sexta-feira, 17 de novembro de 2023

A calçola de tia Zizinha

 

Cabeça De Boi Selvagem Morto Na Parede Em Casa Foto Royalty Free, Gravuras,  Imagens e Banco de fotografias. Image 48402541

                                                                                

Calça feminina - Ilustração de Peça íntima do vestuário royalty-free

A calçola de tia Zizinha

EM DOIS ATOS  


Tia Zizinha

Apesar de franzina, Dona Zizinha era uma setentona valente.  Semblante calmo, voz firme e olhar seguro,  empunhava respeito.     Nem só os seus sobrinhos, mas todos a chamavam de Tia Zizinha.  Era  quem organizava as quermesses, as partidas de futebol, as lapinhas, as gincanas,  as torcidas organizadas e as festas do milho. 

       Quando jovem, ganhou diversos concursos de Rainha da Paróquia. Embora pequena e  sequinha  era um verdadeiro furacão ou um vulcão em erupção.
 

Dezembro de  1969,  a cidade encontrava-se em chamas,  população duplicada devido a presença dos visitantes para a maior vaquejada da região. Cavalos espalhados em todos os recantos,  bois nos currais, caminhões, caminhonetes, carros de boi  e carroças  enchiam as ruas e os bosques.  Carros de som martelando os  ouvidos com  canções sertanejas aproximando os apaixonados.  Rodas gigantes, canoas, tiro ao alvo e muita comida regional completavam o cenário do grande parque de exposição, tudo idealizado, organizado e executado por tia Zizinha. 

O relógio marcava 12 horas,  a conversa rodeava a farta mesa do almoço, o papo solto campeava na imensa sala da amada tia.  Zezinho, sempre tirado a conversador, iniciou uma discussão sobre a vida,  a grandeza do universo, a importância do ser humano e o quanto de orgulho possuem certas classes sociais, apesar da insignificância do ser humano diante da complexidade, dos segredos, das incertezas e dos mistérios da vida.

Depois de longa prosa filosófica, campesina, folclórica, genética e cultural,   em tom de deboche, Zezinho falou  para a tia Zizinha:  

- Tia, a senhora não vê neste mundão de meu Deus, esses indivíduos que se dizem importantes, bonitos, orgulhosos, cheios de soberbas etc e etc.? eles e todos nós somos uns bostas, somos uns merdas Tia Zizinha, uns merdas. Aliás tia Zizinha, nós e bosta somos a mesma coisa,  basta um mosquito, uma bactéria, um vírus e lá estamos debaixo do chão.  Nós não somos nada, basta um dia sem um banho, e lá está a inhaca.

Tia Zizinha parou, pensou, matutou e de imediato falou para todos em voz alta: 

- Nós não, meu filho, me tire dessa corriola,  vocês sim.  Vocês que estudaram,  se diplomaram, moram e moraram na capital e são doutores, juÍzes e professores podem se considerar bostas, podem se achar uns merdas, porque eu sou um mero pum.

 Um pum silencioso, sem odor, frouxo e abafado, isto é, um pum fajuto, escondido e que não tem direito a voz.  Pra você ver, nem zoada o coitado faz.  Eu, seu pai, sua  mãe e os seus tios  somos uns projetos de bosta, ainda falta muito, e nem sei se um dia seremos bosta, acho que daqui para frente,  seremos  sempre prenúncios de bosta.  Bosta  com formato, odor e cor  de bosta meu filho, só na próxima geração.

Após gostosas e efusivas gargalhadas,  Zezinho retrucou : 

- É tia, eu não sei por que tanto orgulho, tanto orgulho besta, pois todo mundo, do mundo, tem por trás uma bunda. Umas batidas, outras avantajadas, umas duras  e outras  moles, mas todos têm, todos Tia Zizinha, todos os viventes  do mundo, têm uma bunda colada atrás

Pensou       que havia falado tudo, achava que era o sabichão e tinha dado o tiro de misericórdia  no acalorado papo. A tia não  contou conversa, com o dedo em riste, olhos arregalados e em tom de advertência,   abriu a boca e em voz alta,  exclamou  a todos que estavam na sala: 

- E ainda por cima, meu filho, ainda por cima Zezinho, furaaadas!

Este é o perfil da minha velha tia Zizinha. Tem espostas na ponta da língua e para todas as perguntas. 

 

II

                                                           A vaquejada

Pôr  do sol de domingo, Tia Zizinha no comando da festa. 

 Vestido vermelho-rodado, chicote de couro cru na mão direita, chapéu de massa na esquerda  e uma  bota, cano longo,  que beirava o joelho, era uma verdadeira amazonas. Pista limpa, rapazolas pendurados nos mourões da cerca de madeira, moças de minissaias saboreando maçãs do amor, velhos e crianças nas arquibancadas de tábuas agrestes. As cancelas e os portões fechados, tudo pronto para a abertura do evento.

Sob os aplausos da plateia, entra na  pista a tia Zizinha. Sozinha, descontraída e envaidecida.   Com as salvas de palmas era a toda poderosa, a rainha da festa. Ali estava a Tia Zizinha em carne, osso e outros predicados. A plateia gritava em coro e sincronizada:

Tia Zizinha! Tia Zizinha!” várias vezes e sempre mais alto.  Aquele ato poderia se chamar de, o  dia da glória, da labuta, da dedicação, dia  da coroação.  Tia Zizinha era mais do que uma  Rainha, era a imperatriz do sertão.

De repente, inesperadamente, não se sabe de onde,  surgiu um boi preto de mais de metro de largura por dois de altura.  Ancas largas, chifres em arcos, grandes, pretos  e   pontiagudos, aro de cobre nas narinas e cinta de couro apertada no  vazio.  Olhos avermelhados, narinas bufando que só uma maria-fumaça e cascos a furar o chão.  As fortes patadas sobre o solo geravam um poeirão que chamava  a atenção do público.  O animal não contou conversa, nem gritaria e nem tempo ruim,  partiu enlouquecido e desembestado  pra cima de tia Zizinha. 

Imediatamente, a tia procurou os portões, todos lacrados, procurou um abrigo, não achou. Encontrava-se no meio da pista: ela, Deus e o boi bufão. A amazonas não titubeou e com seus finos gravetos, quis fazer bonito.  Levantou os braços, mostrou o belo chapéu de massa e rodou o chicote de couro cru sobre a cabeça, quis parecer que tudo fora programado, que aquilo fazia parte do espetáculo.  Correu para um lado, pulou para o outro, gritou como vaqueiro:  “Vai boi mandingueiro, boi marruá, boi bufão”. Procurava enganar o feroz bizão e mostrar valentia para os espectadores.  Conseguiu chegar até a cerca, mas,  chegou tarde,  sentiu na sua traseira uma cravinetada dupla, com impulso veloz, compacto, agudo e muito forte nos atrofiados glúteos. Os chifres lhes acertaram em cheio, a tia decolou   como um teco-teco  sem biruta,  a manobra lhe arrancou a saia, as anáguas e a combinação, de quebra, trouxe como troféu a sua vermelha calçola de brim, fundo duplo de forro grosso, acinturada com cordões de rede, embebida de suor, restos de urina e  do  odor ocre das partes pudendas, lavadas com economia de água e pouco sabão.

Com a setentona jogada contra a cerca,  as saias lhes cobrindo as enfurecidas narinas, além das vistas vedadas pela enxarcada calçola, o boi ficou acuado, perdeu o rumo e o prumo, rodava como um peão à procura da presa, o povo pulava e gritava o ensurdecedor refrão : “ Tia Zizinha, Tia Zizinha”.   O boi atordoado ficou perdido e desorientado, o boi pirou, surtou, o boi endoideceu e rodava como uma cobra cega . Com a grossa e umedecida calçola só enxergava pelas laterais, o boi endoidou. 

Apesar do ataque o boi perdeu a batalha. A Tia Zizinha levantou garbosamente o machucado corpo,  sacudiu a poeira, não teve outra escolha, desfilou só de califon e com as vestes de cima, três dedos abaixo dos seus dois murchos maracujás.   Com a traseira batida e dois vergalhões vermelhos indo até as costas, a tia corria elegantemente para escapar do esbaforido boi. 

           Foi o espetáculo do ano, a plateia foi ao chão. Os gritos ensurdecedores contagiaram os presentes, a plateia foi ao  delírio e   a tia Zizinha chegou ao estrelato, ao dia de glória.

           Os narradores com os microfones em punho, muitos ficaram roucos de tanta emoção, foi o maior espetáculo da terra
. Nos folhetins  a manchete :
A CALÇOLA VERMELHA DE TIA ZIZINHA E O BOI QUE PERDEU O RUMO.  

 Daquele dia em diante,  a tia transfomou-se na maior estrela do sertão. Passou a frequentar as vaquejadas da ragião  como celebridade. Quando o boi virou carne e   realizado o maior churrasco aberto de minha terra.  A Tia Zizinha, como troféu,   recebeu a  cabeça empalhada do boi BUFÃO e que hoje orna a sua sala. 

Em todo o Cariri cearense e em toda a Chapada do Araripe, tia Zizinha passou a ser a maior celebridade e a mais requisitada mestra de cerimônia. Tia Zizinha morreu no pódio aos 101 anos,  seis meses, doze dias e seis horas, como a Rainha das Vaquejadas.

                                           Salvador, 18 de Março de 2023

Iderval Reginaldo Tenório

 

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

ENCONTO FAMED82. F41 EM VITÓRIA DA CONQUISTA

 

Amigos , quando se fala em Nordeste, nas caatingas do Ceará, Pernambuco, Bahia, Paraíba e das demais nações nordestinas, veem à mente a seca, o sofrimento e o voo à procura do DICOMÊ. Baseado neste cenário, com um Sol causticante, terras rachadas e a humidade desafiando a vida, surge o homem do nordeste. Homem do árido sertão, forte, resiliente, familiar e acima de tudo trabalhador, é um exemplo de resistência, é um xerófilo. Com este cenário e mergulhado com o âmago, o Cearense de Iguatu, o Advogado Humberto Teixeira e o Pernambucano do Exu, o Rei do Baião Luiz Gonzaga do Nascimento escolheram a Asa branca como símbolo e em homenagem a este pássaro que migra na seca e retorna nas cheias, tal qual o homem do nordeste, compuseram a música ASA BRANCA, uma obra tão fidedigna, que todos os brasileiros a consideram O Hino do Nordeste.

Como estudioso das coisas do sertão e o que é um hino, fico a matutar. Vem à minha cabeça algumas indagações. Pergunto: o que é um Hino e qual é  a sua mensagem?  Ao mesmo tempo respondo: Um hino é um poema ou um cântico composto para glorificar deuses, heróis, nações, escretes e um povo, daí chega-se à conclusão que o hino do Nordeste é composto de duas partes, a primeira, o êxodo, a tristeza, a seca e o sofrimento retratados por Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga   em  Asa Branca e a segunda parte, a volta, o retorno, as chuvas, os sorrisos, as  safras, os casamentos e o orgulho de ser do nordeste, documentado pelo médico pernambucano José Dantas e o rei Luiz Gonzaga em  A VOLTA DA ASA BRANCA.

Para este mortal, o Hino do Nordeste, é a junção da  ASA BRANCA  com  A VOLTA DA ASA BRANCA. A seca, o retirante, a fome, o sol, o vento, os redemoinhos, as cascavéis, os umbuzeiros  e a senhora caatinga em fogo,  depois vem as chuvas, as babujas, as plantas, o verde, as farturas, a saudade e o cinza da caatinga se transforma no mais verde dos verdes, numa verdadeira floresta com toda a sua fauna. Humberto Teixeira, Zé Dantas e Luiz Gonzaga marcaram as nossas vidas e todas as vidas do nordeste com sabedoria.

Eu sou suspeito, as minhas palavras não servem, pois sou do nordeste, sou capiau, retirante, corena e cariri,  sou um sobrevivente, sou um dos componentes do grande rebanho das  ASAS BRANCAS.

 

Iderval Reginaldo Tenório

Escutem estea dois videos e não chorem. Mergulhem nos sertões de olhos fechados .

Vozes do Sertão - A Volta da Asa Branca - YouTube

A Volta da Asa Branca (Luiz Gonzaga/Zé Dantas) Arranjo: Marcio Mattos Vozes do Sertão Teatro Castro Alves, Salvador-BA 5 de outubro de 2012 ...
YouTube · Guido Sanfoneiro · 8 de mar. de 2013

 

 

 

Odair José, este artista merece respeito. Pare de tomar a pílula. Escutem um classico com o Caetano Veloso

 ODAIR JOSÉ - AS 10 MELHORES DAS ANTIGAS @regivandoalves5021 - YouTube

 Odair Jose | Spotify

                     CULTURA MUSICAL E DE CIDADANIA PARA O  POVO BRASILEIRO

O ODAIR SEMPRE NA PONTA, UM DOS HOMENS QUE CONTRIBUIRAM  PARA MUITAS  CONQUISTAS SOCIAIS .

 

Carteiras para as Empregadas Domesticas.
Preconceitos raciais.
Preconceitos profissionais.
Paradigmas no amor.
 

Escutem o Odair  e o Caetano em dos seus clássicos. 

(EU VOU TIRAR VOCÊ DESTE LUGAR))

1973

Tem  coisas que os brasileiros desconhecem. Quando se fala em MPB, ninguém lembra do grande Odair José, muitos até se envergonham e dizem que o mestre é brega, cafona e cantava para a raia baixa, ledo engano, o Odair foi e continua sendo um dos principais artistas deste país. 

 

Na classificação de importância cultural,  encontra-se no 74º LUGAR, no rol dos maiores artistas do país de todos os tempos. Figura à frente de muitos ícones como  Fagner, Belchior, Ednardo, Moraes Moreira e outros de valor. Figura no bloco do Caetano,  Chico, do Gil e do Luiz Gonzaga, vejam a sua importância .

 

Muitos artistas da atualidade estão gravando  o mestre Odair, dentre eles o mega  ZECA BALEIRO E OUTROS,  pesquisem. 

No tempo da ditadura, o artista  conseguiu bloquear a pílula, fazendo com que  o governo recuasse e debatesse o assunto, não poderia esterilizar as brasileiras  sem uma discussão prévia com a sociedade e com as interessadas, lançou:  PARE DE TOMAR A PÍLULA. 

Quebrou o paradigma da doméstica e forçou o  movimento de carteiras assinadas e direitos trabalhistas, como também o preconceito com o amor.  Naquela época o preconceito era mortal,  uma vez que  negras, prostitutas, empregadas domésticas, dançarinas e mulheres    de baixa renda, todas,   eram colocadas no mesmo balaio, não eram respeitadas.  

 

O Odair conseguiu o respeito para todas, todas são mulheres e cada uma atuava de acordo com as condições da época. A falta de respeito era a regra, mudou quando estrondou o sucesso-  DEIXE ESTA VERGONHA DE LADO  e EU VOU TIRAR VOCÊ DESTE LUGAR.  

Conheça um pouco o mestre. Considerado um dos setenta maiores artistas brasileiros de todos os tempos, ranque  publicado  na mídia no inicio do ano de 2014 .  O Odair José  circula no lugar que merece, ao lado de Tom Jobim, Caetano, Gil, Chico Buarque, Cayme e outros monstros da musica popular brasileira, figura como o 74º  em importância.

 

                                        Adendo de 2023

Foi taxado de brega, desclassificado  e jogado no escanteio. Fez muito pelo país, vendeu muitas cópias dos seus LPs . 

Fazia parte do grupo de elite junto ao Gil, Gal, Raul, Erasmo, Roberto, Betânia, Caetano, Taiguara e outros ícones.

O Odair continua sendo um dos principais artistas do país. Na ditadura militar   foi contra o uso da pílula anticoncepcional  indiscriminadamente  e denunciou para todo o  país o projeto do governo. Dizia   o Odair que era um crime esterilizar as pobres mulheres brasileiras sem uma discussão do assunto.

  

O projeto foi retirado de pauta e voltou com uma ampla discussão com toda a sociedade. 

Lançou a    música :  PARE DE TOMAR A PÍLULA. 
 Com esta música, o país abriu os olhos .

A segunda contenda foi com a oficialização das empregadas domésticas, antes sem valor trabalhista.
 O Odair forçou a criação de um projeto para valorizar estas profissionais e lançou a música:   DEIXE ESSA VERGONHA DE LADO-
Explodiu em todo o país e não deu outra. Ali teve início o grande projeto da hoje Doméstica valorizada como cidadã, carteira assinada e respeito. 

 

Iderval Reginaldo Tenório

 

Caetano Veloso e Odair José - Eu vou tirar você deste lugar

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YouTube · Caetano Completo · 13 de jan. de 2018

 

Eu vou tirar você desse lugar, com Caetano e Odair José - GGN

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Jornal GGN · Zé Filho · 21 de dez. de 2013