Sob risco, STF deve cavar trincheira, mas retomar diálogo com Bolsonaro e Congresso, dizem ministros
Segundo os magistrados, o ato de Bolsonaro pegou o tribunal totalmente de surpresa -o que não ocorreria se a corte mantivesse comunicação com o Planalto
Mônica Bergamo
O indulto de Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado a 8 anos e 9 meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal por ataques feitos a integrantes da Corte, levou ministros a uma reflexão mais profunda sobre a evolução dos atritos com o presidente da República.
A conclusão é que o tribunal sofreu o baque, mas deve defender suas posições com firmeza. Ao mesmo tempo, precisa reabrir com urgência o diálogo com o governo e com o Congresso Nacional.
De acordo com magistrados ouvidos pela Folha de S.Paulo, o ato de Bolsonaro pegou o tribunal totalmente de surpresa -o que não ocorreria se a corte mantivesse canais de comunicação com o Palácio do Planalto.
Já o endosso tácito dado ao indulto pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, deixou clara a falta de apoio e o isolamento do STF nessa questão -algo até então inédito, já que Bolsonaro sempre perdia os embates políticos com o Supremo.
Pacheco disse, em nota, que o indulto deve ser cumprido. Lira recorreu ao próprio tribunal para argumentar que a palavra final da cassação do mandato de Silveira, uma consequência de sua condenação penal, deve ser da Câmara. “Quem imaginava isso?”, diz um dos magistrados. “Fomos todos surpreendidos. É preciso dialogar mais e avaliar melhor o contexto político”, segue.
Um segundo ministro afirma que a falta de diálogo com o governo Bolsonaro e com o Congresso Nacional, uma marca do atual presidente do STF, Luiz Fux, impediu que os magistrados percebessem o ânimo de Bolsonaro, de se contrapor à condenação até o limite de suas possibilidades. E fez com que o tribunal fosse pego completamente desprevenido quando ele decretou o indulto.
Um terceiro ministro compara a situação a uma guerra -com o STF claramente sob ameaça pelo mais recente bombardeio de Bolsonaro.
O momento, diz, não seria o de avançar em um contra-ataque. Mas, sim, o de recuperar fôlego. “É a hora de o Supremo consolidar suas posições, cavar trincheiras e ficar dentro delas esperando para ver o que acontece. Não é momento de avançar”, diz o magistrado, fazendo um paralelo com a fase da 1ª Guerra Mundial que ficou conhecida como “guerra das trincheiras”.
Nela, cada lado do conflito, mais do que movimentar tropas, se preocupou em defender as posições conquistadas. “Os soldados ficaram meses e meses nessas escavações, esperando, até a hora do armistício final”, segue o ministro. “É isso o que o STF precisa fazer”, diz. A partir dessa posição, a Corte precisa voltar a conversar com o universo político.
O diálogo, segundo os magistrados ouvidos pela coluna, é institucional e ajuda na manutenção de um ambiente de maior harmonia entre os poderes. “As pessoas não podem achar que isso é errado”, segue um outro magistrado. “O Supremo tem que conversar com o governo, com parlamentares. Não podemos passar a ser vistos como inimigos. A solidariedade ao Supremo não se construirá com notas oficiais, mas com conversas permanentes.” A corte, por outro lado, tem o tempo a seu favor.
Os ministros não têm prazo para tomar qualquer decisão definitiva sobre o indulto de Bolsonaro. Uma das possibilidades é o STF considerar num primeiro momento, por exemplo, que ele não valeria até o fim da tramitação do processo contra Daniel Silveira. A defesa do deputado ainda pode oferecer vários recursos à condenação dele.
A corte pode ainda delimitar sua própria decisão, deixando ao Tribunal Superior Eleitoral a palavra final sobre a inelegibilidade do parlamentar, e para a Câmara o veredicto sobre a perda do mandato.
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