O FILHO QUE NÃO PROSPEROU
Num contagiante encontro, o Zezinho nos contou esta história.
Relatou, que um senhor oriundo de classe social baixa, mesmo com pouca escolaridade, educou os filhos com sabedoria.
Da
universidade do mundo cursara e vivera as diversidades da vida com muito afico, principalmente nas áreas
humanas. Com o suor do rosto, os ensinamentos da natureza, os pensamentos filosóficos, os comportamentos dos animais não humanos soube com zelo e maestria gerar, criar e educar a sua dezena de filhos.
O tempo passou, os filhos cresceram e alguns galgaram postos importantes na sociedade, fruto dos ensinamentos do sábio mestre analfabeto.
O bom senhor, à proporção que ganhava conhecimentos, foi envelhecendo e perdendo a vitalidade.
Como é peculiar à família nordestina, ano após ano, em encontros familiares, os filhos lembravam ao velho carvalho o seu valor e importância para a sua prole.
Um dos filhos havia voado alto e ocupado postos estratégicos na nação. O tempo passava e este filho não participava dos encontros, as suas justificativas eram os compromissos oficiais. Quando lembrava-se, nomeava prepostos: um irmão, um primo, um amigo e até um dos seus assessores. Nunca negara ajuda financeira, a sua presença era via transferências bancárias. O seu pai virou um CPF ou um CNPJ.
Com o passar dos tempos, o ancião foi perdendo a virilidade. Músculos atrofiados, cabelos raros, ralos e brancos, mente enfraquecida, visão embaçada e lapsos de memória. Perguntava onde estava, quem eram as pessoas da casa, onde morava e às vezes não sabia quem era a sua própria pessoa.
A tradicional família, continuava as suas comemorações ano após ano. O filho de destaque era substituído por um preposto, até o dia em que foi literalmente intimado a comparecer ao 99º aniversário do patriarca.
Ao chegar, entrou no quarto do seu genitor, sentou-se na cabeceira da cama e bem junto ao velho pai, falou :
__Peço a sua bênção pai, a bênção pai.
O velho imobilizado, nada respondeu, o filho repetiu mais alto:
__ A Bênção pai, a bênção pai.
O ancião abriu os olhos, mexeu com a cabeça de um lado para o outro, fez esforços para levantá-la, mirou o rosto do homem e com a voz trêmula balbuciou:
__Quem é você? De onde veio? Onde mora? O que faz ? Quem é o seu pai? .
O filho parou, pensou, abaixou a cabeça e disse :
__ A bênção pai, sou seu filho, o filho do meio, moro fora, faz mais de 20 anos que não vejo o senhor e 20 anos que não venho à nossa terra, trabalho no Ministério, trabalho no governo, moro na capital.
O pai mais uma vez falou:
"__Quem é você? De onde veio? Onde mora? Você é filho de quem? Quem é o seu pai? Veio aqui fazer o quê? Eu lhe abençoo, porém não sei quem é você. Não estou lhe reconhecendo, a minha memória está curta, se você diz que é meu filho, é porque é meu filho, porém eu não me lembro de você”
Desencantado com a amnésia paterna e decepcionado com o que presenciara, não conseguiu entender o que se passava.
Soube por intermédio dos irmãos, que o seu pai, num processo fisiológico foi perdendo paulatinamente a capacidade de memorizar, verbalizar e de locomoção. Passou a lembrar dos fatos repetitivos do cotidiano, como dos estranhos cuidadores, dos cachorros e dos reles utensílios de primeira necessidade ( o banheiro, o pinico, a aparadeira, o papagaio e a televisão). Emociona-se com o abrir e fechar das portas, o bate-bate das panelas, xícaras, dos pratos e dos talheres. Gosta do ranger das velhas e enferrujadas dobradiças, das grossas portas de madeira de lei manipuladas diariamente para o arejamento da casa, a entrada do sol e a chegada de visitas, fatores necessários à qualidade e ao prolongamento da vida.
Num sentimento de culpa, entendeu que o pai, devido a sua ausência, havia apagado da mente quaisquer resquícios ou lembranças de sua existência, até mesmo a legitimidade paterna.
Compreendeu que a ausência, o distanciamento e o descaso para com o velho pai, apagara a sua existência como filho.
Desconfiado e deprimido partiu para a conquista, porém o velho aos poucos foi apagando da mente os dados e imagens cerebrais, aos poucos foi esquecendo e se esquecendo... até o dia em que não mais lembrava nem de si, até o dia em que entrou em vegetação.
Com os fatos presenciados, o filho passou a entender que o seu pai precisava era de abraços, carinho, respeito, de sua presença e não de ajuda financeira ou de gestos pecuniários. Estes atos jamais substituirão um simples abraço e o calor que emana de cada alma.
Foi-se o velho e com ele foram sepultadas as suas memórias, restando as boas lembranças, os ensinamentos e os legados.
Para o filho ficou a certeza, que foi 20 anos atrás que viu e foi visto pelo pai. Ficou gravado na sua memória, que os seus filhos não eram netos do seu pai e mais claro ainda, que o homem é a mente e a entrelaçamento material e imaterial com tudo que lhe rodeia.
O homem é fruto de sua raiz, da interação do cérebro com a natureza e com as descargas eletromagnéticas do universo que atingem a terra. Ficou evidente, que o núcleo familiar é o maior elo entre o homem e a vida, e que seus genitores jamais deverão perder a sua importância e nunca serem desgarrados de sua trajetória de vida.
Por mais longe que o homem vá, por mais importante que seja a sua posição, as suas raízes deverão continuar fortes e firmes, terão que continuar aderidas, presentes e mais profundas em toda a sua existência. Um dia, cada cidadão sentirá o sabor da sua existência e o âmago das suas raízes, este dia, um dia chegará.
"Seja um bom pai para os seus filhos, para que no futuro, seja um bom pai para os seus pais"
SSa, 18 de Março de 1981
Iderval Reginaldo Tenório