueio das agendas de casamentos e celebrações
causado pela pandemia. Mas o negócio já não andava bem das pernas desde a
crise econômica, iniciada em 2013, segundo o ex-gerente da loja
carioca, Lothayr Reis Junior. “As mulheres não alugavam mais roupa.
Preferiam pegar emprestado de amigas ou comprar no Centro, mesmo que não
fosse ‘aquilo tudo’. E ainda teve a mudança de hábitos, com os
casamentos à tarde e trajes mais informais”, descreve.
Nascido em
Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, Lothayr entrou no negócio a convite
do irmão, Geraldo, que morreu em outubro passado, vítima da Covid-19.
Casado com a sobrinha do fundador da Só a Rigor paulistana, Geraldo teve
a ideia de trazer a loja para o Rio, por meio de uma sociedade, no fim
da década de 1970. Pouco depois, chamou Lothayr para a gerência.
Ao
longo de quatro décadas, o ex-gerente assistiu, de camarote, os
bastidores da alta sociedade e da vida cultural carioca. Pela loja de
Copacabana já passaram nomes como Albert Sabin, Marlene e Dorival
Caymmi. “Tinha um violão e pedim os a ele para cantar para a gente”,
recorda-se, do dia em que o cantor e compositor baiano apareceu por lá.
Carlinhos de Jesus também era habitué, assim como Eduardo Dussek, e
ambos viraram praticamente amigos de Lothayr. Tim Maia foi outro astro
que usou os serviços da loja, sobretudo, para vestir a sua banda. “Ele
até falava nos shows: ‘A Vitória Régia veste Só a Rigor’”, recorda-se o
ex-gerente, empostando a voz para imitar a entonação do cantor. “Mas
também vestimos ele próprio para receber o antigo Prêmio Sharp de
Música.”
Astros internacionais, como o ex-piloto holandês de
fórmula 1 Mika Häkkinen, deixam a lista de clientes ainda mais extensa.
Lothayr lembra que, certa vez, telefonaram de um hotel bacana, pedindo
um smoking para o ator americano Robert De Niro usar num baile de
carnaval. “Meu irmão foi lá e ainda fez amizade”, recorda-se. “Depois,
fomos ao Hippopotamus e, na porta, informaram que a festa era fechada
para o ator. Meu irmão, então, pediu que avisassem que o alfaiate dele
estava do lado de fora. Ele mandou a gente entrar, e já chegamos com a
galera nos recebendo, mesa com a Fafá de Belém e tudo mais.”
A
visão privilegiada da badalação também lhe rendeu memórias um pouco
menos glamourosas. A começar pelas surpresas nos bolsos dos casacos, na
hora da devolução. Lothayr até encontrou brincos de pérola e abotoaduras
Montblanc, devidamente guardados no cofre da loja para serem entregues
de volta, mas também “garimpou” dentadura, remédio de coração para o pai
da noiva não enfartar na hora do casório e até maconha e cocaína.
No
meio do entra e sai de clientes, ainda precisava lidar com as madames
que não queriam ser vistas alugando roupas de festa. “Já vi gente se
esconder dentro do provador”, entrega. Isso sem contar com aquelas que
esperavam que a loja operasse milagres. “Chegavam com um marido todo
torto e começavam a colocar defeito na roupa, quando ele a vestia.
Pensava comigo: ‘minha senhora, o chassi está todo empenado’. Outras
queriam diminuir as nossas peças, diziam que o terno era xexelento,
estava puído. Acho que faziam isso para baixar o preço.”
Aos 62
anos, Lothayr ostenta um bronzeado de quem pratica beach tennis
diariamente, nas areias do Leme e de Copacabana, e exibe dentes
reluzentes sempre que abre um sorriso, ao terminar uma frase. Mesmo
morando no Rio há tantos anos, ainda tem um forte sotaque gaúcho, com o
qual mostra toda a sua vitalidade, enquanto conta episódios que
ultrapassam as paredes da loja de aluguel de roupas.
Um desses
casos revela a origem do apelido Little Mick Jagger, que dá nome à sua
conta no Instagram. Em 2012, após vestir a promoter de uma festa de
arromba que seria dada no Miranda, na Lagoa, para comemorar o
aniversário da filha do diretor Daniel Filho, Carla Daniel, ele acabou
convidado para o agito. “Cheguei lá, e tinha uma banda que tocava rock
em ritmo de carnaval. Quando começaram com ‘Satisfaction’, me viram
dançando e me chamaram para o palco. Depois, o vídeo foi parar no
Facebook e fez o maior sucesso”, narra o ex-gerente, que ainda mostraria
o seu “moves like Jagger” nas areias de Aruba, durante o Torneio
Mundial de Beach Tennis, pouco depois. “Comecei a dançar na beira da
quadra e o organizador perguntou: ‘Quem é aquele maluco lá?’. Disseram
quem eu era, e ele me chamou para animar o torneio todos os dias. O povo
anunciava: ‘Now, the Little Mick Jagger from Copacabana’, e eu entrava
dançando. O público vinha abaixo. No ano seguinte, pagaram para eu
voltar.”
Depois do “voo” até Aruba, Lothayr volta a rememorar
episódios impagáveis vividos nos limites da loja de Copacabana. Uma
dessas lembranças o leva até o dia em que descobriu, sem querer, que
Jorginho Guinle havia aposentado as roupas íntimas. “Abri o provador, e o
vi com o traseiro de fora. Pedi desculpas, e ele se justificou: ‘Não
uso mais cueca’.”
Dias depois da entrevista, o ex-gerente reforça a
lista de memórias por meio de áudios de WhatsApp. Lembra que a loja já
vestiu muitos elencos em cenas de casamento nas novelas da Globo e que
seus smokings já cruzaram os céus na bagagem de atores como Lázaro
Ramos, quando ele foi a Cannes pelo filme “Madame Satã”, lançado em
2002.
Tanta história explica o apreço pelo ramo. Lothayr abriu, em
novembro, na mesma Nossa Senhora de Copacabana, a Men a Rigor.
Localizada a algumas esquinas da antiga loja, a empreitada ocupa o
espaço onde funcionou o Le Bec Fin, restaurante frequentado pela fina
flor carioca, em décadas passadas. Como o próprio nome indica, o público
agora é exclusivamente masculino, ainda o mais interessado nesse tipo
de serviço, segundo Lothayr.
Decorado com peças antigas como um
gramofone e fotos em preto e branco, o espaço tem um acervo de dois mil
trajes completos, entre ternos, smokings e fraques, com cortes
atualizados. O número corresponde a cerca da metade do volume das peças
que ocupavam a Só a Rigor, por ora, guardadas num depósito, já que
pertencem a herdeiros, assim como a quantidade de funcionários é menor.
Mas o mesmo Lothayr, que em noite de Baile do Copa fechava a loja às
22h, segue a postos para não deixar nenhum cavalheiro na mão. “Se a
manga está longa, mando encurtar. O cliente pode até achar que está bom,
mas a melhor propaganda é vestir bem. Não adianta o cara aparecer numa
festa, e todo o mundo comentar que a roupa está uma merda”, diz,
soltando uma risada.