MAIS UMA CENA DE UM
GRANDE PRONTO SOCORRO.
TUDO EM NOME DA VIDA E DO RESPEITO
Nos dias atuais são grandes os desentendimentos nas emergências
públicas e privadas. Num dos meus plantões na maior Emergência do Estado, fui atraído por uma mega confusão, uma senhora
deitada numa fria, suja e nua maca, duas mulheres de meia idade a blasfemar, com os braços rijos e o dedo em riste escrachavam
o abnegado e penitente trabalhador, do outro lado, de jaleco
quase que branco, surrado, suado e amarrotado
um jovem esculápio com os olhos
arregalados , esbugalhados, tez
engordurada, semblante de medo e com
sinais de cansaço, não saia de sua lavra nenhuma atitude , o jovem não possuía palavras,
gestos e nem argumentos que resgatasse a paz no seu duro trabalho, o jovem
estava engessado, congelado, estupefato .
Como providencial invasor, quebrei a cena dramática , me pus entre os
quatro e toda uma plateia de paramédicos, outros pacientes, seus acompanhantes e alguns curiosos que
adentram onde não deveriam estar.
Fui até a surrada maca, expus os meus cabelos brancos olhando
para o solo e os meus óculos de lentes
grossas a limpa-los com um branco guardanapo. Sem luvas alisei o rosto, os cabelos e o
abdome da enferma, mirei a sua face , acertei nos seus olhos , entrei vagarosamente na sua alma, pausadamente e com a voz macia
perguntei o seu nome, onde morava, o que
fazia , a sua idade, a sua profissão, levantei
a cabeça, olhei para as acompanhantes, suas duas filhas, botei um dos braços no ombro do jovem
assistente e o outro no ombro de uma das mulheres, mirei uma das grandes
janelas de vidro que mostrava as nuvens , um pedaço do céu e uma nesga da lua, sem pensar, guiado por uma força vindo não sei
de onde, lembrei a todos que Deus existe
e ali estava presente, o ambiente
conspirava pela presença do criador, não existia outra possibilidade, naquele momento
não existia outra explicação, ali se encontrava uma anciã quase santa, que na vida só havia
praticado o bem, grande mãe, eximia avó, magistral esposa, honesta pagadora de impostos e eterna sofredora por não conseguir
consertar as mazelas do mundo, uma anciã quase pura , em sofrimento, debilitada,
nunca assistida pelos poderes públicos, naquele momento fragilizada, subserviente,
sem força e sem ação, sendo assistida por um dos seguidores de Deus , o médico, que só pensa no bem, que faz tudo pelo bem e é
guiado pelo bem, do lado suas filhas, duas guerreiras que lutavam desbravada e consanguineamente ao seu favor, enxergavam naquela relíquia humana o que existia de mais precioso, valioso e
sublime nas suas vidas, a sua joia
abençoada, a sua querida e insubstituível mãe, queriam a sua recuperação e exigiam os seus direitos, o momento era a prova concreta da presença do grande mestre,
ali estavam todos de mãos dadas para a
recuperação daquela heroína, parei o discurso, quase uma homilia , sai da
cena e deixei o ambiente .
O jovem prosseguiu o seu atendimento, agora, ele, as
filhas, a quase santa, os olhares dos demais , a puída maca, a velha janela, as
nuvens , um pedaço do céu e a nesga da
lua , todos sob a tutela e o olhar atento do grande Criador do universo.
O silencio reinou no recinto, as filhas se aproximaram do
compenetrado Esculápio, o diálogo sadio
colocou nos eixos o tumultuado momento, todos entenderam os esforços dos guerreiros
e sofridos médicos nos momentos atuais em que passa a humanidade, compreenderam que, os humanos que estudam
a funcionalidade da vida , também fazem parte do teorema atual como
vitimas e não como algozes .
Continuei a minha rotina nesta grande casa de saúde, uma casa que cotidianamente, hoje como ontem e como no amanhã , salva vidas
e só sabe salvar, e que tudo faz para salvar apesar de
todas as dificuldades sofridas.
Como médico quase que calejado, fiquei feliz com o desenrolar
daquele momento sublime que estava se transformando num funesto imbróglio, ainda bem
que Deus existe .
Viva a paz, o
respeito, a ética , o homem, a benevolência, a beneficência, a autonomia e a
cidadania, é assim que se constrói um grande povo, viva a medicina, viva a mãe
da humanidade.
Viva a capacidade de se estudar a vida.
Viva a abnegação da Medicina
Doutor, muito obrigado.
Iderval Reginaldo Tenório
www.youtube.com/watch?v=XX_YUtwfuPA
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