quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

CAUSOS DE UM ESTUDANTE DE MEDICINA NA BAHIA--O RÁDIO TRANSGLOBE -

 MOB Ceará Relíquias: Viação Pernambucana 58

Empresa de Transportes São Luiz 2500 em Salvador por Allinson Henrique -  ID:480531 - Ônibus Brasil

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Sobre buracos e recheios – maeneiradeser

CAUSOS DE UM ESTUDANTE DE MEDICINA  NA BAHIA .

-O RÁDIO TRANSGLOBE -

Junho de 1978, segundo ano de medicina,  Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia  .

Naquela época estudar na Bahia e em Pernambuco era o sonho de todos os jovens dos sertões nordestinos, não diferente para  o tabaréu Zezinho ,  cada dia mais capiau,  oriundo  das plagas caririenses do Sul do Ceará .

Nas férias era de praxe visitar os parentes, os amigos e o seu torrão natal, notadamente a Chapada do Araripe.

O transporte era precário, pegava-se um ônibus da Viação Pernambucana de Juazeiro do Norte a Juazeiro da Bahia, saia do Ceará as 8h da manhã e chegava em solo baiano as 20h . 

Para prosseguir a viagem ,de   Juazeiro da Bahia  a Salvador , aguadava-se   um novo ônibus oito horas de espera, ao relento,  embaixo das carcomidas marquises da agência da Viação São Luiz à margem do Rio São Francisco . 

Doze horas de viagem no primeiro trecho devido as esburacadas estradas,   as dezenas  de paradas para o sobe e desce  de   passageiros, o chamado pinga-pinga , as paradas oficiais nas agências dos distritos, vilas  e  municípios da linha, além das paradas nos grandes restaurantes para a alimentação dos motoristas e dos passageiros . O segundo trecho , pelos mesmos motivos, mais doze horas de saculejos.  O retorno iniciava-se pela Viação  São Luiz, SALVADOR-JUAZEIRO,  baldiação com a Viação Pernambucana , porém,  mais alegre. 

Era a volta da Asa Branca a cortar a seca e cinza  caatinga do maltratado sertão em busca de recarregar as energias com os entes familiares, a saudosa namorada, os professores e os colegas do curso básico,  os amigos de infância,  a culinária, o folclore   e as coisas da terra natal.

 Janelas abertas, ventos causticantes, balanço para um lado e  para  o outro, renovação dos passageiros em cada parada,  compras de queijos , doces de  leite e o refrescar da alma com uma saborosa cajuína, assim seguia singrando  sertão adentro a velha nau em busca da terra prometida.

                                                          Ao assunto.

Senta-se  o cara pálida  na poltrona 18 da Viação São Luiz, Carroeria Marcopolo, rumo a   Juazeiro da Bahia , sexta-feira, 8 h da manhã. Como bagagem uma grande bolsa de couro curtido , macio e de  cor amarela,  guardada como histórica relíquia .

Corpo em Salvador, porém , a cabeça no Cariri, 800 Km de estrada, no expresso 12 horas de viagem, no comercial tempo dobrado.

Chega-se em Juazeiro da Bahia  as 18h, já escuro, nesta rodoviária será feito a baldeação com a empresa Pernambucana, ônibus vindo da  capital Paulista com muitos Josés, Marias, Ciços  e Toins, todos   saltitantes com destino ao maior   São João do mundo e abarrotados de presentes  , todos felizes por se sentirem gente e pelo retorno à terra natal, o Nordeste.

Passado trinta minutos chega o belo ônibus azul da Viação Pernambucana, carroceria Caio Norte, Bandeira indicando -  SÃO PAULO -JUAZEIRO DO NORTE , o coração chega a palpitar. Significa o seu Ceará, o Cratinho  de açúcar e o Juazeiro do Norte.

 Dentro do ônibus Zezinho já se sentia em casa, sentia-se dentro do coração do cariri, era apenas questão de dez a doze horas, esperava cheio de esperanças por este momento. Os passageiros descem para desempenar as pernas, lavar o rosto, comer um grude , fazer algumas necessidades fisiológicas, trocar uma  muda de roupa e comprar pães, bolachas, doces ou tomar um caldo de mocotó . Nesta Rodoviária dá-se uma penteada no ônibus para prosseguir o trecho principal, Juazeiro da Bahia -Juazeiro do Norte.  O veículo era um verdeiro rasgador dos sertões , não poderia quebrar nas empoeiradas  e desérticas rodagens. Asfalto de  verdade aqui e acolá. Sob o ardente sol  a miragem era a única companhia dos viajantes.

Todos acolhidos  na nave azul  da Viação Pernambucana . Todos com os   olhos cheios de alegrias e os corações   a  bater-  MEU CARIRI , MEU CARIRI , MEU CRATINHO, MEU JUAZEIRO, MINHA SERRA DO ARARIPE E TUM TUM TUM, MEU CEARÁ.

Zezinho não  teve cadeira numerada, ocupou uma de outro passageiro que desceu  em  Juazeiro da Bahia, como não possuía bagagem, apenas a linda bolsa de couro cru, macia e  amarela, a aconchegou no porta malas no teto  ao alcance dos olhos. O veículo deu partida ao paraíso carirense.

Passado meia hora de estrada, um senhor com mais de setenta anos de idade  gritou: " Meu radio transglobo sumiu, roubaram meu rádio", a esposa com idade semelhante complementou:" Só entrou um passageiro novo no ônibus", outra senhora esbravejou " De São Paulo até aqui nada aconteceu, só foi entrar um passageiro o radio de pai sumiu"  , outra  senhora gritou :" Chofer , pare no posto rodoviário para fazer uma revista no ônibus. Só entrou um rapaz novo em Juazeiro, tem que revistar, chama a polícia", a gritaria foi geral, pare motorista no posto e chama o guarda. 

No primeiro posto fiscal o ônibus fez pousada, beirava  21h,  a lua prateada brilhava no céu azul  cheio de estrelas. O Motorista desceu, falou com o agente do Posto Rodoviário, fez  a queixa e aguardou a revista dos passageiros.

Entraram três agentes e a gritaria foi geral, só entrou um passageiro.  . O velho não mais falava, gritava: "ROUBARAM O MEU RÁDIO  E TEM QUE APARECER, É UM TRANSGLOBE PHILCO FORD" , a esposa foi logo apontado para o novo passageiro. O fiscal o identificou, perguntou o que fazia, o seu nome, onde morava e de qual família era.   O jovem seguro das palavras mostrou a sua carteira de estudante de medicina bem discriminada   : retrato colorido, nome dos pais, número da matrícula, brasão da UFBA e o seguinte escrito: Acadêmico de Medicina da Universidade Federal da Bahia, 2º Ano.   O  agente falou alto: " O homem é doutor e de família boa do Juazeiro do meu Padim Ciço, é de família descente".

A descisão foi  voltar para a rodoviária de Juazeiro da Bahia para resolver a delicada demanda. O velho resmungava , a velha não parava de falar e os outros confirmavam. O rádio tem que aparecer , só havia um suspeito : O NOVO PASSAGEIRO.

Ao chegar à Rodoviaria, o preposto da empresa portando um velho rádio preto falou :   " homem, quando o ônibus chegou de São Paulo e   foi para a garagem para higienizar, foi retirado este rádio    para não molhar e quando vocês sairam foi que o responsável notou que havia ficado aqui na agência "

Como uma ducha fria, todos calaram a boca, grande foi a decepção e muitos foram os  pedidos de desculpas , porém,  a velha não parava de falar:  " Só havia entrado um passageiro e depois o rádio sumiu, a suspeita era correta, não podemos fazer nada, a não ser pedir desculpas.".

Zezinho chegou em casa são e salvo. Contou esta estória aos parentes, amigos e principalmente para os seus pais. 

Relata  que ficou gravado na sua memória as elucubrações dos passageiros :   "  roubaram o meu rádio " ,  "só entrou um passageiro novo ", " tem que ser feito uma revista no ônibus".

"SÓ ENTROU UM PASSAGEIRO  EM JUAZEIRO "

Iderval Reginaldo Tenório 

***

Veja o valor de  documentos de peso, uma boa formação educacional, moral e ética,  uma família honesta, correta e de  bons princípios, como também funionários públicos bem preparados e um bom diálogo. 

Vale a pena ser honesto . 

O fechamento poderia ser outro. 

Vale a pena ser honesto.  


Iderval Reginaldo Tenório

 

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2 comentários:

iderval.blogspot.com disse...

Lairton Marques.
Uma formação é muito importante principalmente Medicina. Muitos almejam essa profissão estudando madrugada a dentro, não tendo tempo de pensar se quer em fazer o mau ao proximo. No ônibus, houve uma acusação impensada. O suspeito poderia ser o que saiu e não o que entrou, por se tratar de um rádio (muito facil de localizar) e ele por conduzir apenas sua bolsa de couro. Se fosse nos dias de hj ele sairia com uma boa indenização. Mas, valeu a história, estudante sempre tem o que contar👏👏👏👏👏

iderval.blogspot.com disse...

Dr.leoncio

Quanta garra, para chegar e ter sucesso na Bahia de Todos os Santos