Zezinho , a Gata Ceguinha e o Mimoso
Zezinho acordou cedo, abriu a porta dos fundos e encontrou a gata ceguinha deitada no batente. A tiracolo dois sibites, dois buguelos de Caga Sebo. Para pegá-los, provavelmente a gata voou ou os filhotes no primeiro voo cansaram e caíram nas garras da felina.
A Ceguinha era uma velha gata que só faltava voar, às vezes voava, pois pular três a quatro metros, de uma árvore para um telhado, não deixava de ser um ato de voar. Ficou cega de um dos olhos, num acidente com espinhos de mandacarus, ao perseguir pequenos répteis.
A gata não gostava de ratos, o seu esporte era erradicá-los, porém não tinha estômago para os mesmos, após o sacrifício abandonava-os. Onde a ceguinha miava os ratos não apareciam.
Caga sebo é um pequeno pássaro de papo amarelo e dorso com pintas pretas, voa baixo, pouco e de galho em galho, o seu peso não chega a cinco gramas, é só cabeça, penas e dois finos gravetos que servem de pernas.
Seu ninho é construído nas pontas dos galhos pendentes, são compridos tipo bucha vegetal de lavar pratos, uma janela simetricamente posicionada contra as chuvas e contra o sol, é uma obra da engenharia animal.
A ceguinha era simples, pequena, acanhada e de miado baixo, porém era uma felina, tinha lá o seu respeito, era temida por muitos, era uma fera. Havia parido a mais de dois anos e jamais aceitou que o seu rebento virasse adulto.
O Mimoso era um gato cinza, cabeça grande, comprido, alto e peso avantajado. Era manhoso, pelos finos, preguiçoso, miado macio, andar elegante, olhar cativante e gostava de almofadas. Não sabia caçar, morria de medo de ratos grandes, ficava sempre à espera da cuidadosa mãe, a regra era a mesma, esperar todos os dias por uma prenda trazida pela ceguinha. Apreciava leite, carne mole cortada e banhos de saliva, à noite recolhia-se a uma cadeira fofa, só abria os olhos ao amanhecer. Era um príncipe sem reinado, um dependente, um fruto do ócio, talvez perdido pelo exagerado zelo e cuidado matriarcal. Era um desocupado, oportunista e bonitão, um filhinho da mamãe, o bicho era sem tino, vivia da sua beleza, no frigir dos ovos um sujeito sem planos, um desplanaviado.
Zezinho abriu a porta, a gata miou mais de uma vez, o mimoso levantou a cabeça, pulou sorrateiramente da cadeira, esticou os membros se espreguiçando e elevou a coluna vertebral como um dromedário num ato de superioridade. Na sorrelfa foi ao encontro da mãe, lambeu os moribundos sibites, triturou-os com os afiados dentes, lambeu as patas, ficou à espera do leite servido todos os dias pela dona da casa. Era um verdadeiro hóspede, um príncipe.
Aberta as portas e as janelas, a brisa serrana entrou mansamente em todos os aposentos do velho casarão, renovando o ar, enquanto o sol com os seus raios ultravioletas esterilizava todos os recantos do ambiente. Nascia mais um dia nos confins do sofrido sertão da chapada do Araripe.
Só Zezinho e Deus presenciaram aquela materna cena sertaneja, isto faz parte da vida em muitos recantos do mundo.
São muitos
os Mimosos por este mundo afora, são muitos.
Iderval Reginaldo Tenório
Um comentário:
Que beleza 👏🏻
Postar um comentário