- A sabedoria das crianças e o Residente de cirurgia(R1).
Beneficência, benevolência, ética e autonomia, as quatros pilastras no exercício da Medicina.
Zezinho foi um médico residente de cirurgia geral, do ano 1982 a 1985, hoje beira os 70 anos de idade e 41 de exercício profissional. A sua atividade, neste período, era atender na emergência casos clínicos e cirúrgicos, apenas atender clinicamente sob a suspervisão dos seus preceptores.
No primeiro ano, a função de um residente é aplicar o acolhimento, o lado filosófico, social e ético, auxiliar na terapêutica cirúrgica e realizar pequenos procedimentos, os mais frequentes são as suturas.
O neófito médico faz um mergulho ético e científico na prática e na aplicação das técnicas no bojo da medicina. A residência não é um curso de imersão, é um congresso de aprendizado, cidadania, amor, e compaixão.
O que é um Médico Residente
Um Médico Residente é aquele médico, geralmente recém formado, que faz um concurso para a área que deseja exercer na vida profissional, a este programa dar-se o nome de pós graduação. R1 no primeiro ano, R2 no segundo e R3 no terceiro.
São dois ou três anos na área preferida: Cirurgia Geral, Clínica Médica, Pediatria, Psiquiatria, Oftalmologia, Ginecologia e Obstetricia, Neurologia, Ortopedica e Traumatologia, Radiologia e as demais especialidades. São 55 especialidades médicas e 61 áreas de atuação na Medicina.
Terminada esta fase, complementa por mais um ou dois anos numa área mais específica, dentro da escolhida: Cirurgia plástica, Cirurgia Gástrica, Cirurgia Pediátrica, Cirurgia Torácica, Cardiologia, Retinologia, Pneumologia, Urologia, Endocrinologia, Cirurgia de coluna, de joelho, de mão e assim para as demais especialidades.
O Médico Residente, literalmente, já é médico, possui a sua licença para atuar e é responsável pelos atos executados, não é considerado um estudante, apesar de ser. Tem como preceptores, em hospitais credenciados e de grandes portes, médicos experientes, bem graduados e de comprovado saber.
Rotina de um Residente de Cirurgia, segundo o R1 Zezinho
Conta Zezinho que o residente de cirurgia praticamente mora no hospital, quando é interessado e comprometido, o médico titular, o preceptor; avalia silenciosamente a sua capacidade.
Obtendo boas notas, na consciência dos professores, em conhecimentos, coragem, interatividade, consciência, organização, liderança, ética, decisão e equilíbrio, são designadas pelo chefe da residência outras atividades.
Além das suturas simples, são permitidas suturas mais complexas, drenagens de abscessos e incisões na abertura de abdome, pois incisões torácicas são de alta complexidade.
Nas cirurgias do abdome, notadamente nas apendicectomias, frequentes em todas as idade, o R1 faz cuidadosamente a incisão da pele e da aponeurose, afasta os músculos e chega ao peritônio, daí ele não passa. O R2 toma o bisturi, abre o peritônio, vizualiza o ceco, localiza o apendice cecal, analisa a anatomia regional e realiza o procedimento final: a exérese do apêndice. Lavada e revisada a cavidade abdminal, o R1 pode assumir. Com a orientação do R2, sutura o peritornio, os músculos, a aponeurose e a pele, isto é, fecha o paciente. Sómente no segundo semestre da residência e com muita dedicação, será permitido realizar este tipo de cirurgia do início até o final, sempre com a supervisão de toda a equipe, notadamente nos casos patognomônicos e de fácil acesso. Neste dia ele não dorme direito, conta para os pais, colegas, namorada, parentes e sonha com aquela sua façanha, é um ato inesquecível.
O forte dos R1, logo no primeiro semestre, são as suturas, mesmo porque, apesar de recém formados, são professores dos internos do 5º e 6º ano de medicina, geralmente pousam de catedátricos. É notório que todos os recém formados pensam que sabe de tudo, quando na verdade não sabe de nada. Aliás, do ser humano, a ciência médica não conhece nem 10%, só depois de anos de profissão, o médico começa a entender a complexidade do ser humano e a certeza de que, enquanto mais estuda, percebe que sabe muito pouco, continua sendo um aprendiz, notadamente no lado humanitário, uma vez ques as máquinas e a inteligência artifical afastam a propedêutica do seu domínio e associam-se à terapêutica com precisão robótica.
A maior glória do primeiro ano da residência médica é entrar nas grandes cirurgias da emergência e nas complicadas cirurgias com os grande cirurgiões do hospital, os famosos medalhões. Estas cirurgias são marcadas com antecedencia; têm dia, hora, nomes dos residentes e do cirurgião titular para serem realizadas. Os pacientes são internados na Clínica Cirurgica ou na Clínica Médica e são chamadas de cirurgias eletivas. Estes procedimentos seguem um rito sagrado: consultas no ambulatório ou na própria enfermaria e interconsultas com outras especialidades, principalmente quando oriundos de hospitais menores. São realizados exames diversos, discussões e debates esclarecedores que culminam com o veredicto sobre o caso: qual a patologia e suas complicações, qual o prodedimento, a técnica e até a tática a ser empregada.
Fala Zezinho que tem cirurgias que só podem ser realizadas num hospital escola devido as suas complexidades. Estes grandes procedimentos ficam impreganados na mente dos Médicos Residentes por toda a sua vida profissional, até chegarem os cabelos brancos e o peso da idade. São pautas para grandes debates entre os médicos por muitos anos e citações em quase todos os encontros oficiais nos quais participam, transportando-os para o início da carreira em mil novecentos e tantos, quando achavam que sabia de tudo. Muitos choram, silenciosamente, quando reletam numa roda de colegas.
Numa residência, o R1 é o destaque de toda a equipe, é ele o dono do paciente; tendo como superiores o R2, o R3, o Preceptor e o chefe da enfermaria, continua sendo o dono do paciente. Obdece a todos, todavia continua sendo o dono do enfermo e o providenciador de todas as suas necessidades, é o elo entre o paciente e todos os profissionais que atuam no hospital. Para o enfermo é o seu deus. O R1 é incasável, acolhe todos os funcionários hospital, é acessível, prestativo e disposto a ouvir toda a comunidade.
No segundo semestre do primeiro ano, junto aos R2, R3 e ao preceptor, o R1 opera do início ao fim algumas cirurgias, notadamente apendicectomias, drenagens de abcessos cutâneos e a retirada de pequenos lipomas, jamais poderá colocar um paciente na sala sem estes orientadores.
Na medicina a hierarquia dos conhecimentos e da esperiência é seguida com muito rigor e responsabilidades, mestre é mestre, e um grande mestre é chamado de PROFESSOR, um espelho para todos.
Zezinho relembra um fato acontecido num dos seus plantões.
Relatou, todo compenetrado, que num domingo ensolarado, encontrava-se na sala de sutura, pois naquele dia foi escalado para realizar todas as suturas que chegassem à emergencia, salvo as mais sérias que eram da alçada do R2 ou do médico plantonista.
Informou que no período da manhã o plantão era calmo, porém depois das 16h começavam a chegar crianças com suturas a serem realizadas, nestes horários os pais voltavam dos sítios, cháscaras ou dos programas de entretenimentos, geralmente das praias.
O Zezinho antes da sutura, conversava com a criança e explicava o que ia fazer. Usava uma tática de persuazão e depois aplicava a técnica cirúrgica, sempre respeitando a idade, o comportamento e o tipo de lesão. Ao lado, um dos pais, geralmente o pai.
Nunca dizia que não iria doer, não mentia para os pacientes mirins. Informava que iria colocar o corte para dormir e numa interatividade infantil a enaltecer a coragem do pequeno, entrava em ação. Pegava uma pequena seringa sem agulha, enchia de lidocaína e gotejava no ferimento, o paciente nada sentia, muitas vezes colocava a própria criança para gotejar. O sorriso de felicidade, segurança e de surpresa chegava aos olhos do perplexo paciente. Depois desta fase, pegava outra seringa, também pequena, com a menor agulha da casa, geralmente a usada para aplicar insulina. Explicava que o corte estava sonhando e roncando de tanto dormir, e não queria ouvir zoada para não acordar. Injetava o anestésico nas bordas do ferimento, de dentro para fora, e pronto, o corte dormia em berço explêndido. Em seguida com fios adequados e com a menor agulha terminava a sutura, a criança sempre a sorrir. Claro que algumas eram mais difíceis, todavia com jeito tudo saia bem. As crianças são inteligentes e gostam de interatividades. Ao lado dos pais sentem-se seguras e protegidas.
O grande problema era na hora de voltar para casa, a hora da alta. As crianças observavam todos os trâmites dos procedimentos. Ao final o residente elaborava um receita de benzetacil de 600.000 unidades e uma dose de vacina antitetânica, era a rotina pós sutura.
Na sala das injeções, que ficava ao lado da de sutura, o clima era outro. Crianças chorando, uma técnica de enfermagem com uma seringa cheia de um leite branco, a benzetacil, agulha grossa e com diligência na aplicação, para a penicilina benzatina não coagular e entupir a agulha. No outro canto da sala, outra técnica de enfermagem segurando uma seringa com a vacina contra o tétano para ser aplicada em seguida, muitas vezes até os pais choravam ao afagarem o filho ou a filha.
Zezinho fazia questão de retirar os pontos sete dias depois no seu ambulatório, nem todos os residentes faziam isto. Neste dia sabia de todo o acontecido na sala das injeções e os comentários dos colegas da sua escola. As crianças riam ao encontrar o seu amigo cirurgião que fez o seu corte dormir e sonhar. Abraços efusivos, chuvas de alegrias e os presentes eram frequentes.
Conta Zezinho, que uma das crianças, de três anos de idade, muito atenciosa, observadora e esperta, acompanhando o modos operandi dos procedimentos anteriores sem perder uma das fases, no final de sua sutura e prevendo que também iria fazer a profilaxia do tétano na sala do choro, agarrou a mão do pai, puxou para fora da sala e de imediato, compenetradamente, falou:
" vumbora pai, vumbora pai, se não esta mulher vai aplicar injeção e dói muito pai, vumbora!".
Assim terminou mais uma tarde de suturas no cotidiano do R1 de cirurgia geral, o Dr. Zezinho.
Iderval Reginaldo Tenório
Alucinação - Fotografia 3x4YouTube Volta Belchior12 de jan. de 2014Apenas Um Rapaz Latino Americano - YouTube
www.youtube.com › watchProvided to YouTube by Universal Music Group Apenas Um Rapaz Latino Americano · Belchior Alucinacao ℗ 1976 Universal Music Ltda Released on: ...YouTube · Belchior - Topic · 21 de jul. de 2018
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Um comentário:
Parabéns, texto lindo, e era isto mesmo que você era pois conheci você nesta época, e não esqueço de como sempre você procurava com brincadeiras melhorar nosso astral, lembro também rs do tamanho da cortada na barriga, rs deixando assim seu selo como toda vez que olho falo ele esteve aqui rs. Meu querido amigo vc é mil abraço
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