NECROPOLÍTICA
146Arte & Ensaios | revista do ppgav/eba/ufrj | n. 32 | dezembro 2016
https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169
MBEMBE ACHILLE
"Se observarmos a partir da perspectiva da escravidão ou da ocupação colonial, morte e li-berdade estão irrevogavelmente entrelaçadas. Como já vimos, o terror é uma característica que define tanto os Estados escravistas quanto os regimes coloniais tardo-modernos. Ambos os regimes são também instâncias e experiências específicas de ausência de liberdade.
Viver sob a ocupação tardo-moderna é experimentar uma condição permanente de “estar na dor”: estruturas fortificadas, postos militares e bloqueios de estradas em todo lugar; construções que trazem à tona memórias dolorosas de humilhação, inter-rogatórios e espancamentos; toques de recolher que aprisionam centenas de milhares de pessoas em suas casas apertadas todas as noites desde o anoitecer ao amanhecer; soldados patrulhando as ruas escuras, assustados pelas próprias sombras; crianças cegadas por balas de borracha; pais hu-milhados e espancados na frente de suas famí-lias; soldados urinando nas cercas, atirando nos tanques de água dos telhados só por diversão, repetindo slogans ofensivos, batendo nas portas frágeis de lata para assustar as crianças, confis-cando papéis ou despejando lixo no meio de um bairro residencial; guardas de fronteira chutando uma banca de legumes ou fechando fronteiras sem motivo algum; ossos quebrados; tiroteios e fatalidades – um certo tipo de loucura." Mbembe Achille
Conclusão
"Neste ensaio, argumentei que as formas con-temporâneas que subjugam a vida ao poder da morte (necropolítica) reconfiguram profunda-mente as relações entre resistência, sacrifício e terror.
Demonstrei que a noção de biopoder é insuficiente para explicar as formas contemporâ-neas de subjugação da vida ao poder da morte. Além disso, propus a noção de necropolítica e necropoder para explicar as várias maneiras pelas quais, em nosso mundo contemporâneo, armas de fogo são implantadas no interesse da destrui-ção máxima de pessoas e da criação de “mundos de morte”, formas novas e únicas da existência social, nas quais vastas populações são subme-tidas a condições de vida que lhes conferem o status de “mortos-vivos”.
O ensaio também esboçou algumas das topografias reprimidas de crueldade (fazenda e colônia, em particular) e sugeriu que, sob o necropoder, as fronteiras entre resistência e suicídio, sacrifício e redenção, martírio e liberdade desaparecem." Mbembe Achille
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