Histórias do Nordeste
Conta um artista paraibano , que ao voltar do Rio de Janeiro com um diploma de nível superior, em música, outorgado por mérito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, quis melhorar o conforto e o nível habitacional dos seus pais .
Relata que explanou os seus pensamentos e expôs as grandes novidades , todos ficaram abismados com o que ouviram. Moravam no campo e ele pretendia comprar uma casa na cidade , implantar o modernismo para a sua família e colocar todos os sobrinhos na escola, o sítio continuaria sendo o porto seguro e lugar de descanso nos fins de semana.
A sua avó, uma senhora de setenta anos, foi muito dura e resistente a aceitar as mudanças, fez várias indagações , exigia convincentes respostas.
1- “Com esta tal de geladeira, que conserva os alimentos por dias , o que ela iria fazer durante o dia , se o seu trabalho era catar o feijão, lavar, temperar , botar na panela de barro e depois colocar no fogão a lenha para cozinhar”
2- “Com este tal de fogão a gás, que inclusive é muito perigoso, o que iria ela fazer, se o que faz é pegar lenha na capoeira, cortar com um machado, fazer o feixe , levar para casa, colocar no fogão a lenha , ascender o fogo com querosene , assoprar com a boca e ajudar com um abano de palha, depois pôr a panela na trempe, olhar de vez em quando e completar com água para não secar ou queimar”
3- “Como pode trocar as panelas de barro por panelas deste tal de alumínio, panelas de metal, será que não faz mal à saúde? será que não contamina a comida? Será que o barro não é mais sadio?”
4- “Como pode fazer uma sentina ( privada, casinha, sanitário) dentro de casa?, o fedor deverá ser de amargar, pois no quintal já se sente na sala , imagine dentro da própria casa, vai ser de torá, vai deixar de ser privada e se transformará num verdadeiro chiqueiro e aqui ninguém é porco”.
A sua mãe também fez as suas reclamações e cheias de propriedades.
1- “Onde vou criar galinhas, porcos , perus, gatos e os cachorros ?”
2- “Com esta tal de geladeira como vou conversar com os meus amigos nas feiras, nas bodegas , nas vendas e nas mercearias?. Vou todos os dias fazer as compras e saber de tudo que está acontecendo com o mundo, pois muitos têm até este tal de rádio, que fala até pelos cotovelos. Deste jeito não preciso caminhar mais, nem falar com os amigos, vou viver presa, isolada do mundo e sem conhecimentos, vou mofar, posso até adoecer com este isolamento”
3- “O tal do fogão a gás, o que mãe falou está tudo certo, vai ficar encostado, feijão só pega gosto se for cozido no fogão a lenha. Disse o rádio que o gás é muito perigoso, se não tiver cuidado corre o risco de incêndio e o botijão pode explodir, se trouxer vai ser instalado no quintal, dentro de casa não quero esta bomba, ainda quero vê os meus netos se formarem , não confio nestas modernidades. Outra coisa estranha é o tal de sanitário. Como pode uma pessoa almoçar sabendo que tem outra defecando bem pertinho de você, quem vai aguentar o fedor? a ideia não foi boa , este modernismo está muito moderno para o gosto daqui do interior.”
Segundo o grande músico, foi duro convencer os familiares. Mesmo depois de tudo pronto, arrumado, instalado e explicado foi difícil aceitarem. Imagine que naquela época não existiam na região máquina de lavar, microondas, televisão, ar-condicionado e nem o computador, caso existissem seria mais difícil, seria mergulhar noutro mundo.
A geladeira ficou apenas para gelar a água, todos os dias a sua avó reclamava, “ só serve para encarecer a energia e dá choque, água gelada doe nos dentes”.
O fogão só para fazer café, chá ou uma emergência. Para o feijão e comidas pesadas o gasto de gás era muito grande, e é caro, tanto que o botijão só foi substituído por outro cheio seis anos depois. O velho fogão a lenha passou a queimar carvão vegetal depois de muita luta, já foi uma modernidade encampada.
O sanitário da sala só para micção, escovar os dentes , lavar o rosto e tomar banho, as evacuações continuaram no banheiro tradicional , no quintal , mantido por exigência de todos, só assim continuou sendo um ato privado, pessoal e sem compartilhamentos.
Os avós morreram, os pais já estão velhos . Hoje usufruem de uma bela casa construída pelo filho artista e com diversos equipamentos domésticos . Vivem sem amarras, incorporaram o mundo moderno e são rodeados por muitos descendentes de nível superior, fruto da saga deste dileto amigo paraibano. Um lutador contumaz dos sertões do Seridó.
O progresso às vezes deixa a cabeça das pessoas a pensar e que nos ensina muito. Mesmo com poucos conhecimentos, pouca educação do imaginário humano ou mesmo sem nenhum estudo já era um alerta para o sedentarismo , o isolamento social , o consumismo e as suas consequências.
Respeitar o tradicionalismo com moderações, os costumes dos mais velhos sem corrompê-los, implantar a modernidade vagarosamente sem substituir a ferro e fogo o passado é tarefa da civilização moderna .
A humanidade vive em eterna metamorfose. O hoje, com esta vida cibernética e eletrônica, já pode ser considerado arcaico para o ontem.
O micro está sendo substituído pelo nano, os fios pelos raios, o trabalho presencial pela tarefas online e os homens pelos ciborgues.
O homem pela teoria da evolução natural Darwiniana se aprimora, cria várias subespécies, diferentes castas, que se distanciam cerebralmente uma das outras .
Pela teoria da evolução artificial da computação, da física e da matemática, o homem é um humanoide, um CIBORGUE.
Não tem mais volta, nasce uma nova civilização.
Iderval Reginaldo Tenório.
Saga da Amazônia Vital Farias - YouTube
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