Ascânio Seleme |
Morte à vista do pedido de vista
Iniciativa do TCU estabelece prazo máximo de 30 dias para a devolução de um processo ao plenário
Uma excelente iniciativa do Tribunal de Contas da
União pode mudar o absurdo protelatório que atende pelo nome de “pedido de
vista”. Comum em todos os tribunais, a vista de um processo tem o poder de
adiar o seu julgamento pelo tempo que bem entender o juiz que fez o pedido.
Houve casos de vistas que duraram anos no Supremo Tribunal Federal. A
iniciativa do TCU, apoiada pelo atual e pelo próximo presidente, além de ter a
simpatia da maioria dos ministros da Casa, estabelece prazo máximo de 30 dias
para a devolução de um processo ao plenário com o voto do ministro que pediu a
vista. Se o magistrado não votar, mesmo assim o processo volta para a
apreciação e vence o que determinar a maioria.
Uma vista é concedida quando o juiz que fez o pedido
alega não ter se inteirado completamente do teor do processo.
Eventualmente esta pode ser a verdade, mas rotineiramente não é. Os
desembargadores ou ministros pedem vista que interrompe o andamento do
processo por diversas razões, inclusive para tentar pacificar um
plenário dividido. O fato é que são raras as vezes que um pedido de
vista serve para o solicitante se debruçar com mais cuidado sobre o
caso. Quando chega ao plenário para sentença, um processo já tramitou
por alguns anos, ou por muitos anos naquela instância e nas instâncias
inferiores. Tempo suficiente para que todos os ângulos do processo sejam
mais do que conhecidos por todos. Além disso, os processos que tramitam
em tribunais estão disponíveis digitalmente.Se acabar cristalizada, a iniciativa do TCU criará uma nova regra que os demais tribunais poderão ser compelidos a seguir. Quem ganha com isso é a Justiça. Quem perde é a famosa lentidão da Justiça. Com o auxílio do pedido de vista, que pode ser acionado nos tribunais regionais, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, um processo demora de 15 a 20 anos para ser julgado, a ponto de permitir a prescrição de eventual crime antes dele conhecer sua sentença final. O pedido de vista acabou virando instrumento protelador de decisões judiciais.
Há inúmeros casos em todos os tribunais, inclusive no STF, de pedidos de vista feitos depois de um processo ter alcançado maioria. O que isso significa? Significa que a decisão já tomada a favor de um dos lados da causa em questão ficará sem execução até que o ministro que pediu a vista devolva o processo ao plenário para que o acórdão seja enfim proferido. Trata-se de uma vergonhosa manipulação do processo penal que os ministros de todas as cortes tomam sem o menor constrangimento. Uma descarada protelação de uma decisão colegiada que um juiz solitário toma por ter sua posição contrariada. Ou por outras razões ainda menos nobres.
A proposta do TCU é terminativa. Depois de 30 dias o processo em vista por um ministro é devolvido automaticamente ao plenário e entra na pauta. O regimento do Supremo também estabelece um prazo de 20 dias para que um processo com pedido de vista seja devolvido para a pauta. Mas trata-se de um dispositivo ridículo, já que o prazo estabelecido não é obrigatório. Os ministros da Corte ignoram solenemente este prazo, e o instrumento acabou virando chacota de advogados, que o apelidaram de “perdidos de vista”.
Ascânio Seleme
ASCÂNIO SELEME
Diretor de Redação do GLOBO
Quando publicou seu primeiro artigo, Ascânio Seleme tinha 16 anos.
Foi no “Correio do Norte”, jornal de sua cidade (Canoinhas, em Santa
Catarina), onde nasceu no dia 5 de outubro de 1956. Formou-se em
Jornalismo em 1981 e conseguiu seu primeiro emprego como repórter em
1982, na sucursal de Florianópolis do “Jornal de Santa Catarina”, de
Blumenau. Em seguida, mudou de veículo: foi para a TV Cultura, na
capital do estado.
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