Por Leonardo Rugero Peres (Leo Rugero)
“A verdadeira sanfona é aquele instrumento menor, de oito baixos, onde abrindo o fole é uma nota e fechando é outra, ensinada de pai para filho, conhecido no interior do nordeste como pé-de-bode ou concertina, e no sul como gaita-ponto”.
Oswaldinho do Acordeon
www.oswaldinhodoacordeon.com/
“A sanfona é a cachaça dos nordestinos e o chimarrão dos gaúchos”
Hermeto Pascoal
“O gaúcho até então conhecera a viola, quase exclusivamente, e a rabeca. Embora rica em harmonias, a viola era um instrumento fraquíssimo em sonoridade, trabalhosa de afinar, e relativamente difícil de conduzir a cavalo porque logo se desarranjava ao contato com a chuva e a umidade. Agora o italiano oferecia ao gaúcho um novo instrumento [a gaita-ponto], de afinação permanente, resistente à umidade, fácil de conduzir. As limitações desses modelos modestos impunham exclusivamente o uso do modo maior, empobrecendo a expressão musical; mas, em contrapartida, o ar que se expelia do fole proporcionava um som forte, animado, capaz de se ouvir em toda uma sala de baile.”
Barbosa Lessa e Cortes
Luís Gonzaga e o seu pai, Januário.
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Por Leo Rugero
Ensaio elaborado especialmente para o projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia,
patrocinado pela Petrobras através da Lei Rouanet
A Sanfona de 8 baixos
No sul do Brasil é conhecida como gaita-ponto, gaita de duas conversas ou cordeona de oito baixos. Já no nordeste, atende por fole de oito baixos, concertina, realejo, harmônica ou pé-de-bode. Na região sudeste, sobretudo em Minas Gerais , é popularmente conhecida como cabeça-de-égua. No Espírito Santo, pode ser chamada de bandona, e no interior do Rio de Janeiro, muitas vezes é denominada como testa de ferro ou concertina. E por aí afora ainda pode carregar outros apelidos como botoneira, gaita de colher ou verduleira; Enfim, tantas denominações diferentes para um mesmo instrumento, o acordeom diatônico, que no Brasil é mais popularmente conhecido por sanfona.
Na Europa, onde surgiu no século XIX, a sanfona de 8 baixos também atende por muitos nomes. Na Itália, é a fisiarmonica diatonica, popularmente conhecida como Organetto. No País Basco, trikitixa. Tanto na Inglaterra, como Irlanda e Escócia, é chamada de melodeon. Em Portugal, atende pelo nome de concertina. Mas entre tantos nomes que foi adquirindo com a sua inserção em vários países, a Sanfona recebe seu nome de batismo, “Acordeom” em 1829, pelo construtor vienense Cyrill Demian.
Acordeom de Cyrill Demian sheng
Este inventor teve a idéia de colocar uma gaita dentro de uma caixa, impulsionada por um fole, concretizando um longo estágio de aperfeiçoamento desta idéia. Mais tarde, em 1831, Isoard Mathieu, desenvolveria o instrumento. Seria o nascimento do “acordeom diatônico”, nome este pelo qual a sanfona ainda é conhecida em muitos países do mundo, como a França, (accordeon diatonique), Alemanha, (diatonische handharmonika) e Espanha (acordeon diatonico).
Instrumento aerófono, pertence à família dos acordeons.
Trata-se de Aerófono, qualquer instrumento musical que produza som pela vibração de uma coluna de ar em seu interior. No caso dos acordeons, a produção de som ocorre da seguinte maneira: o fluxo de ar é impulsionado pelo fole, fazendo vibrar as palhetas dispostas nos castelos (caixas de madeira) dentro do instrumento, que são acionadas pelas válvulas de ar, como mostram as fotos seguintes;
sanfona de 8 baixos, caixas de palhetas ( castelos) válvula de ar acionada por um botão
A característica marcante da sanfona de 8 baixos é a bi sonoridade: abrindo o fole, o botão corresponde a uma nota; fechando, à outra. Ou, como dizem os sulistas, a sanfona de oito baixos funciona pelo sistema chamado de “voz trocada” ou “gaita de duas conversas”. É isto que, basicamente, diferencia a sanfona em relação ao acordeom de teclado, onde cada tecla ou botão corresponde a uma única nota, independentemente do movimento do fole. http://personales.ya.com/diatonico/
No Brasil, bem como na Europa, uma forma muito propagada de sanfona foi a de oito botões, ou oito baixos para a mão esquerda, e duas carreiras (ou fileiras) de botões para a mão direita, conforme o modelo acima, onde se podem observar duas filas de quatro botões que correspondem aos oito baixos, na parte inferior da foto.
Em todo o mundo, e no Brasil não foi diferente, a sanfona sempre esteve associada à festa e a dança, atendendo às expectativas de Cyrill Demian, que nos deixou os seguintes dizeres:
... O acordeom convém, por seu tamanho, aos viajantes. Permite uma cômoda interpretação das árias da moda, inclusive para os que não conhecem a teoria musical: emite acordes preparados. A melodia e suas harmonias estão unidas como na gaita...
Os imigrantes
A sanfona desembarcou em terras brasileiras pelas mãos dos imigrantes europeus, sobretudo italianos e alemães, em meados do século XIX.
Segundo o maestro Tasso Bangel em seu livro “O estilo gaúcho na música brasileira” foi em 1875 que a gaita-ponto (sanfona) de 8 baixos foi introduzida no sul do Brasil pelos então recém chegados colonos italianos.
A gaita que os italianos trouxeram já era bem desenvolvida e chegou com botões (gaita ponto, de voz trocada, de dois carreiros, etc.).(BANGEL, 1989, pg.20)
Mais adiante o maestro ressalta que a aceitação da gaita-ponto foi enorme, propiciando o aparecimento da indústria nacional de acordeons, sobretudo no Rio Grande do Sul.
Segundo outras fontes, a sanfona teria desembarcado um pouco antes, junto com os imigrantes alemães, que chegaram ao sul a partir de 1845. Em 1851, desembarcam no Brasil os “brummer”, como eram chamados os cerca de dois mil soldados alemães, que foram contratados para a guerra contra o ditador argentino Manoel Rozas. Desde esta época até as primeiras décadas do século XX, era muito comum entre os militares alemães o uso de sanfonas.
(http://www.casadagaitaponto.com.br)
Site http://jeanluc.matte.free.fr
Finda a guerra, muitos destes soldados teriam permanecido no Brasil, aonde passam a desempenhar a função de “gaiteiros”(sanfoneiros), animando bailes e tocando em festas de casamento e batismo.
O fato, é que, aos poucos a sanfona, que os sulistas batizaram de “gaita-ponto”, se impõe como instrumento solista e acompanhador da música gaúcha, substituindo gradualmente a rabeca e a viola. Uma antiga quadra gaúcha comenta esta transição que ocorre no final do século XIX, sobretudo na área fronteiriça. “ A gaita matou a viola/ o fosforo, o isqueiro/ a bomabacha, o chiripá/ a moda, o uso campeiro”.
Esta gênese da gaita-ponto no Brasil é bem explicada por Barbosa Lessa e Paixão Cortes no livro Paixão, danças e andanças:
O gaúcho até então conhecera a viola, quase exclusivamente, e a rabeca. Embora rica em harmonias, a viola era um instrumento fraquíssimo em sonoridade, trabalhosa de afinar, e relativamente difícil de conduzir a cavalo porque logo se desarranjava ao contato com a chuva e a umidade. Agora o italiano oferecia ao gaúcho um novo instrumento [a gaita-ponto], de afinação permanente, resistente à umidade, fácil de conduzir. As limitações desses modelos modestos impunham exclusivamente o uso do modo maior, empobrecendo a expressão musical; mas, em contrapartida, o ar que se expelia do fole proporcionava um som forte, animado, capaz de se ouvir em toda uma sala de baile. (Lessa e Cortes, 1975, 62)
Foi também no sul que surgiram os primeiros construtores brasileiros, na maioria descendentes de italianos, como Túlio Veronese e o casal Cesare Arpini e Maria Savoia.
Em 1923, o imigrante alemão Alfred Hering cria as “Gaitas Hering”em Blumenau – Santa Catarina, que, aos poucos, além de gaitas, passa a produzir diversos tipos de acordeons, entre os quais as sanfonas de 8 baixos, que serão muito difundidas em todo o Brasil. Em 1960, com o falecimento de seu fundador, a Hering é comprada pela companhia alemã Hohner.
No dia 28 de Abril de 1939, surge em Bento Gonçalves , a Todeschini & Cia. Fundada por Luis Matheus Todeschini. Em 1947, com a ampliação de seu pátio industrial, a empresa é rebatizada como Acordeões Todeschini.
Pátio industrial da Todeschini – foto da década de 60
Chamada carinhosamente de “Rainha do fandango”, até hoje a Todeschini é uma referência qualitativa em relação a sanfonas de oito baixos nacionais, embora um incêndio tenha destruído seu parque industrial em 1971, quando é interrompida a sua fabricação. . http://www.paginadogaucho.com.br/musi/gaita.htm
Segundo o acordeonista e pesquisador Lauro Valério, durante a década de 50, período áureo do acordeom no Brasil, chegam a funcionar cerca de trinta e duas fábricas espalhadas entre o sul e o sudeste.
http://www.valerio.com.br
No entanto, em pleno auge de sua produção, em 1965, ao passo que a Todeschini exportava seus instrumentos para diversos países, como Uruguai, Argentina, México e Estados Unidos, começa a enfrentar uma forte crise devido à revolução da eletrônica, e o fascínio que os novos instrumentos como as guitarras elétricas e os teclados passam a exercer com a ascensão do rock. <!--[if !vml]--><!--[endif]-->Nem mesmo a multinacional Hohner resiste, e deixa o Brasil em 1979, atestando um novo tempo, onde a indústria nacional de acordeons, outrora imponente, já anuncia inevitável declínio..
Embora ainda exista uma tímida produção nacional, atualmente o mercado de sanfonas de 8 baixos e acordeões se restringe principalmente aos instrumentos nacionais usados e/ou importados.
A sanfona brasileira
A sanfona de 8 baixos, desde que desembarcou no Brasil, passou por grandes transformações, adquirindo ao longo do tempo, características próprias de afinação e técnicas peculiares de interpretação. Desenvolve-se em um repertório tipicamente brasileiro, ganhando estilos e recursos novos, sobretudo na região sul, que lhe acolheu; nas regiões sudeste e centro-oeste, por onde se espalhou, e no nordeste, onde adquiriu características peculiares de afinação e interpretação.
O ensino da Sanfona de 8 baixos
O ensino da sanfona brasileira, de norte a sul do país, é eminentemente oral. O aprendizado normalmente é transmitido de pai para filho, e os sanfoneiros são em sua maior parte músicos que tocam “de ouvido”, isto é, músicos que não tiveram uma instrução teórica ou educação musical formal. Deste modo, a música da Sanfona de 8 baixos brasileira tem sido registrada através da memória dos instrumentistas e das gravações existentes.
O sanfoneiro pernambucano Arlindo dos oito baixos é um dos poucos mestres da sanfona de 8 baixos que têm trabalhado na área da educação musical. Sobre a importância na transmissão de seus conhecimentos Arlindo comenta:
Se não fizermos isso, vai acabar a sanfona de oito baixos. Tem que ensinar. Eu tenho o maior gosto, o maior prazer de ensinar.
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM785525-7823-SANFONA+DE+OITO+BAIXOS,00.html
. Porém com a atual legislação brasileira de ensino, um músico, ainda que tenha o pleno domínio técnico da sua arte não pode lecionar em escolas de nível técnico e superior por não possuir formação acadêmica, como o caso de Arlindo dos 8 baixos.
No sul do Brasil, podemos destacar o papel de Sadi Cardoso, que além de gaiteiro, foi também professor. Seu discípulo, Orlandinho Rocha, é hoje um dos maiores responsáveis pela divulgação da técnica da gaita-ponto sulista.
Já na Europa, a sanfona é um instrumento que gradualmente adquire certa respeitabilidade acadêmica. Na Itália e França, por exemplos, há diversas academias especializadas no ensino de sanfonas, entre as quais a de oito baixos. Isto sem contar na grande profusão de livros técnicos publicados, sobretudo na França, Itália, Alemanha, Espanha, Irlanda, Inglaterra, Estados Unidos, República Dominicana, entre outros países onde se destaca. Até mesmo cursos on-line já existem como o da Academia de Mantice na Itália.
No entanto, duas coisas podem se constatar em todas estas fontes: primeiramente, a ausência de informações a respeito da Sanfona Brasileira: suas técnicas, sua música, seus estilos e interpretes. Em segundo lugar, tais fontes não constam de informação a respeito da fabricação das sanfonas brasileiras que por sua vez, não seguem o mesmo padrão de construção e afinação das sanfonas européias e americanas.
Dado a escassez literária em relação à sanfona de 8 baixos no Brasil, tanto o estudante sério como o pesquisador e mesmo o leigo curioso, são obrigados a recorrer a uma bibliografia estrangeira, na maior parte das vezes inapropriada.
Exceção à regra, são as apostilas lançadas pela Editora Canto Sul, preciosos trabalhos que possibilitam a músicos e curiosos uma referência em relação à gaita-ponto de 8 baixos no estilo gaúcho. <!--[if !vml]--><!--[endif]-->
A sanfona no sul
Nesta parte, dedicada à região sul, chamaremos sempre a sanfona de 8 baixos por gaita-ponto de 8 baixos, em respeito à terminologia adotada pelos sulistas.No sul, os acordeons de botões são chamados genericamente de gaita-ponto, enquanto os acordeões de teclado são chamados de gaita-piano.
A música instrumental da gaita-ponto:
No sul do Brasil, especialmente no Rio Grande, a gaita-ponto está indissociavelmente relacionada à interpretação de temas musicais que acompanham as danças tradicionais gaúchas. Através de selos musicais regionais como a Casa “A elétrica”, a música da gaita – ponto começa a ser registrada ainda no segundo decenio do século XX.
É provavel que a gravação original de Boi barroso, em 1914, por Moisés Mondadori, seja o “marco zero” da história oficial da gaita-ponto brasileira. Também conhecido por Maestro Cavalheiro Moisé Mondadori, foi indubitavelmente um percursor na discografia da gaita-ponto de 8 baixos à nível nacional, tendo regravado esta música em 1974 à convite de Marcus Pereira para a coleção “Musica Popular do Sul”.
(exemplo 1)
Nesta interpretação, podemos observar o uso sistemático de terças paralelas, o falsobordão. De acordo com o maestro Guerra-Peixe, foi um recurso musical introduzido pelos ingleses, sob o nome de gymel. (GUERRA-PEIXE, 1968, P.242)
Mais tarde, esta técnica se estendeu à Península Ibérica, acabando por se tornar um artifício muito comum de harmonização a duas vozes na música tradicional brasileira, e também influenciando a técnica de outros instrumentos populares tradicionais tais como a viola e a rabeca, além da música vocal.
A afinação da gaita-ponto
Embora o termo gaúcho seja utilizado como gentílico para os nascidos no Estado do Rio Grande do Sul, originalmente esta palavra designa pessoas ligadas à pecuária nos campos naturais do Vale do Rio da Prata, os famosos pampas. Nesta região, outrora sede de fortes conflitos, cuja história remonta às missões jesuíticas do século XVI e geograficamente também inclui a Argentina, Uruguai e Paraguai.
Nesta região, fruto de um amálgama de índios com europeus, sobretudo portugueses açorianos e espanhóis, e mais tarde imigrantes italianos e alemães, onde se desenvolve uma cultura característica e consequentemente uma música de estilo próprio, na qual a Sanfona de oito baixos (gaita-ponto) possui um papel de destaque.
De acordo com o maestro gaúcho Tasso Bangel,
A gaita de botões, com sua escala diatônica no modo maior, destacou-se na música gaúcha, assim como o encadeamento tonal do baixo. (BANGEL, 1989, 30)
Já na década de 1940, o musicólogo Paulo Luis Viana Guedes, citado por Lessa e Cortes, afirma que a influência da gaita-ponto na música gaúcha era de tal modo marcante, que muitas características melodicas da música tradicional dos pampas só poderiam ser explicadas pelo uso da gaita – ponto. Em suas palavras,
a música do Rio Grande do Sul, tal como a conhecemos hoje, é um prolongamento da gaita. ( LESSA E CORTES, 1975, p.64)
A começar pela ausência de linha cromática -- já que a gaita sulista de 8 baixos e duas carreiras, é eminentemente diatônica, ou seja, é como se fosse um piano que não possuisse sustenidos e bemois, isto é, sem as teclas pretas. Sendo assim, a escolha de acordes, os movimentos melódicos e muitos outros traços da musical tradicional gaúcha teriam se desenvolvido sob a influência da afinação diatônica brasileira, que é a mais difundida na gaita-ponto de 8 baixos sulista. Esta afinação também é popularmente denominada de natural, e possui duas variantes, pequenas diferenças entre os modelos Hering e os modelos Todeschini, conforme pode-se examinar na planta abaixo.
A planta acima foi transcrita a partir de um modelo da marcaTodeschini.Entre os modelos da Hering/Honer, há uma diferença na afinação no 9º botão da 2ª carreira, que ao invés de dó/lá é afinado em dó/sol.
As duas carreiras de botões para a mão direita da gaita ponto diatônica são afinadas em intervalos de quarta, possibilitando ao executante que possa tocar ao menos duas escalas maiores completas. No quadro acima, tomamos como exemplo, a afinação mais comum, (sol-do). A primeira carreira (externa) compreende 11 botões e gira ao redor da tonalidade de sol maior. A carreira interna possui 10 botões e é afinada em dó maior.A tessitura do instrumento se extende do si2 até o mi5, tendo portanto duas oitavas e meia de extenção. A afinação natural brasileira corresponde quase exatamente à afinação diatônica européia sem alterações, salvo pequenas modificações, em especial a nota repetida no quinto botão (nota pedal) da segunda fileira, que passa a ser de uso típico do estilo gaúcho.
No entanto, dentro deste mesmo sistema, há sanfonas afinadas em diferentes alturas, mantendo a mesma relação de quartas entre as duas fileiras, sendo dó/fa, re/lá, mib/lab e la/re, as mais comuns. Os exemplos ao longo deste ensaio, denotam a disparidade de afinações utilizadas pelos sanfoneiros, tendo sido conservada nas transcrições as alturas correspondentes às gravações.
Mais tarde, com o surgimento das sanfonas de 3 carreiras de botões,(semicromaticas) se expandem as possibilidades melodicas, com a adoção dos acidentes ( sustenidos e bemois). Daí a interpretação de gêneros em tonalidade predominante menor, como a Milonga, que passa a ser incorporada no repertorio de gaiteiros como Renato Borguetti e Gilberto Monteiro.
Atualmente, sobretudo no Rio Grande do Sul, há uma variedade de gaitas-ponto muito grande, sendo as mais comuns, as gaitas de 8, 12, 24, 40 e até 80 baixos.
Hohner Club com duascarreiras e meia tábua de afinação da Honer Club confeccionado por
Jax Delaguerre
http://www.hohnerusa.com/
http://www.delaguerre.com/delaguerre/pedagogy/club/scales.html
OITO BAIXOS (mão esquerda)
Acima, as notas foram dispostas da direita para a esquerda, conforme o sentido dos baixos, com a carreira interna (primeiro sistema) e a carreira externa (segundo sistema).
Repare que os baixos da sanfona são, na verdade, uma disposição alternada de baixos e acordes. O sistema de escrita que adotamos coincide com o sistema de grafia aprovado pela Convenção Internacional de Milão, de 1950. Neste sistema, o baixo é escrito em sua oitava real enquanto os acordes são escritos apenas com a nota fundamental, uma oitava acima. Trata-se de um sistema de certa praticidade, que facilita tanto o trabalho de grafia musical quanto a leitura. No caso específico da sanfona de 8 baixos, trata-se de um instrumento que se desenvolveu ao largo da grafia musical, num universo onde predomina a transmissão oral, não só no Brasil, bem como no exterior. Portanto não há uma notação universal aplicada ao instrumento.
Os sinais de arcadas foram utilizados para representar a alternância entre a abertura e o fechamento do fole que no caso da sanfona de 8 baixos, é algo que modifica a sonoridade, por esta utilizar o sistema de “voz trocada” ou sistema bissonoro, isto é, ao abrir o fole, produz-se uma nota, e, ao fechar, outra.
A gaita em versos
O amor do povo do Rio Grande do Sul à Gaita-ponto está presente de forma intensa no cancioneiro gaúcho. Em “Gaitinha mimosa” de Berenice Azambuja e Paulina Seltzer, ouvimos os seguintes versos: “Esta minha gaita velha, toda cheia de remendo/Não alugo e não empresto/morro de velho e não vendo/Quando chego nos Fandangos/abro a gaita e já me acho/saio tocando a Vanera, puxando a minha oito baixo/Todo mundo está notando/que ela está desafinada/torniquete não tem mais/e as gaiteiras estão quebradas/A gaita do tempo antigo/causou muito sofrimento/ já fez muita prenda linda/desmanchar seu casamento/No dia que eu morrer, me faça um favor buenacho/eu quero um caixão bem grande/pra levar minha oito baixo”.(exemplo 2)
Na canção “Gaita velha do meu pai” de Teixeirinha, a reverência à gaita também está presente: "ouço o tinido da oito baixos/Da gaita velha do seu Ary/Fazendo eco dentro da noite/O som mais belo que já ouvi”. (exemplo 3)
Ou ainda, em “O negro da gaita”, composição de Gilberto Carvalho e Airton Pimentel sobre um poema de Dante Ramon Ledesma: “Mata o silêncio dos mates, Acordeona voz trocada / E a mão campeira do negro, passeando aveludada/Quando o negro abre essa gaita/Abre o livro da sua vida/ Marcado de poeira e pampa/Em cada nota sentida”. (exemplo 4)
Tio Bilia e a música da gaita-ponto:
Tio Bilia, (5 de Agosto de 1906 – 19 de Agosto de 1991) foi, além de interprete notável da gaita-ponto de 8 baixos, um compositor influente, cuja obra se faz presente de forma incisiva no repertório da gaita sulista. Conforme explicam os Irmãos Bertussi, importante dupla da gaita gaúcha, Tio Bilia
traz na 8 baixos o estilo guapo da região missioneira. <!--[if !vml]--><!--[endif]-->(Bertussi, 1968, contracapa)
Natural de Santo Ângelo, cidade na qual após sua morte foi erguido um busto em sua homenagem com os seguintes dizeres:
Homenagem ao gaiteiro santoangelense Tio Bilia que se projetou nacional e internacionalmente no mundo da música, sendo conhecido como o mestre da gaita-ponto.
Nas palavras de Valter Portalete,“Tio Bilia é um autodidata que fez escola”. Frase bem acertada, já que sua obra tornou-se importante referência de repertório do estudioso da música gaúcha instrumental, sobretudo aquele que quer aprofundar-se na música da gaita-ponto. Muitas de suas composições são estilizações ou adaptações de temas instrumentais que acompanham as danças tradicionais gaúchas, e a gaita se desenvolve em estilo solista, como instrumento principal do baile gaúcho.
Poucos gêneros musicais gaúchos são autóctones, sendo quase em sua totalidade adaptações de danças centro-europeias do século XIX, período de forte atividade colonizadora nesta região.
Entre os ritmos de compasso ternário (três tempos) podemos destacar a Valsa, a Mazurca, a Rancheira e o chamamé.
A Valsa, de origem austríaca, é um ritmo muito difundido, que se espalhou por muitas culturas. Como exemplo de Valsa gaúcha composta para gaita-ponto, podemos citar a “Valsa dos Imigrantes” de Tio Bilia.
A rancheira, de origem argentina, é outro gênero que assim como a Valsa e a Mazurca, ultrapassa fronteiras territoriais. Surgida nos bailes de fandango que os peões organizavam nos ranchos nas beiras de estrada, é uma variante mais acelerada e recortada da Mazurca. Segundo o violonista gaúcho Maurício Marques,
é a rancheira, uma mazurca executada nos ranchos para que seja dançado. Isto vai aumentando o andamento e tem a rancheira que nós conhecemos.
O toque básico de Rancheira pode ser ouvido no tema tradicional “Serra de Cima” adaptado por Tio Bilia. (exemplo 6)
Mais tarde, Tio Bilia compõe a rancheira de muito sucesso, “5 de Agosto, dia do meu aniversário”, também gravada por Borguetti. A primeira parte desta peça consiste em uma variação melódica sobre “Serra de Cima”, pois conforme afirmamos anteriormente, o diálogo com a música tradicional gaúcha é uma constante em sua obra.
(exemplo 7)
A maior parte das gravações de Tio Bilia foi realizada numa Todeschini de 8 baixos modelo “Único 300” , afinada em Eb/Ab, conforme mostra a foto seguinte. Foi um modelo de gaita-ponto de 8 baixo muito apreciado pelos profissionais por possuir um som forte (três palhetas ou gaitas por nota) e bem definido. Na década de 60, utilizavam este modelo, além de Tio Bilia, diversos “gaiteiros” de norte a sul do país como Virgilio Nunes, Zé Alves, Gerson Filho, Negrão dos 8 baixos e Zé Calixto.
Chapéu e sanfona Todeschini que pertenceram a Tio Bilia
Entre os ritmos de compasso binário, estão alguns dos gêneros mais interpretados pelos gaiteiros sulistas, tais como a Vanera, o Vanerão, a polca, o contrapasso, o xote, o bugio e a milonga.
Vanera, segundo alguns pesquisadores, seria uma corruptela de “habanera”. Este gênero de dança se origina em Cuba, através dos escravos africanos, e daí atravessa o mar e chega à Espanha, onde ganha popularidade. Muitos compositores eruditos do século XIX se inspiraram na habanera. Talvez o exemplo mais difundido seja a “Habanera” da ópera Carmen do compositor francês Georges Bizet.
A habanera se caracteriza pelo movimento moderado, compasso binário e a típica figura de colcheia pontuada seguida de semicolcheia e duas colcheias, a qual a vanera gaúcha manteve intacta.
A vanera era um dos gêneros favoritos de Tio Bilia, conforme atestam diversas obras deste gaiteiro como “Vanera da era de 24” , “Vanera pro mundo inteiro”, entre tantas. Na espirituosa “A volta da vanera grossa”, o “grosso” do título é uma alusão à região grave da gaita-ponto, amplamente utilizada nesta música, criando um efeito inusitado.
(exemplo 8)
Afinação: natural Eb/Ab
Derivado da Vanera, só que em andamento mais rápido e em ritmo mais acentuado é o Vanerão, que talvez seja o mais divulgado dos ritmos gaúchos, chegando até a influenciar o forró moderno, com o surgimento do gênero “forronerão”, acasalamento do forró com o vanerão.
Muito divulgado entre os “gaiteiros”, quase um hino da gaita-ponto sulista é o “Vanerão gaúcho” de Tio Bilia.
(exemplo 9)
Outro gênero europeu que foi muito influente em todo o Brasil, foi a Schottisch. A princípio, é uma dança dos salões aristocráticos do segundo reinado, sendo aos poucos difundida através do povo, gerando no Brasil três variantes distintas. O chote gaúcho, o xótis carioca e o xote nordestino, cada qual com características diferentes, mas derivados do original scottish. Como contribuição de Tio Bilia ao xote gaúcho, podemos citar o “Chote correntino”
. <!--[if !vml]--><!--[endif]-->
(exemplo 10)
.
Já o bugio, é um curioso toque de sanfona inspirado no ronco do macaco guariba, mais conhecido no sul como bugio. De efeito onomatopaico, é todo executado nos baixos, produzindo um som estrondoso que remete ao ronco do bugio, outrora muito presente nos pampas. Diz um antigo ditado popular que: “Guariba que ronca na serra, é chuva que cai na terra”.
Tio Bilia soube se valer deste inusitado motivo do folclore gaúcho para compor seu “bugio das oito baixos”.
(exemplo 11)
Muitos músicos gaúchos já renderam tributos e homenagens à Tio Bilia, como Renato Borghetti em seu álbum “Ao ritmo do Tio Bilia” de 1999, baseado em composições do gaiteiro.
Capa de “Ao ritmo de Tio Bilia” de Renato Borguetti
Virgilio Nunes Pinheiro e o limpa-banco.
Já Virgilio Nunes Pinheiro, é um representante dos pagos de Cima-da-Serra, e foi porta-voz de outro gênero característico da música gaúcha, o limpa-banco. Muito semelhante ao vanerão, para muitos especialistas da música gaúcha, nada mais é do que um outro nome desta mesma dança. Já uma outra vertente de pesquisadores associa a limpa-banco a uma variante da polca, a “polca limpa-banco”. O fato é que o nome deste gênero seria derivado de “limpar o banco”, sendo uma dança de tal modo envolvente, que não permitiria a ninguém ficar sentado no salão, como neste exemplo, “Galpão dourado” de Virgilio Pinheiro, onde neste caso a marcação rítmica sugere algo mais próximo do vanerão.
(exemplo 12)
Tendo sua música menos documentada que a de Tio Bilia, Virgílio Pinheiro acabou por não tornar-se referência tão marcante para os jovens intérpretes da arte da gaita-ponto. Importante registro histórico é o álbum “Baile Gaúcho – Tio Bilia e Virgilio Pinheiro com conjunto”, discos Copacabana, de 1968. Neste documento valioso da música gaúcha tradicional pode-se ouvir a arte deste “gaiteiro” tocando, além de limpa-bancos, polcas, e as já mencionadas rancheiras, valsas e ainda schottischies, mais tarde rebatizadas como chotes.
A polca foi, a exemplo da valsa, outro gênero muito influente do século XIX. De origem tcheca, se espalha por toda a Europa, não tardando em chegar às colônias. Com o ritmo de dois tempos bem marcado, está presente até hoje na música folclórica européia. De tal modo a Polca contagiou os salões europeus que não tardaria a chegar aos salões brasileiros, diluindo-se posteriormente na música nacional. Virgilio Pinheiro recolheu e adaptou a Polca tradicional “Lembrança do morro negro”.
( exemplo 13 )
Sendo um instrumento amplamente difundido na Região Sul, ainda podemos destacar como interpretes da gaita-ponto em estilo tradicional, Eurides Nunes, Beto Caetano, Valdir Santos e Sadi Cardoso, entre outros.
A influência Açoriana:
Renato Borguetti, em depoimento registrado na série “ A música brasileira deste século por seus compositores e interpretes” defende a importância dos historiadores Barbossa Lessa e Paixão Côrtes , e ressalta que a influência açoriana
se caracteriza muito na dança, por exemplo, Cana-verde, Balaio, Pezinho, são músicas muito singelas”(...) “músicas de roda, músicas de dança.(BORGUETTI,2000)
parte destas danças integram o Fandango, que para o sulista, seria um conjunto de várias danças. No acompanhamento dos fandangos, a Gaita-ponto ou a gaita-piano, desde a sua inserção na música gaúcha, passa a constituir parte imprescindível.
A forte colonização açoriana que se irradia nesta região sobretudo a partir de fins do sec XVIII.
Os açorianos chegaram em grande número e deram um toque especial na futura personalidade do estilo gaúcho com seu fandango insular, cantado e dançado nos galpões e ramadas. (BANGEL, p.18)
Enfim, dentro do vasto manancial da música sulista, a gaita – ponto, sobretudo a de oito baixos se expressa, sendo talvez, o instrumento mais característico, ao lado do violão, e eventualmente acompanhado pela percussão, onde o “bombo legüero” se junta aos palmeados e sapateados.
A sanfona no nordeste
O forró instrumental
“Esse cabra quando toca os oito baixos/ é que o povo gosta, é que o povo gosta/mas o roncado dos baixo que o fole dele faz/ é que o povo gosta, é que o povo gosta/ neste pagode, todo mundo se sacode/ um forró pra ser do bom/ tem que ter um pé-de-bode”.
(Sussuanil / J. B. de Aquino)
(exemplo 14)
Assim como no Sul, o pequeno acordeom de 8 baixos, que nesta região atende pelo nome de Sanfona de 8 baixos ou fole de 8 baixos, (embora outras denominações possam ocorrer), também surge de forma freqüente na literatura oral, sobretudo em letras de música, e será um dos instrumentos mais característicos da música nordestina tradicional.
A sanfona nordestina apresenta um estilo que lhe é peculiar, do qual poderíamos apontar algumas características.
A mão direita tem um papel preponderante na execução de melodias ágeis, lembrando, por vezes, a técnica de instrumentos de sopro, e se distinguindo em muito do estilo sulista, onde as mãos direita e esquerda formam um todo intrínseco. Dificilmente os baixos da mão esquerda são menos utilizados como acompanhamento marcado, ao contrário do estilo sulista, onde o baixo marcado da mão esquerda é quase imprescindível.
O uso do fole é mais contido, contrastando com o estilo sulista, onde os sons são tocados, de modo geral, com o fole mais aberto.
Também podemos notar o uso de harmonias e melodias intrincadas devido à particularidade da afinação transportada, que veremos mais adiante.
Notem no exemplo seguinte, o solo “Variações” de Zé Calixto, que retrata bem estas características diferenciadas da sanfona de 8 baixos no estilo nordestino.
(exemplo 15)
Por outro lado, o uso dos baixos pode ser muito ativo melodicamente, como em “Recordando Macaraú” de João Silva e Raymundo Evangelista, na interpretação de Bastinho Calixto, que se utiliza de um interessante efeito de chamada-e-resposta, entre as mãos direita e esquerda, muito utilizado por sanfoneirosde 8 baixos nordestinos.
(exemplo 16)
Muito pouco se tem escrito sobre a origem da sanfona no nordeste. Hipótese corrente entre muitos musicos, que nos foi apontada pelo acordeonista Guilherme Maravilhas (Mará), é de que a Sanfona teria sido introduzida nesta região através dos soldados nordestinos que haviam travado lutas na Guerra do Paraguai, no final do século XIX. De fato, festas tradicionais nordestinas como “Os Bacamarteiros” aludem à Guerra do Paraguai e seus “Voluntários da Pátria” . Nestas festas, a sanfona se faz muitas vezes presente, acompanhada de triângulo e zabumba. A região aonde havia se travado a guerra cisplatina, era uma área onde a sanfona já se impunha com instrumento influente entre os gaúchos.Como observa Zé Calixto, no nordeste há muitos sanfonas antigas sobretudo de procedência italiana e alemã, que sobreviveram até os dias de hoje. Assim, de marcas como a alemã Koch, que não são mais confeccionadas em seus países de origem, há exemplares espalhados por todo o Nordeste.
A sanfona de 8 baixos em disco
Com o seu grande sucesso, entre o final dos anos 40 e início dos anos 50, Luiz Gonzaga pôde abrir caminho para muitos músicos nordestinos de talento. Entre eles, os sanfoneiros de 8 baixos, modalidade que sempre incentivou. A começar por sua própria formação musical estar associada ao instrumento, sendo seu pai, Januário, seu irmão mais velho, Severino Januário, e sua irmã caçula, Chiquinha Gonzaga, ilustres representantes da arte do fole de 8 baixos.
Luiz Gonzaga e Januário Chiquinha Gonzaga Severino Januário
Em 1952, Luiz Gonzaga lança a música “Respeita Januário”, talvez a primeira canção popular que tenha o fole de 8 baixos como foco principal, verdadeira declaração de amor de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira por suas origens musicais.
Quando eu voltei lá do sertão/eu quis mangar de Januário/com meu fole prateado/só de baixo cento e vinte/botão preto bem juntinho/como nego impariado/mas antes de fazer bonito/de passagem por Granito/foram logo me dizendo: De Itaboca à Rancharia/de Salgueiro à Bodocó/Januario é o maior/ e foi aí que falou/ mei zangado Seu Jacó: Luiz, respeita Januário/ tu pode ser o mais famoso/mas teu pai é mais tinhoso/e com ele ninguém vai, Luiz/Luiz, respeita os oito baixos do teu pai. (GONZAGA, 1968)
Exemplo 17
Januário, embora não tenha se profissionalizado, foi, tal como prega a letra de “Respeita Januário”, um grande sanfoneiro. Grava algumas de suas composições em 78 rotações no início dos anos 50. Entre elas, “Januário vai tocar”, faixa gravada em 1954, que traz em sua letra o célebre refrão:
Ai, ai, sanfona de oito baixos, do tempo que eu tocava lá na beira do riacho, Ai, ai, sanfona de oito baixos, a cidade te acha ruim, mas eu não acho. (JANUÁRIO, 1954)
Exemplo 18
Mas provavelmente o grande precursor do fole de 8 baixos nordestino em carreira profissional foi Gerson Filho. Nascido em Penedo, Alagoas, em 1928, e radicado ainda jovem no Rio de Janeiro, Gerson Argolo Filho foi discípulo de Zé Moreno, famoso tocador de fole alagoano. Suas primeiras gravações datam de 1953 pela gravadora Todamerica, e se estendem até quando veio a falecer, nos anos 80.
Entre meados dos anos 50 e começo dos anos 60, o fole de 8 baixos, terá seu momento histórico mais glorioso. Neste período, surgem muitos sanfoneiros nordestinos que se profissionalizam e adquiriram prestigio como Severino Januário, Pedro Sertanejo, Manoel Mauricio, Abdias, Geraldo Correia, Camarão e Zé Calixto.
Afinação Transportada- o segredo da sanfona nordestina
. Os sanfoneiros de 8 baixos nordestinos podem ser divididos entre duas vertentes, a “natural”, ou “arrasta-pé”, com os adeptos da afinação diatônica ou natural, e a “transportada” ou “chorada” com os adeptos da afinação cromática ou “transportada”. A afinação “natural”, também denominada “diatônica” é a afinação que os instrumentos já trazem de fábrica e corresponde à utilizada nas regiões sul e sudeste. Já a “transportada” é uma modificação da afinação natural que é típica da região nordeste, conforme veremos adiante.Entre os representantes da sanfona em afinação “transportada” poderíamos citar a maior parte dos sanfoneiros nordestinos tais como Abdias, Manuel Maurício, Geraldo Corrêa, Adolfinho, Negrão dos 8 baixos, Heleno dos 8 baixos e Zé Calixto.
Já no gênero nordestino diatônico, menos utilizado, um grande representante e divulgador desta modalidade será Gerson Filho, que será fiel à esta afinação durante toda a sua carreira. Além de Gerson Filho, podemos citar ainda o também alagoano Hermeto Pascoal, Betinho, Januário (pai de Luiz Gonzaga), Landinho Pé-de-bode e Baianinho dos Oito Baixos.
Se na afinação diatônica tradicional, as melodias tinham que transitar apenas entre sete notas (do, re, mi, fa, sol,, la, si, do), agora, com o uso do cromatismo entre os sanfoneiros nordestinos, a sanfona de oito baixos e duas carreiras passava a contar com sustenidos e bemois. Se antes a sanfona era um piano só com as teclas brancas, agora se acrescentariam as teclas pretas.
A afinação transportada, bem como a afinação natural, possui duas tonalidades principais. Ao fechar o fole, dó maior e lá menor, as tonalidades principais. Ao abrir o fole, teríamos fá maior e ré menor (relativo), tonalidades secundárias. Seriam as tonalidades mais fáceis de serem utilizadas. Esta afinação, que poderíamos chamar de padrão, ou dó/fá.
Detalhes sobre a mão esquerda:
Notas reais:
Notas escritas:
Acima, as notas foram dispostas da direita para a esquerda, conforme o sentido dos baixos, com a carreira interna (primeiro sistema) e a carreira externa (segundo sistema).
Assim como na afinação natural, a afinação de uma sanfona transportada pode estar situada em diferentes alturas. Muito utilizada nos anos 60 e 70, era a afinação transportada em lá bemol – ré bemol, porém mantendo a mesma relação interna demonstrada na tabela acima. Eventualmente também se utiliza afinações em ré/lá e mi/lá, mi/lá, bem como fa/si bemol. Segundo Zé Calixto esta última variante costuma ser chamada de “cromática” ou “si bemol”. (CALIXTO, 2009)
O transporte costuma ser feito por sanfoneiros que possuem grande perícia manual, e é um trabalho onde podem durar até meses. Entre os afinadores mais requisitados podemos para esta finalidade podemos citar Arlindo dos 8 baixos, Heleno dos 8 baixos e o próprio Zé Calixto, que afina e cuida da manutenção de suas próprias sanfonas desde o começo de sua carreira profissional até os dias de hoje.
Isso possibilituou um alargamento do repertório e a possibilidade de interpretar músicas que não tenham sido compostas originalmente para a sanfona de oito baixos. Como exemplo, choros como “Brasileirinho” de Waldir Azevedo, “Espinha de Bacalhau” de Severino Araújo e “Escadaria” de Pedro Raimundo ganham transcrições nas mãos de Zé Calixto, que inclusive, será o sanfoneiro que abrirá caminho para esta tendência na 8 baixos no final dos anos 50. (exemplo 19) Chorinhos como “Apanhei-te cavaquinho” de Ernesto Nazareth, ou “Camundongo” de Waldir Azevêdo, além de Marchas-rancho como “Abre-alas” de Chiquinha Gonzaga são recriadas por Abdias dos Oito Baixos.(exemplo 20)
Com a afinação cromática também surge uma nova modalidade de composição para a sanfona de 8 baixos, explorando toda a extenção da escala cromática, e cujo destaque estará nos forrós e choros. Títulos como “Benedito no choro” de Adolfinho, ou “Fala violão” de Zé Calixto, traduzem bem o clima da sanfona no choro. O choro “Rato molhado” de Pedro Sertanejo, se tornou uma das mais emblemáticas composições da sanfona nordestina, e que já teve diversas gravações como a de Zé Mamede e sua gente esquentada, no disco “Forró do Rato Molhado” editado pela Copacabana em 1981.
Entre outros sanfoneiros que adotariam a afinação cromática podemos destacar Luizinho Calixto(irmão caçula de Zé Calixto), Zé Mamede, Arlindo dos Oito Baixos, Zé do Xis, Truvinca, Negrinho dos 8 baixos e Zé Honório.
Poderíamos supor de que a afinação cromática na sanfona de oito baixos nordestina seja um resíduo de influência inglesa, já que entre ingleses, escoceses e sobretudo irlandeses é comum o uso da afinação cromática na sanfona de oito baixos, por eles chamada de “melodeon”.O mesmo não se dá entre italianos e alemães, que usualmente utilizam os modelos diatônicos, mais próximos da afinação das sanfonas fabricadas no sul do Brasil. Na França, as sanfonas de 8 baixos pertencem à categoria que os franceses denominam “acordion diatonique”(acordeon diatônico), assim como na Itália (fisiarmonica diatônica) e Alemanha (diatonische handharmonika).
No entanto, a afinação cromática nordestina nos parece “autóctone”, pois até o presente momento, só a encontramos no nordeste brasileiro. Em depoimento concedido por Zé Calixto, este afirma que seu pai, João de Deus Calixto, também sanfoneiro, falava sobre uma outra afinação, anterior à afinação transportada. Levantamos, portanto a suposição de que caso não seria esta, a afinação irlandesa (irish stile), ainda remanescente no sertão paraibano? No entanto, ainda paira uma grande dúvida quanto à esta questão, já que todos os sanfoneiros que abordamos até o momento, ignoram a origem da afinação transportada e por sua vez, a bibliografia sobre este assunto em particular ainda é desconhecida ou inexistente.
A sanfona de 8 baixos e o forró pé-de-serra
Filho de Mestre Aureliano, lendário sanfoneiro da Bahia, e pai de Osvaldinho do Acordeon, indubitavelmente Pedro Sertanejo é apontado por músicos e historiadores como um pioneiro na divulgação desta modalidade da música nordestina no Sudeste. Fundou a primeira casa de forró de São Paulo, o “Forró do Pedro Sertanejo”. Mais tarde, em 1964, criou o selo Cantagalo, especializado em música nordestina.
Em seu repertório, arrasta-pés, polcas, rancheiras, mazurcas, baiões, xotes e chôros, entre outros gêneros, sempre tocados com o sotaque típico dos forros de pé-de-serra, pois o forró antes de tornar-se um gênero musical definido era uma designação para o baile popular nordestino.Como bem exemplifica Oswaldinho do Acordeon,
O Forró é mais rápido que o Baião, semelhança só no compasso 2/4 na pauta musical. O que conhecemos como Forró tem influência do baião, xote, xaxado, do maracatu, do samba de roda, do arrasta - pé e da ciranda. Meu pai popularizou os gêneros musicais nordestinos intitulando como sendo Forró por ser uma palavra fácil de falar e que identificava o encontro de nordestinos nos bailes populares. Quem divulgou o Baião foi Gonzaga, Forró foi Jackson do Pandeiro e o Forró Pé – de Serra foi Pedro Sertanejo. O Baião é lento, forró suingado e o Pé – de – serra ou arrasta – pé acelerado.
http://www.ritmomelodia.mus.br/entrevistas/entrev%202003/09%20oswaldinho_acordeon/oswaldinhos_do_acordeon.htm
.Para alguns pesquisadores, como o folclorista Câmara Cascudo, o nome forró seria derivado do termo forrobodó. Esta expressão, de origem portuguesa, significa balbúrdia, confusão. Forrobodó então passaria a ser entendido no Brasil, como uma gíria para designar os festivos encontros populares do nordestino.
Outra versão, recusada pelos historiadores, embora tenha sido divulgada por músicos do porte de Luiz Gonzaga e Sivuca, é a de que a palavra forró seria derivada do inglês “for all”(para todos). Esta expressão teria surgido no início do século XX, durante a construção da ferrovia Great Western em Pernambuco, Paraiba e Alagoas. Nesta ocasião muitos engenheiros e operários ingleses se instalaram na localidade, para a construção da malha ferroviária nordestina.Quando os festejos ou celebrações eram populares, isto é, abertas a todos os funcionários da ferrovia e moradores das redondezas, fixava-se uma placa com os dizeres, “for all”. Obviamente, nessas festas tocavam-se danças da época, sendo que boa parte dessas danças foram as fontes nutrientes do forró.
Fato consumado ou não, mazurcas, valsas, schottishes (rebatizadas de “xotes”), polcas e tantos outros gêneros de dança centro – europeias de final do século XIX foram absorvidos e reinterpretados, formando um caráter sonoro peculiar. Fenômeno parecido ocorreu no Rio de Janeiro no final do século XIX, quando surge o choro. Desse modo, tanto o choro como o forró seriam , ao menos inicialmente, mais um “estilo” interpretativo, uma forma de tocar danças de época por um determinado conjunto instrumental típico, do que um gênero musical específico.
AS DANÇAS DO FORRÓ
Entre os gêneros que compõe o repertório de forró instrumental, o baião é talvez, o mais difundido. Introduzido no Sudeste por Luiz Gonzaga, no início dos anos 40, se caracteriza pelo ritmo sincopado e pela utilização dos antigos modos eclesiasticos, conferindo um sabor peculiar às melodias deste gênero. Entre as origens mais prováveis do termo baião, duas delas são as mais aceitas, conforme esclarece o musicólogo Baptista Siqueira: o Baião – de- viola, um certo jeito de acompanhar a cantoria nordestina através da viola de arame, e o bahiano, “dança saracoteada” já descrito por Silvio Romero e Euclides da Cunha ainda no século XIX.(SIQUEIRA, 1978,p.60)
Gerson Filho foi um precursor da sanfona de 8 baixos no Baião, gravando, já em 1953, pelo selo Todamerica, no Rio de Janeiro, o baião “Catingueira do sertão”.
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Toque básico de baião
Como exemplo ilustrativo de Baião tocado na sanfona, podemos citar a música “Coração do norte” de Pedro Sertanejo lançada originalmente em 1962. Vale notar, além das terças e sextas paralelas (falso bordão), a melodia construída sobre o modo de ré mixolídio (modo maior com a sétima abaixada).
Na interpretação de Pedro Sertanejo, nota-se também a precisão e velocidade característica dos sanfoneiros nordestinos
( exemplo 22 )
Ainda nos anos 50, o forró se delinearia nos seus contornos, em composições como Forró de Mané Vito e Forró de Limoeiro.O ritmo básico do forró enquanto gênero musical definido pode ser traduzido por este toque de zabumba:
O forró tornar-se-ia um dos mais fortes meios de expressão do sanfoneiro de 8 baixos nordestino. Gênero sincopado, com maior flexibilidade rítmica que o baião, e melodias muito adornadas, construídas normalmente em grupos de semicolcheias, constituiriam um estilo muito particular de interpretação, como mostra o forró “Solte o bode” do sanfoneiro alagoano Gerson Filho.
(exemplo 23)
Outro gênero importante no forró instrumental, é o xote, que em sua variante nordestina possui o acento no segundo tempo mais marcado. O “xote em fá” de Zé Calixto, exemplifica bem o sotaque que o povo nordestino imprimiu à este gênero, conferindo-lhe uma acentuação distinta do Chote gaúcho, e uma forte tendência a subdivisão ternária. Neste exemplo, a presença de dualismo modal (mixolidio/jônio) retrata um colorido melódico próprio nas melodias tipicamente nordestinas.
( exemplo 24)
Também originariamente européia, a quadrilha tornou-se no Brasil parte indissociável da comemoração das festas juninas. Introduzida no Brasil na monarquia, esta dança de origem francesa (quadrille) fez sucesso nos salões da corte, caindo mais tarde no gosto popular.Também conhecida por Arrasta-pé, se caracteriza pelo ritmo binário com acento no segundo tempo. Sua dança possui uma série de evoluções, normalmente orientadas por um animador, o “marcador de quadrilha”.
É comum em todo o Brasil, não sendo portanto, um legado exclusivo da Região Nordeste. Entre os sanfoneiros de oito baixos desta região, é um gênero obrigatório.
Muito identificado com o gênero devido ao álbum “Quadrilha brasileira”, lançado originalmente pela RCA em 1967, Gerson Filho chegou a receber a alcunha de “rei das oito baixos nas quadrilhas”. Este disco se encontra em catálogo permanente e é um dos grandes êxitos comerciais da sanfona de 8 baixos brasileira. Vale notar como detalhe desta capa, que embora o instrumento da ilustração é um acordeom de teclado, na gravação do disco prevalece o uso da sanfona de botões. Pequenos descuidos da indústria fonográfica.
Um bom exemplo de quadrilha na sanfona de 8 baixos é “A pisada é esta” de Gerson Filho, registrada no disco “Oito baixos brasileiros” de 1971.
( exemplo 25 )
Lendária é a origem atribuída ao Xaxado, nome que teria se originado de uma onomatopéia para o chiado das alpergatas dos cangaceiros no chão arenoso do sertão nordestino.Um emblemático exemplo de xaxado, cuja autoria é atibuída à Lampeão, “ O rei do cangaço”, é Mulher rendeira.Tanto a autoria desta música como a origem do xaxado, são refutada por muitos pesquisadores e músicos. Zé do Norte, que adaptou e registrou esta canção tradicional em seu nome é um dos que já se pronunciaram a respeito:
Essa conversa, de que Lampeão foi seu autor, é conversa de quem não conheceu o sertão daquela época e vive contando pabulagens, para engabelar os incautos que tomam o assunto como fábula. (ZÉ DO NORTE, 1985, p.51)
Uma das marcas do xaxado na sanfona, é o “chiado”, efeito produzido por notas saltadas em andamento muito vivo, como podemos conferir em “Forro no Zé Bernardo” de Heleno dos oito baixos, uma das faixas do disco “Pé de Serra forró Band, Brazil”, que foi lançado na Alemanha em 1992.
(exemplo 26)
O frevo , embora não seja um gênero normalmente ligado ao forró, sempre fez parte do repertório dos sanfoneiros nordestinos. Espécie de Marcha - Rancho em andamento extremamente acelerado, o Frevo foi uma modalidade de canto e dança surgida no Carnaval de Recife, nos fins do século XIX.De acordo com o “Vocabulário
Pernambucano” de Pereira da Costa, o termo frevo teria sua origem em “frever”, corruptela de “ferver”, dado à efervescência natural provocado pelo “passo”, a dança característica que acompanha a música. Dado a dificuldade técnica apresentada pelo gênero, consiste numa verdadeira “prova de fogo” para o sanfoneiro. Arlindo dos 8 baixos, é um aclamado sanfoneiro pernambuco que tem dedicado parte do seu repertório aos frevos. E entre os que gravou, está o emblemático ( e obrigatório) Vassourinhas de Matias da Rocha e Joana Batista Ramos.
( exemplo 27)
Outro gênero fundamental é o samba. Apesar de antigo termo utilizado no Nordeste como sinônimo de forró, a palavra “samba” também designa o gênero musical, um pouco diferenciado de sua forma mais difundida, a carioca. Conforme explica o pesquisador e crítico José Teles sobre o samba:
No Nordeste, entretanto, ele (N.A. – o samba) foi adaptado para a sanfona, o triângulo, a zabumba, mais violões, banjo, instrumentos de sopro. Era chamado samba de matuto, ou samba de latada. A latada, no caso, era uma extensão da casa, ou "puxada", coberta por folhas de flandres, onde aconteciam os forrós, ou sambas. O samba de latada teve como um dos maiores intérpretes o sanfoneiro Abdias, seguido pelo paraense Osvaldo Oliveira. (TELES, 2007)
Já o samba-matuto, é um subgênero do samba, aparentado com o lundu e o maxixe.
Um bom exemplo de samba matuto é a música “Oito baixos fofoqueiros” de autoria de Zé Mamede e Dunga, em versão gravada por Baianinho da Sanfona no álbum Forró sem briga vol.2, de 1978.
( exemplo 28)
Menos freqüente no repertório dos sanfoneiros nordestinos são os gêneros em compasso ternário. Ainda assim, rancheiras e mazurcas aparecem eventualmente e sempre com uma abordagem ritmica própria. Estas danças austeras ganham entre os nordestinos um ritmo sincopado com forte percussividade afro-indígena, tornando – os mais saltitantes que as suas matrizas européias e das suas adaptações sulistas. Isto pode ser notado no acompanhamento rítmico de “Raposa Magra” do sanfoneiro Francisco Abdias, na interpretação de seu filho, Abdias, no disco “Abdias no Forró” lançado em 1960 pela Columbia.
( exemplo 29)
A valsa, embora raramente, também aparece no repertório dos sanfoneiros nordestinos, ainda que não fizesse parte dos forrós. Como afirma Zé Calixto em entrevista,
No entanto, bailes à parte, Zé Calixto é um interprete notável de valsas-choro Assim, temas identificados com a valsa-choro como “Rosa” de Pixinguinha e “Saudade de Janete” de João Batista dos Santos foram gravados por Calixto.Gerson Filho também foi um esmerado interprete de temas valseados, só que mais simples, próximos à sensibilidade da música rural. “Mariazinha” e “Minha boneca”, ambas de Gerson Filho, são exemplos representativos. Em termos gerais, a valsa nordestina se aparenta mais à valsa da região sudeste.
Exemplo 30
Enfim, sanfona à frente, somada à forte massa percussiva de zabumba, triângulo e agogô constituem a formação básica do grupo “regional” que normalmente acompanha a sanfona. Muitas vezes, a instrumentação se faz completa por um violão de 7 cordas fazendo as “baixarias” e o cavaquinho ajudando na marcação ritmica. Este conjunto chamado “regional” seria a instrumentação básica do que hoje chamamos “forró instrumental”, vertente do forró pé-de-serra, que chegou a ser muito popularizada, devido a refinada qualidade musical de seus intérpretes, entre o princípio dos anos 60 e fins dos anos 70.
Novas danças
O forró instrumental foi absorvendo, ao longo das decadas de 70 e 80, os modismos passageiros e as tendências mercadológicas. Entre as novas danças que são incorporadas ao forró instrumental, estão o merengue e o carimbó.
Em 1970, Abdias lança o disco “Na ginga do merengue”, introduzindo definitivamente no universo da sanfona de 8 baixos nordestina esta dança de origem dominicana. Aos poucos, com a boa aceitação do público, o merengue passa a fazer parte do reportório de grande parte dos sanfoneiros nordestinos. O então menino Luizinho Calixto, irmão caçula de Zé Calixto, grava em seu disco de estréia “Vamos dançar forró” de 1975, a quase anedótica “Forró merengue” de Bastinho Calixto, cuja letra mostra um leve tom de crítica à já eminente transformação do forró: “Chamei minha nega, pra dançar comigo o merengue, mas tô sentindo que no forró ela é bem melhor.”
O carimbó, diretamente do norte do país, também passa, pouco a pouco, a integrar o repertório dos sanfoneiros. Novamente Abdias é um ponta de lança. Em seu disco “Tem fusuê”, lançado em 74, grava a música “ É Carimbó”, onde divulga para o público dos forrós, a chegada da tradicional dança paraense aos pés-de-serra.
Migração Nordestina no Sudeste – ponte entre a sanfona nordestina e a música urbana carioca
O alagoano Hermeto Pascoal, assumiu sua primeira “função” de músico profissional tocando sanfona de oito baixos nas “festas de pé-de-pau”, ainda menino, nas imediações de Lagoa da Canoa, sua terra natal. Mais tarde, já emigrado para o sudeste, Hermeto substituiria a sanfona pelo acordeom de 120 baixos. O acordeom de teclado, com mais recusos do que a sanfona, era capaz de tocar em todas as tonalidades, além de ser instrumento mais cultuado nas capitais, e permitiria a Hermeto uma maior expansão profissional.O mesmo que teria feito, uma década antes, no início dos anos 40, Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Filho de Januário Gonzaga, sanfoneiro de oito baixos, Luiz Gonzaga acabou adotando o acordeom de 120 baixos, que embora mais pesado, possuía o rendimento mais fácil. Nas palavras de Osvaldinho do Acordeon,
Nos cassinos da década 40 os sanfoneiros tocavam tango, polca e valsa. Até então Gonzaga só tocava sanfona com influência nordestina para estudantes nordestinos que tinham saudade da sua origem.
Segundo Zé do Norte, foi através do programa Papel Carbono, de Renato Murce, na Radio Clube do Brasil, que Luiz Gonzaga conquista o prêmio com a música “chamego” que definitivamente lhe consagraria e abriria espaço para o jeito nordestino de tocar sanfona, ainda no começo da década de 40.
Na primeira “leva” da sanfona de 8 baixos nordestina no Rio de Janeiro, destaca-se, além da família Gonzaga, o já citado sanfoneiro alagoano Gerson Filho. Nascido em 1928, no município de Penedo, em Alagoas, Gerson Filho radicou-se ainda jovem no Rio de Janeiro. Em 1954, vence o concurso de calouros da Radio Guanabara, onde passa a trabalhar. Seu “Baião em Caxias”, parceria com Estanislau Silva, gravado em 1954, narra uma festa onde se tocava o Baião no município fluminense de Duque de Caxias onde, aliás, a família Gonzaga possuia um famoso sítio, outrora sede de muitos “forrós”. Lá vem o trem, vou pra Duque de Caxias/cantar Baião no terreiro do Matias/lá tem sanfona e tem mulé/os home é bom no Arrasta-pé.
(exemplo 31)
Até o final dos anos 70, a exceção de poucos selos como Mocambo e Rosenblit, em Pernambuco, boa parte da indústria fonográfica brasileira se concentrava no eixo Rio-São Paulo. Deste modo, quase a totalidade dos sanfoneiros nordestinos são gravados em disco nas capitais do sudeste, sobretudo no estúdio Hawai no Rio de Janeiro que prestava serviço para diversos selos, tais como; Esquema, Somil, Copacabana, Som, Itamaraty, Cid, Continental, etc. Estas gravações atendiam basicamente ao público nordestino, tanto nas capitais do sudeste quanto como nas capitais do nordeste, e eram embaladas em discos que traziam apenas o nome do artista principal, se caracterizando pela ausência completa de detalhes sobre as gravações, como nome dos músicos participantes ou arranjadores, tornando o trabalho de documentação muito dificultado.
Durante esse período era comum que os bailes de forró ainda fossem animados por sanfoneiros de oito ou cento e vinte baixos em temas instrumentais, que segundo Osvaldinho do Acordeon, eram chamados por Luiz Gonzaga de “sambas de fole”. Foi este fato, inclusive, que permitiu que muitos sanfoneiros como Gerson Filho, Abdias, Zé Calixto e Geraldo Correa, entre outros, tenham gravado regularmente ao longo de suas carreiras.
ZÉ CALIXTO
José Calixto da Silva, (11-8-35) nascido em Sítio de Araticum, no município de Campina Grande, terá um papel histórico de grande relevância na valorização da Sanfona de 8 baixos nordestina. Além de ser um dos interpretes pioneiros na divulgação deste instrumento, sempre se destacou por seu virtuosismo, tornando-se, ao lado de Abdias, um dos maiores nomes do fole de 8 baixos.
Contando sobre a sua infância no sertão paraibano, Zé Calixto afirma que
- naquela época nem rádio existia na minha casa.Escutava pela boca do povo, música naquela época eram mais músicas de Carnaval, marchinhas, sambinhas.Quando tinha meus treze, quatorze anos (...) aí surgia já músicas de Luiz Gonzaga. (CALIXTO, 2007)
Seu pai, João de Deus Calixto, (Seu Dideu), se torna sanfoneiro, e passa a tocar nos bailes da localidade. Zé Calixto, o filho mais velho, acompanha o pai tocando um instrumento de percussão, o reco-reco .Já aos doze anos, Zé Calixto passa a tocar a sanfona em bailes, normalmente acompanhado apenas por um pandeirista.
O dinheiro era bem curtinho, e só dava pra dois.(CALIXTO, 2006)
A formação musical de Calixto se deu, assim como todos os sanfoneiros de 8 baixos que hoje conhecemos, através da educação informal, aprendendo a partir da observação dos mais velhos ou experientes, tendo como escola a prática profissional.
No caso de Zé Calixto, foi seu pai, Seu Dideu, que lhe ensinou as primeiras lições. Algumas escalas, acordes e arpejos, que Zé Calixto chama de “variações”. Esta base técnica e mecânica, somada à prática diária dos bailes, onde se tocava um repertório extenso de duas ou três horas a fio, foram aquilo que poderíamos chamar da “escola” pela qual passou Zé Calixto.
Seu Dideu, por sua vez, aprendeu a arte do fole de 8 baixos, com um amigo de Campina Grande, chamado Zé Tempero. Dideo, que também tocava reco-reco, acompanhava este afamado tocador no final dos anos 20.
Por sua vez, os irmãos mais novos de Calixto, Bastinho e Luizinho, também se tornam profissionais destacáveis deste instrumento, perpetuando assim, a tradição musical da família Calixto.
Influências
Ao contrário do que se pode pressupor, as primeiras influências musicais de Calixto não são gêneros considerados genuinamente nordestinos, e sim, gêneros musicais identificados com a música popular urbana. Recordando a sua infância na Paraíba, Calixto afirma que
Naquela época não existia forró.(...)a música que se tocava era samba, valsa, marcha,até mesmo o xote. (CALIXTO, 2006)
O instrumental que acompanhava a sanfona não era, na ocasião, aquele que consagraria a formação típica do “trio nordestino”, isto é – sanfona, triângulo e zabumba.Em depoimento de Zé Calixto, este afirma que o instrumental básico da época era Sanfona, reco-reco, tamborim feito de couro de gato ou de bode, e pandeiro. Ao menos, na sua região, a mudança dos instrumentos de acompanhamento teria se originado, segundo Calixto, por influência do Baião de Luiz Gonzaga.
Zé Calixto sustenta a hipótese de que o Baião seria uma estilização de Luiz Gonzaga a partir de conteúdos nordestinos. O uso do acordeom, acompanhado pelos instrumentos de percussão como o triângulo e zabumba teriam se definido a partir do sucesso de Luiz Gonzaga, e não, o contrário.
O triângulo veio a ser mais explorado, depois que surgiu o Baião. Pois o Baião se identificou com o Zabumba e o triângulo. (CALIXTO, 2006)
O sucesso estrondoso de Luiz Gonzaga não fica restrito apenas às capitais, e se dirige ao próprio Nordeste. Assim, o “autêntico” nordeste de Gonzaga, talvez em parte idealizado na Guanabara chegue à Campina Grande nos anos 40, constituindo uma nova influência na formação musical não só de Zé Calixto bem como, arriscaríamos a dizer, de todo sanfoneiro nordestino desde então.
Outra influência marcante na formação musical de Zé Calixto foi o Choro. Este gênero de difícil execução encontraria no sanfoneiro paraibano um interprete fiel e dedicado. Em parte esta aproximação se intensifica em sua adolescência, quando Calixto passa a se dedicar ao violão e ao cavaquinho, instrumentos tradicionalmente identificados com o choro.
Entre os sanfoneiros de 8 baixos, talvez Calixto seja o que mais tenha gravado choros, inclusive a música que o teria consagrado definitivamente, o chorinho “Escadaria” do acordeonista gaúcho Pedro Raimundo.
Em Agosto de 1959, Zé Calixto receberia uma carta de Antônio Barros, convidando-lhe para ir ao Rio de Janeiro. Na ocasião, Calixto, recém casado, passava sérias dificuldades financeiras. Prontamente, aceitou a proposta, e sozinho, dirigiu-se ao Rio de Janeiro, aonde chegou depois de oito dias de viagem.
A chegada ao Rio de Janeiro e o contrato com a Phillips
Sua primeira moradia no Rio de Janeiro, foi na residência de um tio, em Ribeirão dos Lages, e sua profissão inicial foi a de afinador de sanfonas. Pois Calixto, dono de um ouvido absoluto, e por sua grande perícia manual, torna-se além de instrumentista, um sensível artesão, a ponto de arrancar os mais entusiasmados elogios de músicos como o acordeonista Sivuca:
Zé é um cavaleiro rústico. É fiel a um instrumento que é só dele. É um artesão no fole de oito baixos. (RAMALHO, 2008)
Mais uma vez, a convite de Antônio Barros, surge a primeira oportunidade para uma gravação. Calixto relembra deste dia como se fosse hoje. Saiu com uma sanfona de 8 baixos emprestada de um amigo, embrulhada numa toalha de banho, pois não tinha estojo, pegou o trem de Ricardo de Albuquerque à Central, para então se dirigir aos estúdios da Philips, que então se localizava no centro do Rio de Janeiro.
Ao que parece, a audição de Zé Calixto foi muito apreciada pelos produtores que desconheciam que um instrumento aparentemente frágil e de poucos recursos como a sanfona de 8 baixos, poderia produzir música daquela maneira.
(...) só se conhecia Sanfona de 8 baixos tocando Calango Mineiro, e eu tocava qualquer chorinho(...)qualquer Frevo, Samba, qualquer tipo de música eu sabia tocar no clima, como tinha que ser. E ele (N.A – Luís de Bittencourt, na ocasião diretor artístico da Gravadora Philips) se impressionou e me contratou imediatamente. Uma semana após eu entrava no estúdio da Philips”. (CALIXTO, s/d.)
As primeiras gravações
No mesmo ano de 1959, Calixto principia a gravar. Na época, se gravava ainda discos de 78 rotações, com duas faixas, uma de cada lado. Conforme explica Calixto:
Gravei oito músicas. Estas “musiquinhas” que eu gravei eram “musiquinhas” que meu pai tocava no Norte como chorinho, mas que aqui me orientaram a chamar de forró. (CALIXTO, s/d.)
Finalmente, em 1960 é lançado o long-play “Zé Calixto e sua sanfona de oito baixos”, álbum histórico que deflagraria um estilo diferenciado na interpretação do fole de oito baixos, unindo as faixas gravadas anteriormente em 78 rotações. Outros álbuns de sanfoneiros interpretes em afinação transportada já tivessem sido lançados, como o excelente “La vai brasa” de Camarão, sanfoneiro pernambucano, lançado em 1958 pela Mocambo, que era um selo sediado em Recife. No entanto, no Rio de Janeiro, então capital cultural do Brasil, e através de uma companhia multinacional, estaria certo que o alarde seria maior em torno da novidade.
Poderíamos afirmar que este LP abriria espaço para que surgissem outros sanfoneiros na arte dos 8 baixos em afinação transportada. Em 1960, Abdias assinaria contrato com a Columbia, consolidando a nova vertente que então surgia ao público.
Além de choros já consagrados como “Brasileirinho” de Waldir Azevedo e “Espinha de Bacalhau”, de Severino Araújo, Calixto gravaria musicas que seu pai tocava no Nordeste como chorinhos. No entanto, na ocasião, os produtores orientaram Zé Calixto que passasse a chamar tais choros como Forrós, por uma questão comercial. Entre estes choros rebatizados por forrós, estava o “Forró de Seu Dideu”. Seu Dideu, era apelido de João de Deus Calixto, pai de Zé Calixto. Além desses temas, Calixto gravaria composições próprias.
Entre estas composições estava a arrojada “Bossa-nova em 8 baixos”, que, ao contrário do que pretende o título, não é propriamente um samba estilo bossa-nova, e sim, um choro moderno escrito em duas partes. No entanto, em sua coda (quatro compassos finais), Zé Calixto se utiliza de uma cadência harmônica moderna com ritmo sincopado que alude à “convenções” características da bossa-nova, que na época estava em pleno auge. Podemos hoje, afirmar sem receio, que em quatro compassos, Calixto redimensiona a harmonia do fole de 8 baixos, inserindo o instrumento na modernidade harmônica de sua época. (ex.3)
Ex.3 – coda de “Bossa-nova em oito baixos”.
Nesta gravação, Zé Calixto foi acompanhado por figuras emblemáticas do Choro praticado no Rio de Janeiro da época, como Zé Menezes (violão) e Indio do Cavaquinho, ambos músicos também nordestinos de origem.
Exemplo 32
Sudeste
Embora também seja um instrumento muito apreciado na região sudeste, sobretudo nas áreas rurais e na periferia urbana, a sanfona de oito baixos jamais gozou do mesmo prestígio que nas regiões sul e nordeste.
Nesta região, apesar de uma tradição significativa, nunca houve um grande interesse da indústria cultural em promover os representantes de determinadas extratos da cultura popular, e na verdade, a sanfona de oito baixos esteve associada a gêneros musicais hoje esquecidos, embora ainda sejam praticados, sobretudo nas regiões interioranas, como a folia-de-reis e o calango.
Ao contrário do sul e nordeste, a sanfona de oito baixos na região sudeste é vista como uma “prima pobre” do acordeom – como um instrumento que, embora gracioso, seria parco de recursos. Esse preconceito isolou a sanfona de oito baixos, não permitindo que avançasse muito além das áreas limítrofes da zona rural e periferia urbana, impedindo aos sanfoneiros, de modo geral, de profissionalizarem-se.
Mesmo exímios sanfoneiros acabaram abdicando dos oito baixos pelo acordeom. Um dos exemplos mais notórios é o de Antenógenes Silva; mineiro de Uberaba, radicado no Rio de Janeiro, chega a ser reconhecido como O mago do acordeon e, embora tenha vencido um festival alemão em 1957, promovido pela fábrica de acordeons Hohner, com sua interpretação numa sanfona de oito baixos, foi no acordeão de 120 baixos que conquistou sua respeitabilidade na então capital brasileira, a Guanabara.
A moda do acordeom nas capitais da região sudeste entre meados da década de 40 e meados de 50, fez com que surgissem diversas academias empenhadas no ensino do acordeom de 120 baixos, sobretudo no Rio de Janeiro e São Paulo, na figura de professores como Mario Mascarenhas, Alencar Terra e Ângelo Rielli. Até mesmo a fábrica de acordeons Todeschini criou uma escola em São Paulo.
Porém, a visão que predominava em relação às sanfonas de botões, fosse diatônicas ou cromáticas, era a de um instrumento “rústico” que além da dificuldade técnica, perderia inevitavelmente para o acordeom quanto aos recursos e possibilidades.
Mário Mascarenhas, em seu “Metodo de Acordeon” escrito ainda na década de 50, confirma esta opinião freqüente, escrevendo a certa altura do prefácio de seu livro:
Desde 1928, aos doze anos de idade, eu tinha nas mãos uma sanfona. Era de botões (...) “Troquei por outra, de teclado e encontrei muito mais encanto”. (MASCARENHAS, p.6, s/d)
Ou na apresentação do disco “Bucho com bucho” do sanfoneiro Baú dos oito baixos, escrita pelo crítico Matias José Ribeiro, em 1982:
Porque ele toca um instrumento limitado como a sanfoninha de oito baixos (...) Que ninguém espere encontrar em Bucho com bucho mais do que ele tem a dar. Nele não há lugar para harmonias sofisticadas ou virtuosismo instrumental. São apenas pés-de-serra, xotes, forrós (...) executados por um músico que tem como objetivo maior levar ao povo diversão e alegria.
Podemos confrontar estas opiniões com as observações do etnomusicólogo americano John Murphy, que tem desenvolvido um trabalho analítico sobre a sanfona brasileira:
A sanfona de oito baixos tem menos recursos do que o acordeom, mas essas limitações se tornam vantagens. (...) O fato de que cada botão controla duas notas significa que há mais notas no alcance da mão direita. Uma vez que o tocador se acostuma a essa diferença, fica mais fácil tocar temas complicados.
Mais fácil ou não, o fato é que a sanfona de oito baixos é um instrumento que difere consideravelmente do acordeom, possuindo recursos próprios, com suas vantagens e desvantagens.
Capa de um álbum do inicio dos anos 60. A ilustração denta o desafio entre Orlandinho
(acordeon de 120 baixos) e Zé Cupido (sanfona de 8 baixos). Quem sairá vencedor?
Os raros profissionais da sanfona no Sudeste:
Entre os poucos sanfoneiros de oito baixos desta região que construíram uma carreira profissional, encontra um lugar de privilégio, o sanfoneiro Zé Cupido.
José Idelmiro Cupido, nascido a 18/11/36, natural de Taubaté – SP, desde menino já despertava a atenção tocando gaita-de-boca e sanfona de oito baixos nas quermesses e festas. No começo dos anos 50, começa a sua carreira profissional, já na grande São Paulo, atuando no Radio. Embora, ao longo do tempo, tenha alternado a sanfona de oito baixos com o acordeom de 120 baixos, consegue em muitos momentos empunhar a bandeira da sanfona, tornando-a instrumento importante em seu trabalho musical. Conviveu intimamente com a música caipira paulista, sendo parceiro constante de Capitão Furtado, um dos principais divulgadores da cultura do interior de São Paulo. Isto reflete em suas obras, que serão muito influenciadas pelos gêneros da música popular de sua região, como arrasta-pés, quadrilhas, mazurcas e calangos. Gravou também sob pseudônimos, tais como Chico Manguaçu e Zé do fole.
Podemos citar ainda como sanfoneiros representativos desta região, os mineiros Zé Alves, “Rei do Calango” e Luiz Andrade e Mangabinha.
O calango & a sanfona
Nos estados de Minas, Rio, Espírito Santo e parte de São Paulo, a sanfona era a estrela que reinava nos bailes de calango. Gênero musical ainda muito praticado, o Calango, ou Calango mineiro, tal a sua importância nesta região, sobretudo nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, terá um papel análogo ao do forró nordestino ou do vanerão gaúcho.
O sanfoneiro Carmindo Alves da Silva, nascido em 24/05/46 em Rochedo – MG, fala sobre a forte presença do Calango nos tempos de sua infância, onde teve o seu aprendizado musical na sanfona de 8 baixos:
- foi naquela época, naqueles bailes de roça, na folha de bananeira, olhando os tocadores nos bailes de calango. Naquela época não existia forró, pelo menos na minha terra. Era Calango, Calango mineiro que eles falavam.(CARMINDO, 2008)
Carmindo
Assim com o Forró e o Pagode, o Calango, como bem define Rosa Maria Barbosa Zamith,
Designa não somente “gênero musical”, como ainda “baile rural”, “forma poética”, “dança” e “canto de trabalho”. (ZAMITH, 1987)
Enquanto gênero musical, o calango, de possível origem mineira, se caracteriza pelo ritmo binário, com motivo sincopado tipicamente brasileiro.
Pode ser tocado de forma recortada, chegando a lembrar a atmosfera da musica carioca dos fins do século XIX, como na introdução do “Calango da canela” do saudoso sanfoneiro petropolitano João Torquato. Nascido no Sitio Taquara em 20 de Outubro de 1947, vindo a falecer em 13 de Maio de 2006, foi um legítimo herdeiro de uma tradição musical de calangueiros oriundos de Minas Gerais radicados na região serrana do Rio de Janeiro.
Exemplo 33
João Torquato
. No Calango, se alterna a música cantada em versos improvisados, que seria o calango-de-desafio, ou calango-de-bico, e músicas instrumentais, que seriam divididas em duas formas básicas, o Calango de ponto virado e o de ponto liso, tendo quase invariavelmente a sanfona de oito baixos como instrumento solista e acompanhador. No calango-de-bico ou de desafio, conforme explica o sanfoneiro Carmindo.
(...) tem os calangos cantados e os de bico. Eu olhar para você, falar do seu cabelo, você falar até do meu, mas no fim nos damos a mão e somos amigos.
Do vasto repertório de Calango instrumental em sanfona de 8 baixos, podemos citar o Calango Mineiro, tema de domínio público, adaptado por Carmindo e tocado no estilo ponto – virado, que como pode se notar, apresenta complexo trabalho de mão esquerda na condução dos baixos.
Exemplo 34
Já o Calango no estilo ponto liso, menos sincopado e mais corrido, normalmente explorando a primeira carreira da sanfona, pode ser bem exemplificado no calango “Candangolândia” de Capitão Furtado e Zé Cupido.
Exemplo 35.
Os ritmos ternários também são muito estimados pelos sanfoneiros do Sudeste. O valseado ou valsa caipira é uma adaptação da valsa ao contexto rural, onde muitas vezes a sanfona faz o papel de “ponteado” semelhante ao da viola caipira. Também fazem parte do repertório dos sanfoneiros do Sudeste, Rancheiras e Mazurcas, muito próximas ao estilo sulista, como no valseado “Zé Largado” de Arlindo Pinto, gravado por Zé Cupido.
Exemplo 36
Podemos observar nestes exemplos aquela que talvez seja a característica mais marcante da sanfona do sudeste. O estilo ponteado, com melodias simples e expostas em terças paralelas, que tanto as assemelha ao toque típico da viola caipira, instrumento tão difundido nas zonas rurais desta região, sobretudo em São Paulo e Minas Gerais. Nesta região, embora com menor freqüência, ocorrerá fenômeno similar ao do sul, onde a sanfona muitas vezes substitui a viola.
Manuel Cândido da Silva, o Seu “Timbira” é outro remanescente da sanfona de 8 baixos na Região Sudeste. Nascido em Sumidouro, interior do Estado do Rio, em 1931 , teve sua aproximação com a sanfona ainda na mocidade:
Quando eu era rapaz, agente ia pro baile lá na roça, (...) e aí tinha um violeiro. (...) até que arrebentava uma corda. Daí a pouco, arrebentava outra corda. Aí o baile parava. (...) Aí, falei comigo: vou aprender a tocar um instrumento, mas de preferência à sanfona (...) porque mal ou bem, dá para tocar a noite toda. (TIMBIRA, 2008)
Embora tenha começado a atuar em bailes de calango, ainda jovem, tem a sua historia musical associada ao rádio, onde passa a atuar na década de 50, na Rádio Friburgo, sofrendo forte influência da música caipira paulista, e do estilo de sanfoneiros famosos então em voga, como Gerson Filho e Zé Cupido. Com intensa atividade profissional no período junino, Timbira só vem a gravar o seu primeiro disco em 2005. Neste disco grava rancheiras, arrasta-pés e baiões de sua autoria. O baião, assim como o Forró acaba sendo gradualmente absorvido por todo o Brasil, e aos poucos vai se fundindo com outros gêneros, se aclimatando a cada região. Em 1990, Gaúcho da Fronteira lança o seu “Forronerão”, onde canta em seus versos, “uma mistura de forró, de vanera e de baião”.
Exemplo 37
O Xote, bem como no Sul e nordeste, é uma dança muito apreciada pelos sanfoneiros do Sudeste. Se, por um lado herda o balanço e acento nordestino, por outro, é caracterizado pelas terças paralelas típicas do sul e sudeste. Zé Alves, além de reconhecido calangueiro, também era conceituado intérprete de xotes como prova este “Xote do Tetéo”, registrado no álbum “Zé Alves – O rei do calango” editado pelo selo Unacam em 1983.
(exemplo 38)
Na Região Sudeste, o destaque em termos de repertorio também se presencia na quadrilha e a sanfona menos como solista, mais utilizada como acompanhante da cantoria na folia de reis e no Moçambique. Entre o sul e o nordeste, a região Sudeste irá absorver influências das duas regiões vizinhas, embora encontre um caminho individual devido a forte influência da cultura afro-brasileira e o sotaque típico da música caipira. O predomínio da afinação “natural” ou “diatônica brasileira” conduz a técnica interpretativa, de modo geral, mais próxima ao gaúcho do que ao nordestino.
Panorama atual
A retração mercadológica em relação a musica regional, se agrava a partir do início da década de 70. Nesta época, a Fontana, por exemplo, dissolve todo o seu elenco nordestino, que incluía artistas como Zé Calixto, Jackson do Pandeiro e Genival Lacerda. Calixto nos descreve que até 1964, ele vivia à custa de direitos autorais e vendas de discos. Segundo ele, o golpe militar de 1964 teria um efeito avassalador sobre a música regional.
O acordeonista e compositor Zé do Gato , afirma que os militares logo após o golpe, passam a coibir a feira, que é interditada inúmeras vezes. Os feirantes são chamados de “camelôs” e o forró pé de serra passa a ser depreciado e perseguido. Zé Calixto, por exemplo, comenta que nesta época, deixa de fazer shows e as viagens se tornam difíceis.
Neste ínterim, surgem selos menores que continuam a gravar a música nordestina, como Tropicana e Cantagalo, que serão responsáveis pela maior parte do catálogo de sanfona de oito baixos e forró instrumental neste período.
Zé do Gato – feira de São Cristovão
No final dos anos 70, os selos musicais que costumavam investir no forró instrumental, começam a perder força. Novas tendências, como o forró de duplo sentido e a preferência esmagadora da mídia pela música cantada e por instrumentos “modernos”, restringem pouco a pouco a atuação destes sanfoneiros, que se tornam cada vez mais raros. Com a chegada dos anos 80 e o processo de descaracterização (ou recaracterização) da música de cunho regional, a sanfona gradualmente passa a sair dos palcos, substituída pelo acordeom de 120 baixos, ou pelos versáteis teclados eletrônicos, que, em muitos casos, substituem o próprio acordeom.
Se até então os discos de 8 baixos nordestinos eram predominantemente instrumentais, os temas cantados passam a disputar o papel principal com a sanfona.
Muitos sanfoneiros tentam acompanhar o bonde da história, adaptando suas carreiras para as novas exigências mercadológicas, e a consequente mudança no gosto das audiências. Em meados da década de 70, Negrão dos 8 baixos, que até então se destacava como eximio solista do instrumento, passa a se dedicar à um repertório predominantemente cantado, tendo ênfase nas letras de duplo sentido, de forte apelo popular.
Mesmo icones como Gerson Filho,Abdias e Zé Calixto se unem à interpretes e compositores de música vocal. Abdias grava discos com a participação de cantores como Sussanil, Elino Julião e Zé Matias. Zé Calixto trabalha em parceria com Messias de Hollanda e, mais tarde, João Silva e Zé Ramos. Gerson Filho recorre a parceria com a esposa, a cantora Clemilda.No caso de todos estes sanfoneiros, este recurso garantiria maior difusão de suas músicas, e uma facilidade no agenciamento com as casas de shows, onde a demanda de música vocal passa a ser algo cada vez mais solicitado.
Forrock
O predomínio de uma nova estética, em boa parte derivada do rock, gera um interesse no instrumental elétrico de guitarras, baixos, teclados e baterias. Na música nordestina da época, isto é notório nos trabalhos de Alceu Valença, Amelinha, Zé Ramalho, Ednardo e Fagner, que substituem o tradicional trio nordestino (sanfona, triângulo e zabumba) pelo power-trio do rock: guitarra, baixo e bateria. Com isso conseguem também se integrar nos grandes centros, a uma sociedade mais urbana do que agrária, onde a sanfona, assim como a viola, aparecem como relicários de um Brasil profundo, sertanejo, arcaico.
Em seu disco “Só no costurado” (Copacabana – 1977), Negrão dos 8 baixos lança a música “Forrock” onde combina ecos do rockabily com o autêntico forró pé-de-serra. Outro bom demonstrativo deste conflito que também se irradia na música instrumental, é o álbum “Forró gostoso é assim” do sanfoneiro Luis Sergio, lançado pela Gravadora Itamaraty em 1977, onde a sanfona dialoga e faz um duelo com uma guitarra ensandecida, gerando um curioso efeito estético, algo tropicalista, entre o regional e o pop contemporâneo da época, uma espécie de mix entre Jimi Hendrix e Luiz Gonzaga, na recriação do clássico “Sebastiana” de Edgar Ferreira.
(exemplo 39)
Recentemente, a partir de meados dos anos 90, com o processo de revalorização da música tradicional e o surgimento de novas platéias para o forró, a exemplo do fenômeno do Forró Universitário, aos poucos a sanfona de oito baixos nordestina ressurge. Sanfoneiros ilustres, já há muito tempo distante dos grandes palcos e estúdios, voltam a tona, como Zé Calixto, que através do esforço da produtora Baluarte e de Mará (ex-acordeonista do Forróçacana) lança em 2008 um novo álbum, “O poeta da sanfona”.
Já entre as revelações da sanfona nordestina nas últimas décadas, podemos destacar o sanfoneiro Heleno dos 8 baixos. Nascido em Sitio de Boqueirão, Pernambuco, em 1960, saiu de casa aos quinze anos, fugindo da seca. Neste período, se une a um grupo de ciganos, quando trava seu primeiro contato com a sanfona. Mais tarde, se torna discípulo de Manuel Maurício, que foi, ao lado de Abdias e Zé Calixto um dos percursores na divulgação da arte da sanfona nordestina. Em seu trabalho, Heleno combina o estilo tradicional do forró pé-de-serra, com novos elementos, influência da música popular contemporânea e de suas incansáveis viagens de onde recolhe novas influências. Participou de diversos trabalhos endereçados ao mercado estrangeiro como “ Brazil: Forró – music for maids and taxi drivers” lançado pela gravadora canadense Rounder e “Pe de Serra Band, Brazil” , editado pela gravadora alemã WERGO, conquistando certo reconhecimento no exterior. A composição “Chico Vela viu o mar”é bem ilustrativa do caminho artístico encontrado por Heleno dos 8 baixos.
(Exemplo 40)
Heleno e seu mestre, Mané maurício
Em matéria exibida no Jornal Nacional em Junho de 2007, a pesquisadora Leda Dias faz um balanço sobre o panorama atual da sanfona de oito baixos no Nordeste:
A maioria dos tocadores de oito baixos são pessoas já de uma certa idade. A gente não tem tocadores novos, jovens, de pouco idade querendo aprender.
http://jornalnacional.globo.com/jornalismo/jn/o,,aa1571198-3586-692402,00.html
Leda Dias, ao lado de Anselmo Alves é autora do documentário “Arlindo dos Oito Baixos: o mestre do Beberibe”. O filme foca a trajetória de Arlindo, que vive em Recife onde leciona e apresenta a difícil e rara arte da Sanfona nos dias de hoje. Arlindo também já foi agraciado por um ensaio do pesquisador americano John Murphy, “Arlindo dos Oito Baixos and Instrumental Forró” publicado no livro Music in Brazil, do mesmo autor. http://alteramusica.blogspot.com/2007/02/entrevista-com-john-p-
Já no Espírito Santo e na região Centro-oeste, a Sanfona de oito baixos é reintroduzida por influência da forte colonização gaúcha, onde a Vanera e o Vanerão já constituem parte integrante da música regional.
Na década de 80, Renato Borghetti foi uma figura renovadora. Jovem, mas profundamente identificado com o universo gauchesco, Borghetti cedo despontou como um novo porta-voz da gaita-ponto a nível nacional. Contrariando as estatísticas de que música instrumental não vende, seu álbum de estréia, gravado em horários ociosos de um estúdio de Porto Alegre, e com poucos recursos, rapidamente vendeu 100.000 cópias, tornando-se o primeiro disco instrumental no Brasil a receber um “disco de ouro”. www.renatoborghetti.com.br
Se inicialmente seu trabalho é profundamente enraizado na tradição, aos poucos Borghetti passa a estabelecer um diálogo vivo com a modernidade. Á princípio, transformando um pouco a instrumentação. Se até então, a gaita se fazia acompanhar por um regional formado por violão, baixo e percussão, Borguetti passa a utilizar um instrumental típico da música popular moderna, com teclados, guitarra, baixo e bateria. Outra contribuição de Borguetti está na constante fusão dos ritmos gaúchos com as novas tendências da música popular contemporânea. Desse modo, consegue formar novas platéias, expandindo gradualmente os domínios da gaita-ponto, além de certo regionalismo que lhe mantém o frescor, mas por outro lado, poderia conduzir à cristalização e até mesmo a extinção do instrumento, tal como vem ocorrendo nas regiões Sudeste e Nordeste.
Sobre este mesmo prisma, podemos considerar que boa parte da produção de música gaúcha a partir da década de 80, absorve aspectos da música pop, como o acento de caixa no segundo tempo, típico do rock. Grupos como Os serranos, Os garotos de ouro, Os minuanos, trarão um novo conceito estético ao baile tradicional gaúcho, unindo as bombachas e a gaita a trajes modernos e batidas mais próximas da música radiofônica.
Um dos álbuns de Borguetti se intitula “Gaita.com”, demonstrando a sua antena atenta às novidades. Em diversas peças deste, bem como de outros álbuns, Borguetti busca uma variedade de andamentos, compassos, em muitos momentos colocando sua música um passo fora dos festivos salões onde outrora a gaita se desenvolveu. Em muitos momentos se aproxima de uma música instrumental “pura”, mais subjetiva, distanciada do elo com a dança, embora sempre com a alma do folclore gaúcho servindo-lhe de referência. Em sua composição “Peleia”, a exploração de acentos rítmicos diferenciados, e um uso mais amplo da gama de notas que compõe a escala fazem-se notável.
(exemplo 41)
Podemos constatar que o cenário atual da sanfona de oito baixos no Brasil é a de um instrumento muito utilizado no interior e na periferia urbana, embora distante da produção musical contemporânea. A obra de Borguetti, assim como a de Hermeto Paschoal apresenta um diálogo entre a tradição e a modernidade, assim como alguns representantes da renovação da sanfona de botões européia ocorrida no início dos anos 80, entre os quais podemos citar o francês Marc Perrone (fr.wikipedia.org/wiki/Marc_Perrone), o italiano Riccardo Tesi (www.riccardotesi.com) e o basco Kepa Junkera. (http://www.kepajunkera.com/)
Marc Perrone Riccardo Tesi Kepa Junkera
Também responsável pela renovação da gaita-ponto é Gilberto Monteiro. Demonstrando que pode haver diálogo com a tradição, ainda que se conserve a instrumentação tradicional. Se o diálogo de Borguetti passa, na maior parte das vezes, por características da música moderna, já Gilberto Monteiro busca um requinte erudito e a inclusão de timbres associados a outros estilos musicais, como o violoncelo. É autor da música “Milonga para as missões”, que se tornou um dos maiores sucessos de Borguetti, que tem na obra de Gilberto Monteiro, uma de suas inspirações. Consequentemente, esta música tornou-se peça importante do repertório da gaita gaúcha.
(exemplo 42)
Embora possamos considerar que Gilberto Monteiro como Borghetti utilizem gaitas-ponto mais sofisticadas, seus trabalhos preservam a dicção da velha cordeona de oito baixos, de voz trocada, fonte de onde se nutrem continuamente.
O multiinstrumentista alagoano Hermeto Pascoal, tem contribuído decisivamente para o alargamento de horizontes da sanfona de oito baixos. Filho de José Pascoal, e irmão mais novo de Zé Neto Pascoal, ambos exímios sanfoneiros.A sanfona de 8 baixos, aparece muito em suas obras mais recentes, e Hermeto tem registrado várias composições como “Vai um chimarrão, tchê?”, homenagem à Borguetti, composição que se denvolve em uma interessante poliritmia de três tempos contra dois. Em “Garrote” utiliza a métrica incomum de sete tempos. Mas, invenções à parte, também é capaz de compor temas profundamente identificados com a tradição da sanfona nordestina como o “Forrozão dos oito baixos”.(exemplo 43)
Compositor de visibilidade internacional, Hermeto teve sua composição “Novena”, registrada por um trio de conceituados sanfoneiros europeus, o italiano Riccardo Tesi, o inglês John Kirkpatrick e o basco Kepa Junkera, no álbum Trans-europe diatonique .Estando o Brasil injustamente à margem do cenário internacional da sanfona, esta gravação é de suma importância
( exemplo 44)
Podemos concluir este ensaio afirmando que, no presente, a sanfona de oito baixos sobrevive, apesar da dificuldade técnica de sua execução, e por sua participação discreta na música popular e erudita brasileira contemporânea. Mesmo assim, reage aos modismos passageiros, e com eles se funde, criando novas possibilidades de expressão.
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http://www.organeto.it/ il portale dellórganetto italiano
DEPOIMENTOS:
Carmindo Alves da Silva – 05/01/2008
Guilherme Maravilhas (Mará) – 07/01/2008
José Calixto da Silva ( Zé Calixto) – depoimentos diversos cedidos entre 2007 e 2008
José Waldir de Oliveira (Seu Waldir) - 2007
José Nilson de Pádua (Jerry) – depoimento diversos entre 2007 e 2008
Manuel Candido da Silva (Timbira) – 04/01/2008
Nilson Amaral (Zé do Gato) - 2007
Dedico este ensaio ao saudoso amigo e sanfoneiro João Torquato.
nenhum termo para designar esta
característica da sanfona de 8 baixos.
Assim, nos apropriamos da expressão
espanhola, “bisonoro”, isto é, instrumento
que possui duas notas diferentes para o
mesmo botão ou chave.
O uso da afinação natural também foi muito expandido na Região Nordeste, não se restringindo unicamente ao modo maior (jônio), predominante na Região Sul. Gerson Filho será um grande explorador da potencialidade modal da sanfona de 8 baixos, como podem atestar os exemplos 22 e 23 (modo mixolidio) e o exemplo 25 (modo eólio). No entanto, no repertório sulista moderno, o modo menor também passa a ser utilizado como em “Milonga para as missões” de Gilberto Monteiro, exemplo 41.
Ressaltando que a palavra forró, como já salientamos anteriormente, tem um sentido duplo de gênero musical específico e estilo, maneira de interpretar danças por certo conjunto instrumental típico.Deste modo, considera-se forró, um gênero, assim como o Baião, o xaxado, a valsa, o frevo e o choro. Juntos, estes gêneros compõe o estilo forró.
Em torno desta discussão, poderíamos supor que os gêneros radiofônicos estabelecem, aos poucos, “identidades” para regiões muito diversas culturalmente, espécie de “unificação” cultural.