AS IDEIAS DO MENINO ZEZINHO PARA A HUMANIDADE
I
Vivia no Sertão um menino chamado Zezinho, ao acordar não encontrava o seu pai em
casa. Moravam numa chácara e viviam da venda das verduras, frutas, legumes, queijos, do leite e ovos que produziam, eram
pequenos agricultores.
A vida no campo
era difícil, porém prazerosa, ninguém valorizava os seus produtos, tanto
que, todos os dias o pai do Zezinho madrugava na
cidade para apurar alguns trocados e comprar produtos
que não produzia, mesmo assim era um homem feliz, vivia do suor do
próprio rosto.
Para comprar uma
barra de sabão, era necessário um quilo de queijo, um pacote de
café, cinco litros de leite, um quilo de sabão duas dúzias de ovos,
um litro de querosene custava um balaio de verduras, uma vestimenta quase todo
o apurado, por isso aproveitavam as roupas até chegarem ao fim, muitas vezes
não dava para comprar tudo que precisavam. Para o transporte das mercadorias da
chácara à cidade possuíam uma dupla de burros adestrados, não havia
estrada para a chácara, havia apenas uma vereda íngreme e estreita, quando
chovia era um caminho perigoso.
Zezinho ficava
encabulado com o que via, pois o seu pai trabalhava o dia inteiro e quando
chegava da cidade falava para a sua esposa que as coisas estavam
ruins, dizia que havia muitos produtores rurais oferecendo as suas
mercadorias e para não voltar sem nada, sem nenhum trocado
tinha que vender por qualquer preço, melhor do que jogar fora.
O que também
chamava a atenção do menino era o fato de serem os moradores da cidade,
que não entendiam da lavoura e da criação de animais, quem ditavam os
preços dos produtos.
Como sabiam ler,
escrever, contar e se expressar com desenvoltura mandavam naqueles que só
sabiam trabalhar no pesado, debaixo do tempo, expostos ao sol
causticante, aos espinhos, aos ventos e redemoinhos, à poeira, às
formigas, aos bichos de pé, aos carrapatos e aos animais
peçonhentos como as cobras, as aranhas e os escorpiões, pensava para si
próprio:
“ Para o
agricultor ganhar o pão de cada dia é muito trabalhoso e arriscado, é
muito injusto ” .
Estes
pensamentos não saiam de sua cabeça .
II
O José foi
crescendo e vendo a diferença entre as pessoas, os seus pais trabalhavam de sol
a sol e dependiam da vontade do tempo, quando passava muito tempo sem chover a
terra nada produzia, as galinhas não punham ovos e nem as vacas davam leite,
quando chovia demais muitas plantas se perdiam, pois ficavam embebidas e
encharcadas com tanta água, murchavam e morriam, mesmo assim a produção era
muito grande, só era bom para o pessoal da cidade, pois os produtos
ficavam baratos pela grande quantidade, porém para os produtores as
mesmas dificuldades e os mesmos sofrimentos, pensou mais uma vez
só para si :
“Com o sol
causticante a terra nada produzia, com água demais a produção ficava muito
grande e o transporte difícil, continuava ruim para os produtores,
produtos agrícolas em grande quantidade caem os preços”.
A cabeça do
menino mastigava estes pensamentos todos os dias, o José era uma criança, mas
já era um pensador.
O que também
chamava a atenção do menino era que , o povo da cidade ganhava muito bem dos
governos e não dependia da vontade do tempo como os agricultores,
chovesse ou fizesse sol o ganho era garantido, não havia tempo ruim.
Voltava a
refletir, só para si, quais eram as causas desta diferença entre as pessoas,
pensava em muitas possibilidades, uma delas era a escolaridade e assim
refletia:
"Será
que é porque eles têm escolas, leem livros , jornais e estudaram?
Será que , se todos estudassem, inclusive os homens da roça, teriam as
mesmas chances? "
Com estes pensamentos,
o José exigiu do seu pai que queria acompanhá-lo mais vezes para vender os
produtos, conhecer mais a cidade e os seus moradores.
III
Ficava
impressionado com as vestimentas do povo da cidade, os homens de calças e
camisas finas, sapatos polidos, muitos usavam gravatas, chapéus de massa e só
fumavam cigarros finos, cigarros mansos, as mulheres muito bem vestidas e
calçadas, as crianças , iguais a ele na idade, com fardas escolares, sapatos
pretos, bolsas de couro a tiracolo e sacolas coloridas com pães,
sucos, doces, bananas e biscoitos para a merenda , todas saltitantes a
caminho da escola, enquanto ele com a mesma idade já ajudava os pais na
lida da roça, lutava sujeito a todos os maltratados da lavoura, ora
no cabo da enxada, na irrigação das plantas , na colheita e ora na
contagem dos ovos, pois em matéria de fazer contas , na sua idade, era um
gigante, de bom possuía a natureza, a liberdade e os animais, estes eram os
seus verdadeiros amigos.
O José era tão
pensativo que sabia muitas coisas sobre o tempo, quando era lua nova, lua
cheia, quarto crescente, quarto minguante, quando ia chover, sabia das horas
pela inclinação do sol , sabia a idade de um cavalo examinando os seus dentes ,
sabia pelo cantar dos pássaros se haveria inverno ou seca?, conhecia
muitas constelações e o nome de algumas estrelas, pois quando chegava a noite
todos iam para o alpendre da casa e os mais velhos contavam todas as histórias
que sabiam, muitas eram antigas, dos tempos dos grandes Reis,
principalmente as contadas pelos seus avós.
IV
Ficou tão
impressionado com a situação , com as dificuldades dos seus pais que um
dia sem sentir, sem querer e sem saber o porquê as lágrimas caíram no rosto e
molharam a sua face, o José não entendia tamanha injustiça e imaginou só para
si, para ninguém saber, só para si.
“Aquilo
era uma injustiça, aquilo estava errado, não poderia continuar assim”
E passava o dia
pensando. Já falei que o menino era um pensador.
O estopim foi
quando o José soube de outras coisas que lhes soaram muito
estranhas.
Soube que todos os
anos os moradores da cidade recebiam um salário a mais e passavam 30 dias sem
trabalhar, isto é , sem fazer nada e por cima recebiam os salários sem
faltar um centavo. Depois de pesquisar soube que eram o 13º salário
e as férias remuneradas, os seus pais nem de longe sonhavam com este verdadeiro
milagre, aquilo não lhe conformava, lhe deixava impaciente e pensativo, achava
tudo muito estranho.
Matutou mais uma vez para si mesmo, pois era um pensador e não queria que ninguém soubesse dos seus pensamentos , com os olhos a marejar pensou:
"Se todos
são filhos de Deus , todos deveriam receber estes benefícios, não existia
dúvidas, deveria ser assim. Quem
pagava estes benefícios e como pode receber sem trabalhar ?, na roça até
os animais trabalham, as vacas dão leite, as plantas dão frutos, as galinhas
põe ovos e os burros carregam os produtos nas costas, a vida é dura, até
ele, que ainda era uma criança, tinha que ajudar em vez de ir para a
escola e brincar, uma vez que todas as crianças têm que brincar, é brincando e
estudando que se aprende, já dizia vovó DIDI”.
Neste dia o menino
não dormiu, veio à mente que no futuro a força motora iria perder totalmente o
valor , tudo seria produzido e transportado por máquinas, até mesmo os animais
iriam ficar sem os seus empregos , a vida seria mais fácil para os cidadãos que
tivessem estudado, que possuíssem uma profissão e utilizassem o cérebro para
ganhar o pão, enquanto mais estudasse maiores seriam as chances para uma vida
melhor, concluiu que o homem do futuro para ganhar a vida só precisaria do
cérebro, mesmo com deficiência física possuindo um cérebro sadio poderia
crescer na vida, pois ganharia a vida sentado numa carteira, dando
palestras, escrevendo, ensinando , comandando um grupo de pessoas ou operando
uma máquina , concluiu que o homem é o cérebro e as outras partes são
acessórios, o importante é o cérebro.
V
José
teve uma ideia e achava que era muito boa, ele queria justiça entre os
povos, não podia continuar assim. Na cidade o povo tem tudo e não precisa
trabalhar com a terra, com a lavoura , com os animais e nem com o perigo
dos animais peçonhentos para ganhar o pão, muitos ganham a vida para
ficar sentados numa carteira, mexem com papeis, canetas, lápis e relatórios,
trabalham na sombra e com todas as garantias, inclusive com este tal de 13º
salário e férias remuneradas, todas as crianças vão para a escola,
vestem-se bem, comem bem e brincam muito, enquanto na mesma idade ele já
trabalhava para ajudar a família.
Não saia de
sua cabeça algumas perguntas: quem pagava este 13º, estas férias que os
grã-finos tem direito?, era uma injustiça com os homens da lavoura, outro
entrave eram os preços das mercadorias, se o agricultor é quem planta e
colhe, por que não dita os preços, isto não estava certo, era uma injustiça com
quem trabalha na terra com todos os sacrifícios que existem, era sim uma grande
injustiça, o menino não parava de pensar, já informei que era o José um
pensador.
Ficou mais
indignado quando soube que muitos não trabalhavam mais e recebiam os seus
salários, queria saber este mistério, seria milagre?. Foi até a Prefeitura
falar com o Prefeito e disseram a ele que este grupo recebia o nome de
aposentados, pessoas que trabalhavam até certa idade e depois ficavam em
repouso para o resto da vida, era uma garantia para quem trabalhou até a
velhice, veio na sua cabeça o seu avô, que apesar de velho ainda ajudava
na lavoura, nunca deixou de trabalhar.
O José entrou em
parafuso, quem paga se ninguém trabalha com a terra que dá os frutos que
alimenta o homem ? pois quem sustentava os seus avós , os seus pais
e toda a sua prole era o pequeno terreno da família, dizia o
seu avô que aquela chácara era herança do seu pai, o meu bisavô, que há muito
tempo vivia daquela terra plantando e criando alguns animais , veio à tona o
pensamento da escola:
" Será que
o meu bisavô frequentou a escola? será? tudo indica que não"
VI
Ao chegar à
chácara convocou todas crianças filhas dos lavradores, contou tudo que viu, o
que pesquisou e como funcionava a vida na cidade, foi um alvoroço total, os
pais não estavam entendendo tantos encontros e tantas reuniões secretas entre
as crianças da roça, era muito estranho, o que estavam articulando? Sabiam que
quando muitas crianças se reúnem estão planejando alguma travessura, pois as
crianças são cheias de artes e sabem de muitas coisas que os adultos nem
imaginam, as crianças raciocinam e muito, as crianças são cheias de ideias, tem
a mente limpa e nova, aprendem tudo com muita facilidade, são atentas e
antenadas em tudo, as crianças são muito inteligentes, deveriam ser mais
escutadas pelos adultos.
VII
Noventa dias
depois, após muitas idas e vindas à cidade, os meninos constituíram uma
comissão, foram ao Prefeito, ao Juiz, aos Vereadores, aos Professores ,
ao Padre e por último aos pais, falaram que tinham tomado uma decisão e,
estavam convocando todos para uma grande assembleia na qual apresentariam
um plano desenvolvido nestes noventa dias .
Todos gostaram dos
comunicados, das sugestões e das medidas que proporcionassem
justiça, principalmente para o trabalhador do campo, para os mais pobres
e para os mais necessitados, as crianças chegaram à conclusão que o mundo
é de todos e não deve existir castas muito distantes uma das outras, os
salários vão depender da capacidade, dos esforços e do nível de escolaridade
de cada um, desde quando todos tenham a chance de aprender , desde quando
o ensino seja com isonomia para toda a população, tudo iria depender das ações
dos gestores públicos, daqueles que estão com as rédeas do poder nas
mãos, entenderam que os benefícios são pagos pela força do
trabalho de todos os trabalhadores e que cada um recolhe uma parcela
proporcional aos ganhos para depois passar a receber justos
benefícios, muitas foram as ideias, as sugestões e as soluções.
Foi da mente do
menino José que muitas medidas foram tomadas para melhorar a vida
de muitos seres humanos, foram elaboradas as leis trabalhistas e férias
remuneradas para todos, os pequenos agricultores foram orientados a
formarem grupos que tinham poderes sobre as plantações, o transporte e os seus
preços, os homens do campo passaram a figurar nas estatísticas como importantes
cidadãos e para as crianças a escola passou a ser obrigatória ,
todas passaram a frequentar diversos cursos, passaram a alimentar o
cérebro, pois José entendia que só a escola , só a educação era capaz de
proporcionar a igualdade social.
VIII
Para uma pessoa
trabalhar noutra fazenda, numa loja ou na casa de outra pessoa
foi criado a carteira profissional , todos passaram a ter direito a
saúde e aposentadoria por um sistema de seguridade público coletivo.
Graças ao José o
mundo melhorou pra muita gente, cada pessoa passou a ser chamada de cidadão e
todos ficaram sabendo de onde vinha o dinheiro para sustentar tantos
trabalhadores que moram na cidade, inclusive este tal de 13º salário, férias
remuneradas e aposentadoria, graça ao seu esforço todos passaram a ter os
mesmos direitos , no campo ou na cidade, o importante era trabalhar dignamente
.
O José continua
vivo e em todo o mundo, vive plantando justiça , criando e formando
milhares de Josés , para juntos
um dia construírem um mundo melhor para todos os reinos da
natureza, o animal, o mineral e o vegetal, segundo José sem esta interação a
vida não tem o menor sentido, diz em voz alta que o remédio é crescer sem
destruir , crescer com cidadania e respeito, crescer preservando e
recuperando a natureza, o remédio é lutar.
Iderval
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