sábado, 3 de abril de 2021

O Incêndio de 1964 Relato do menino Zezinho

                                                                                   Artigo: A Caatinga em Chamas | Rádio Pajeú

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O Incêndio de 1964

Relato do menino Zezinho

 

A caatinga ardia em chamas, seu Zé, o proprietário,   e  alguns trabalhadores roçavam as ressecadas moitas  de jiquiris,    canafistas e  outras herbáceas, arbustos e arbóreos endêmicos do semi árido nordeste. 

No outro lado da velha estrada, construída pelo grande líder,  com recursos próprios, dona Tonha, uma guerreira alagoana, descendente dos  índios Cariris e dos  Xucurus,   rodeada por  mulheres e rapazolas  limpavam os aceiros contra lateral ao fumegante fogo. Retiravam os garranchos, os gravetos e os capins desidratados , uma vez que  a caatinga seca  tem a mesma combustão da bucha ensopada com gasolina,  álcool ou   querosene, quase semelhante à queima da pólvora. 

As últimas chuvas datavam de um ano atrás, os barreiros secos, os animais esquálidos e as asas brancas a procurarem outras plagas, apenas os pássaros mais resistentes voavam contracenando com as miragens que vibravam tangenciando o duro, vermelho e ressecado  solo  serrano. 

O verde da vegetação rasteira  encontrava-se cinza, o sol queimava a pele, a cabeça, o coração, a mente e a alma dos fortes homens do campo, era mais um período de seca, mais um ano sem água, mais um ano  de fome e de sofrimentos.

Anuns,   carcarás, gaviões, teiús  e cascavéis rodeavam as ilhas verdes  ensombradas  pelos umbuzeiros, cajueiros, facheiros, xique-xiques e mandacarus  que  resistiam à baixa umidade   à   procura de preás, saguins, calangos, pássaros , besouros , formigas e cupins    para matar a fome.

As rajadas de ventos quentes, muitas vezes em redemoinhos, levavam de eito tudo que encontravam pela frente.  Penas, ciscos,  folhas, ninhos de pássaros,  restos de gafanhotos, argilas e estercos  flutuavam  de um lado para  outro  como se a velha Chapada do Araripe estivesse a caducar ou pagando os seus pecados.

Num visível processo de desertificação,  as lufadas dos ventos  e o mormaço invadiam as desprotegidas  capoeiras e consumiam sem piedade os últimos lampejos de vida.  Pássaros,   insetos rasteiros , insetos  alados e até mesmo os  resistentes répteis eram triturados pelo sol do meio dia.

O descampado da  vegetação xerófila , os cabeças de frades, os rabos de raposas e os mandacarus mirins maltratados pelo escaldante calor  transformavam a caatinga num cinza transparente, expondo ao sol ardente    os  animais  , os vegetais e os recursos naturais,  modificando constantemente   o ecossistema.

O céu azul cristalino, sem nenhuma nuvem, propiciava a visibilidade do mais longínquo infinito.  O astro rei, como se estivesse a metros, consumia  com as suas cortantes  labaredas a ressecada e moribunda carcaça da velha Serra do Araripe.  

Zezinho viu, viveu e apagou fogo, o menino sobreviveu.  A sua mente de criança gravou aquela inesquecível e dantesca cena.  O fogaréu vermelho a cuspir fumaça, os estalos dos gravetos finos e secos em chamas, as faiscantes fuligens carregadas pelos ventos, os homens com mulambos molhados no rosto a proteger as ofegantes narinas e os olhos tracomatosos, mulheres com panos e vassouras de galhos secos a varrerem as margens da estrada, adolescentes correndo em desesperos,  aos gritos de guerras, e o Zezinho encravado no coração do furdunço. Foram momentos de medo, de choro , de insignificância,  de coragem e de reflexão . Foi mais um fato vivido e registrado na sua existência pueril, mais uma lição da natureza e a certeza que o homem do campo, o homem sofrido do nordeste é forte , resistente e merece respeito.

O menino cresceu, lutou, estudou  e envelheceu, porém, jamais deixou que a criança agreste que existe dentro de si sucumbisse, desaparecesse. Entendeu que os segredos da vida só sabe  quem viveu, quem presenciou e sentiu.  Traz de lembranças algumas cicatrizes e dois pterígios , marcas registradas dos sertões pernambucanos.

 Zezinho fez e faz parte deste tenebroso  universo, ele viu, viveu e sobreviveu, o Zezinho é um sobrevivente, como disse o Euclides da Cunha , é antes de tudo, um forte.

Salvador, 18 de Março de 1986

Iderval Reginaldo Tenório

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30 de dez. de 2011 · Vídeo enviado por maravillatropical

 

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Zezinho , a Gata Ceguinha e o Mimoso.

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Zezinho , a Gata Ceguinha e o Mimoso

 

Zezinho acordou cedo, abriu a porta dos fundos e encontrou a gata ceguinha deitada no batente.  A tiracolo  dois sibites, dois buguelos de Caga Sebo. Para pegá-los, provavelmente a gata voou ou os filhotes  no primeiro voo  cansaram e caíram nas garras da felina.

A Ceguinha era uma velha gata que só faltava voar, às vezes voava, pois  pular três a quatro metros, de uma árvore para um telhado, não deixava de ser um ato de voar. Ficou cega de um dos olhos,  num acidente  com espinhos de mandacarus, ao perseguir pequenos répteis.

A gata  não gostava de ratos, o seu esporte era erradicá-los, porém não tinha estômago para os mesmos, após o sacrifício  abandonava-os.  Onde a ceguinha miava  os ratos  não apareciam.

Caga sebo é um pequeno pássaro de papo amarelo e dorso com pintas pretas, voa baixo, pouco e de galho em galho, o seu peso não chega a cinco gramas,  é só cabeça, penas e dois finos  gravetos que servem de pernas.

Seu ninho é construído nas pontas  dos galhos pendentes, são compridos tipo bucha vegetal de lavar pratos, uma   janela simetricamente posicionada  contra as  chuvas  e contra o sol, é uma obra da engenharia animal.

A ceguinha era simples,  pequena, acanhada e de miado baixo, porém  era uma felina, tinha lá o seu respeito, era temida por muitos, era uma fera. Havia parido a mais de dois anos e jamais aceitou que o seu rebento  virasse adulto.

O Mimoso era um gato cinza, cabeça grande, comprido, alto e peso avantajado. Era manhoso, pelos finos, preguiçoso, miado macio, andar elegante, olhar cativante e gostava de  almofadas. Não sabia caçar,   morria de  medo de ratos grandes,   ficava sempre à espera da cuidadosa mãe, a regra era a mesma,  esperar  todos os dias por uma prenda trazida pela ceguinha.   Apreciava leite, carne mole cortada e  banhos de saliva,  à noite recolhia-se a uma cadeira fofa, só abria os olhos ao amanhecer. Era um príncipe sem reinado, um  dependente, um fruto do ócio, talvez perdido pelo exagerado zelo e cuidado matriarcal. Era um desocupado,  oportunista e bonitão, um filhinho da mamãe, o bicho era sem tino, vivia da sua beleza, no frigir dos ovos  um sujeito sem planos, um desplanaviado.

Zezinho abriu a porta, a gata miou mais de uma vez, o mimoso levantou a cabeça, pulou sorrateiramente da cadeira, esticou os membros se espreguiçando e  elevou a coluna vertebral como um dromedário num ato  de superioridade. Na sorrelfa foi ao encontro da mãe, lambeu os moribundos sibites, triturou-os com os  afiados dentes, lambeu as patas,   ficou  à espera do leite  servido todos os dias pela dona  da casa. Era um verdadeiro hóspede, um príncipe.

Aberta as portas e as janelas, a brisa serrana entrou mansamente em todos os aposentos do velho casarão,  renovando o ar, enquanto  o sol  com os seus raios ultravioletas esterilizava todos os recantos do ambiente. Nascia mais um dia nos confins do sofrido sertão da chapada do  Araripe. 

Só Zezinho e Deus presenciaram aquela materna  cena sertaneja, isto faz parte da vida em muitos  recantos do mundo.

 São muitos os Mimosos por este mundo afora, são muitos.

Iderval Reginaldo Tenório

 

 

Jackson do Pandeiro - 'Preguiçoso'. - YouTube

Uma das primeiras composições do Bezerra da Silva em parceria com o grande mestre Jackson do ...
28 de nov. de 2012 · Vídeo enviado por Ricardo Abdala


quarta-feira, 31 de março de 2021

VISITA A UMA PENITENCIARIA

 Centro Espírita de Estudos Nossa Casa: OS SETE SORRISOS DE UM PRETO-VELHO

Pin em Pretos Velhos

                                                    

Barbed Wire Prison Sunset Orange Stock Footage Video (100% Royalty-free)  20431141 | Shutterstock

Fotos de Mão no arame farpado enferrujado, imagem para Mão no arame farpado  enferrujado ✓ Melhores imagens | Depositphotos®

O VELHO, A PENITENCIARIA E A COLÔNIA AGRÍCOLA.

Ao  visitar uma penitenciaria,   colônia agrícola, e ao  dialogar com os moradores, Zezinho  ficou impressionado com  um velho detento.

Defronte a um velho de barba branca e cabelos longos, voz arrastada, pouca leitura , pele encolhida e  olhar perdido, sem direção,   o Zezinho se abobalhou.

Após cordial diálogo o velho de 
banguela boca  ,  mãos grossas e unhas escuras olhou para o mundo e mirou o infinito, viajou no tempo e pousou na realidade da vida . 

Cavador nas mãos, bornal cheio de grampos , martelo ,  pé de cabra para esticar arames e cheio de solidão   olhou para o sol ,    abrindo e fechando os olhos, devido   a claridade ,  enxugou a  ressecada tez. Esboçando caretas com os desidratados músculos da face e   a  rouca  voz, quase gutural,   balbuciou  algumas palavras.


"Di qui adianta viver num mundo como esse? di qui adianta?! O mundo pra mim num tem sentido, vivo cá há 30 anos, num tenho mué, pai, mãe, fios e nem amigos, a vida é  drumir, acordar, comer, descomer , cavar buracos e insticar arame, num tem sentido. Drumo, acordo, como, descomo, cavo buracos e dispois, dispois vou insticar arame, num tem sentido.

Parou de balbuciar , olhou para cima,  sol a pino. Coçou a cabeça, colocou o seu chapéu de palha, pôs o cordão por debaixo do queixo , arregaçou as mangas do grosso brim, aberta até o umbigo , falou resmungando para si e para o além quase a murmurar. O Zezinho  ficou boquiaberto  e desnorteado.

"Q
ui dureza!, ave Maria ! Qui sóle quente , já comí, já descomi, já cavei  buracos e agora seu môço vou insticar arame."


E com o tom da voz cada vez mais baixo foi balbuciando, abaixando a voz  e se afastando em busca de realizar a sua tarefa.

"Vou insticar arame , vou insticar arame . Inté mais, inté."

Saiu à procura de arames farpados soltos , de estacas carcomidas pelos cupins   e de mourões prestes a caírem.

Indiferente e claudicante sumiu beirando a cerca, puxa aqui , puxa ali, uma martelada acolá, um grampo que cai, um grampo que se perde, um resmungo, uma cusparada, uma estaca frouxa, mole quase caindo e lá se vai o velho cheio de desilusão acostumado com a vida recebida e agora em consumo.


Come, evacua, cava buracos , estica arame, olha para o sol, enxuga a testa, bota a mão no bornal, dá uma martelada, assoa o nariz, estica a coluna com as mãos nos quartos , coça as nádegas e continua a deambulação.

É a sua rotina , é o cotidiano , é a vida, é o seu pequeno mundo .
Salvador, 21 de abril de 1998

Iderval Reginaldo Tenório