CONVERSA DE CRIANÇAS
“Eu tenho dez, ela
tem oito e o senhor quantos anos tem? ”
"Mais de
sessenta, mas estou desenvolvendo um remédio para começar a usar na próxima segunda feira, com este remédio em
vez de ganhar, eu vou perder um ano todos
os anos, até chegar aos trinta, nesta época deixarei de tomar, ficarei eternamente com trinta anos".
A mais velha botou a mão no rosto, de soslaio olhou para
sua mãe, para a sua prima e caiu no riso,
riu que as lágrimas derramaram-se pela fina e delicada face, provavelmente pensou
só para si:
“ Esse não deve ser normal, parece que não tem juízo”
Todos os oito olhos presentes marejaram , enxugados as lágrimas perguntou em voz baixa desconfiada:
" E pode? é possível? Eu nunca soube disso” .
A menina é muito
esperta , o sessentão não teve palavras para continuar . O item em pauta
foi vencido, ninguém tocou mais no assunto, para não virar querela fora
arquivado.
O ancião falou que anos atrás conheceu
uma criança com
seis anos de idade , hoje uma moça bonita , sonha em ser cirurgiã,
quer operar as pessoas ,
diz que vai ser médica , é muito humana.
Explicou às jovens que, quem
tem foco conseguirá realizar os seus sonhos, tudo é questão de
tempo , esforço , escolaridade e vontade dos governantes. Perguntou se gostavam de estudar e
se acordavam cedo.
A de 10 anos respondeu primeiro :
” Acordo cedo , as vezes tenho
um pouquinho de preguiça, gosto muito de estudar” .
A mais nova foi
logo complementando :
“ Eu não tenho nenhuma preguiça , na nossa casa
sou a primeira a levantar, estudo pela manhã”.
O
velho falou para as duas , que quando criança , de 1964 a
1968, início do governo militar, estudava num Grupo Municipal
que ficava defronte a sua casa , bastava atravessar uma
pracinha e já estava na escola. Todo mundo
era conhecido , não era perigoso para as
crianças, iam só, com os seus irmãos ou com os colegas . Era uma boa
escola , quase
todos que moravam no bairro estudavam neste grupo, foi tombado e hoje é patrimônio
histórico da humanidade.
Todas as vezes que vai à sua cidade, visita o grupo e senta na mesma carteira que estudou, pode não ser a mesma, mas é a do mesmo lugar, a que fica na frente do birô da professora . Naquele tempo a carteira da professora era chamada de birô, de bureau em Francês. Afirmou que só a escola salvará os pobres, elas logo rebateram:
“ Nós sabemos disso , nós
sabemos e gostamos muito de estudar, vovó Didi falava isso todos os dias”
Indagou se gostavam de certos
alimentos como frutas, sucos, pão, queijos,
doces e biscoitos. Ambas disseram em uníssono que gostavam de quase tudo, a menor
foi dizendo :
” Eu não gosto de nata de leite ,
de tempero e nem de queijo do interior, amo chocolate em barra e biscoitos de chocolates”.
A maior completou:
”
Eu gosto de tudo, só não gosto de comer rabada, toucinho, mocotó e outras
gorduras” .
A menor deu continuidade:
“ Eu gosto muito de feijão”.
Neste momento uma pausa e todos ficaram olhando um para o outro, o velho indagou .
"Feijão puro ou com carne fresca, carne de sertão ou com calabresas?"
Ela deu um pequeno soluço de aprovação e disse :
“
Com tudo isso dentro o feijão fica bem
melhor, fica mais saboroso”.
Neste momento uma grande risada, aliás
uma salva de gargalhadas, foi um momento de descontração e o velho perguntou com quantos anos iam se casar. A mais nova
brincando disse:
” Com cem anos e o
noivo com trinta”.
O velho indagou :
"Com quantos"?
ela respondeu :
“ Com
cem” .
Silenciou um momento e pausadamente, contando
nos dedos respondeu :
” Eu vou me casar
com vinte e sete anos e o noivo com trinta”.
A outra complementou :
“ Eu com trinta anos. Quando estiver formada e com um bom emprego. A minha mãe merece dias melhores, ela trabalha muito para me sustentar e semepre me lembrar: Quem salvo pobre é a Escola ”
A
surpresa é que trouxeram para o
velho amigo, a mais linda e espontânea xícara
do mundo. Uma bela caneca branca de louça , que
de um lado tem sua caricatura, presente de um grande
publicitário , do outro
uma mensagem com a fotografia do velho e as duas futuras profissionais
que muito orgulho darão ao Brasil.
O abraço da despedida foi longo, muito longo,
foi aconchegante. Apesar de longo, pareceu curto, muito curto, havia
chegado o momento da volta e elas se foram em busca de conhecimentos para as suas casas.
Veio na mente
criança do velho , que se diz adulta a seguinte reflexão e falou para a mãe da mais velha:
"o mundo ainda tem solução. Vamos salvar a nossa juventude, exigir isonomia no ensino básico para todos , vamos exercer a
cidadania.
Olhe para os dias de hoje , veja que dez anos atrás muitos destes
marginais que assolam a nação tinham
de oito a dez anos, hoje são homens formados sem nenhuma noção de cidadania, faltou-lhes
escola, faltou-lhes ética, faltou-lhes família, faltou-lhes respeito.
Converse muito com as crianças, escute os ensejos dos jovens, eles
só pensam no bem, o mal é gravado nas suas mentes pelos adultos. Vamos
incentivar o exercicio da cidadania para todos os brasileiros.
Fale que no mundo irracional filho de gato jamais será um Leão, um labarí jamais será uma baleia, porém no Reino Hominal filho de engraxate, pedreiro ou empregada doméstica poderá sim ser um catedrático da mais complexa univerdade do mundo, tem um porém: o seu esforço deve ser dezenas de vezes maior do que o esforço de um que nasceu numa famillia de classe mais alta. Mesmo que encontre dificuldades, e vai encontrar muitas, deve insistir e realizar o tão sonhado sonho "
Terminada esta explanação, o sessentão falou para si e para a jovem genitora em voz alta :
"Eu
acredito nestas crianças"
Iderval Reginaldo Tenório
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