IDERVAL TENÓRIO: Causos do Nordeste . Um Residente de Cirurgia na hora do almoço. O senhor quer abóbora?

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Causos do Nordeste . Um Residente de Cirurgia na hora do almoço. O senhor quer abóbora?

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Causos do Nordeste .

Um Residente de Cirurgia na hora do almoço

O senhor quer abóbora?

DONA MARIA, O RESIDENTE E A REFEIÇÃO

Hora do almoço-

O Hospital Roberto Santos em Salvador é o maior Hospital Geral Público do Estado, engloba quase todas as Especialidades Médicas , inclusive as de alta complexidade.

DONA MARIA

Dona Maria , uma baiana de baixa estatura , corpulenta , tez engordurada e de voz estridente, era uma das funcionárias que na rampa do restaurante colocava os alimentos nas bandejas de aço , utensílios estes divididos em 04 ou 05 compartimentos e que eram retiradas de uma mesa pelos servidores que desciam para almoçar.

Em passos lentos e em fila, um por um iam se aproximando dos grandes vasilhames de aço que armazenavam os alimentos, para cada tipo de comida uma funcionária, muitas de cara fechada e outras bem falantes, era dona Maria uma verdadeira tagarela.

Neste dia seria servido como complemento cubinhos de abóboras, por sinal muito gostosos, principalmente quando untados na manteiga , estes cubos eram disputados pelos médicos que faziam residência na casa, Residentes geralmente bem queridos por todos, uma vez que era o Programa de Residência Medica além do SUS e dos planos de Saúde, o melhor e mais amplo plano de assistência Médica da época, motivo mais do que suficiente para que fossem os médicos do programa as estrelas de um grande Hospital Escola.

Eu na fila, bandeja na rampa e do outro lado dona Maria, senhora pequena , cara redonda, braços curtos, sem cintura, roupa comum , um grande jaleco branco por cima, touca na cabeça, luvas de polietileno incolor e voz estridente, beirava uns 50 anos, porém com a aparência dos seus 60.

A Fila

Fila longa e com muitos servidores à espera do bom bocado, chega a minha vez.
Já com a concha cheia de cubinhos a despejar na minha bandeja .

"Quer abroba dotô Reginaldo, o sinhô quer abroba na manteiga ?"

Na fila muitos residentes, muitas enfermeiras e muitos funcionários à escuta,
modéstia à parte , era eu o único Residente Cearense do Hospital , o mais simples e o mais nordestino da turma, dona Maria e todos os funcionários tinham uma grande identificação com este mortal.

O Hospital era uma verdadeira família, não precisa dizer que era eu o mais feio, o mais magro, o mais desengonçado, era diferente do padrão baiano, sempre bem lustroso, era o mais comum dos comuns, nunca estava cansado, era pau para todas as obras, o sotaque carregado de cearense era a minha marca , morava literalmente no Hospital, era o meu porto seguro, todos me consideravam como um verdadeiro irmão, do faxineiro ao diretor era eu o elo.

Olhei para Dona Maria e respondi num tom de brincadeira com a minha bandeja à espera da gostosa Cucurbitaceae.

"Dona Maria, na minha terra, o Ceará, quem come abóbora é porco."

Dona Maria não contou conversas e nem titubeou, na bucha, na lata e em tom de gozação complementou:

"Aqui tumem dotô Reginaldo , aqui tumem, quer mais um pouco?"

Não ficou nenhum funcionário que não caísse na risada

Foi assim os melhores dias naquela casa, que era uma verdadeira família.

Muitos quando nos encontros batem comigo perguntam:

" DOUTÔ REGINALDO O SINHÔ QUER ABRÓBA"

Éramos felizes , muito felizes, obrigado Dona Maria.

Maria Feliciana de Jesus , hoje com os seus 87 anos, estive na Casa dela e ela me indagou:

Doutô o senhô ainda se alembra desta desfeita que eu fiz com o sinhô? Eu me sentia como a mãe de todos vocês , eu era feliz.