terça-feira, 17 de novembro de 2020

CUNVERSA DE MATUTO Por Patativa de Assaré

 

 Patativa do Assaré – Wikipédia, a enciclopédia livre

Nesta poesia  o autor  registra o que era a politica brasileira  em tempos passados  ,  algo mudou com a melhora da educação.  

Cabe à  sociedade atual cobrar mais ainda e não cair nas promessas dos políticos  em busca do voto.  

O  voto é uma conquista da sociedade, bem utilizado fará um novo desenho deste sofrido país.

Iderval Reginaldo Tenório


 CUNVERSA DE MATUTO
Por Patativa de Assaré

Zé Fulô

 

Meu amigo João Moiriço,

Eu agora fiquei certo

Que nóis já tá bem perto

De sair do sacrifiço.

Eu onte uvi num comiço

De um dotô candidado,

Home sero e muito isato

E ele garantiu que agora

Vai havê grande miora

Para o pessoá do mato.

 

No comiço ele falou

Que depois que ele vencê,

Vai com gosto protegê

A cada um inleitô.

O povo trabaiadô

Que padece no roçado

Pode votá sem coidado

Que depois das inleição

Com a sua proteção

Vai tudo recompensado

 

Aquele é home de bem,

Quando desceu do palanco,

Falô com preto, com branco,

Com rico e pobre tombém;

Ali não ficou ninguém

Pra ele não abraçá,

Veve sempre a conversá,

É alegre e satisfeito,

Num home daquele jeito

Faz gosto a gente votá

 

 

Do palanco ele desceu

Alegre e dizendo graça

E mais tarde lá na praça

Palestrando apareceu,

Se assentou pertinho deu

Lá num banco da venida,

Perguntou por minha vida

E disse na mesma hora

Que a sua vitóra

Já tá quage dicidida.

 

 

E pediu que eu precurasse

Com muita delicadeza

Aqui nesta redondeza

Gente que nele votasse

Que depois que ele ganhasse

Ia as coisas resorvê.

A premêra era fazê

Aqui no nosso lugá

Um grande grupo escolá

Pra nossos fio aprendê.

 

Depois um mioramento

Pra nois pudê trabaiá,

Semente pra nóis prantá

Sem precisá pagamento,

Quarqué coisa no momento

É nóis querê e pedi

E depois que conseguí

Esta premêra vantange,

Vem uma bela rodage

Da cidade até aqui.

 

Eu tenho esperança e fé

Na promessas do dotô

E pedi a ele eu vou

Um imprego pra José.

Mais tarde se Deus quisé,

O meu fio faz figura,

Saindo da agricurtura.

Este cansado chamego

E arranjando um bom imprego

Lá dentro da Prefeitura.

 

É tanto  que vou caçá

Argum voto por aqui;

Já cunversei com Davi,

Com Vicente e Vardemá,

Fuloriano,Mozá,

Mane Chico e Zé Lavo,

Dona Suzana e Lindo,

Napoleão e Romeu,

E tudo me prometeu

Que vai votá no dotô.

 

João Moiriço ,meu amigo,

Sei que você acredita,

Não venho fazê visita

Hoje aqui no seu abrigo;

Oiça bem o que lhe digo

Você nunca me faltou

E a ocausião chegou

De pedí seu voto isato

Para o dotô candidado

De prestijo e de valô.

 

 

Isto que eu tô lhe falando

É bom para nosso futuro,

Nóis tamo num grande escuro

E uma estrela vem briando;

Veja que você votando

Neste home de tanto brio,

Em quem com gosto confio,

É um negoço importante

Vai havê de agora em diante

Escolas pra nossos fio!

 

João Moiriço:

 

Meu amigo Zé Fulô,

Vou lhe dizê a verdade:

É véia a nossa amizade

Porém você se enganou.

Pode pedí, que eu lhe dou

Uma quarta de feijão

Uma arroba de argodão

E cinco metro de fumo,

Tudo com gosto lhe arrumo,

Porém o meu voto, não!

 

Lhe dou se você quisé

Minha boa lazarina

E o meu galo de campina

Que eu amo com muita fé,

Dou minha porca Baié

E o meu cachorro Sultão,

Maria dá um capão

E o Chico dá um cabrito,

Isso tudo eu admito

Porém o meu voto, não!

 

Meu amigo Zé Fulô,

Não siga por esta tria,

Você ainda confia

Em premeça de dotô?

Aquilo que ele falou

É somente imbromação.

Quando é tempo de inleição

Esse home se aprepara

Trazendo um santo na cara

E o diabo no coração.

 

Você não dê confiança,

Pois quando a campanha vem,

Com ela chega tombem

A pabulage e a lembrança.

As vez os matutos dança

Com as fia do dotô,

É aquele grololô,

Tudo alegre e satisfeito,

Antes do dia do preito ,

Tudo é prefume e fulô.

 

Mas depois que passa o preito,

O desmantelo renova,

Palavriado não prova

A bondade do sujeito.

Pra garrafa desse jeito

Não iziste sacarrôia,

Não quera fazê iscôia

Se não você sai perdendo,

Este dotô tá inchendo

A sua venta de fôia.

 

Isto já vem do passado

E a pisada ainda é essa,

Por causa dessas premessas

Meu avô foi inganado,

O meu pobre pai coitado!

Foi inganado tombém

E eu,que já conheço bem,

Pra votá sou muito franco,

Mas porém só voto em branco,

E não confio em ninguém.

 

Em branco eu tenho votado,

Pois só assim me convém

Pruquê votando em arguém,

Traz o mesmo risurtado,

Com certos palavreados

Ninguém pode me iludi,

Vivo trabaiando aqui

Nesta vida aperreada,

Mas não dregrau de escada

Pra seu fulano subi.

 

Zé Fulô repare bem,

As premessa é só na hora,

Porém,depois da vitóra,

Premessa valô não tem

E esperá por quem não vem

Martrata,dói e acabrunha,

Digo e tenho testemunha,

Quage todo candidato

Tem a mamparra do gato,

Dá um bote e esconde a unha.

 

Na campanha eleitorá

Quando ele encronta a gente,

Chama de amigo e parente,

Naquele parrapapá,

Mas, depois de eles ganhá

E recebê posição,

A ninguém presta tenção,

Assim que a gente repara,

Vê logo a cara do cara

Como cara de lião.

 

Zé Fulô não seja bruto

Seja mais inteligente,

Repare que aquela gente

Não faz conta de matuto.

Não dou crença e nem escuto

Premessa desse dotô,

Pra não passá o que passou

Sendo inganado e inludido,

O meu pobre pai querido

E o finado meu avô.

 

Tome esta boa lição,

Dêxi logo esta veneta,

Seja sero,não se meta

Com fuxico de inleição;

Este dotô sabidão

Que agora lhe apareceu

E tudo lhe prometeu,

Depois da vitóra pronta,

Fica fazendo de conta

Que nunca lhe conheceu.

 

E se você se afobá,

E pegá com lerolero,

Zangado e falando séro,

Querendo se revortá,

Pedindo pra lhe pagá

Todas as premessas que fez,

Ele,com estupidez,

Fica cheio de maliça,

Dá logo quexa a poliça

E lhe leva pro xadrez.

 

Portanto, vá se aquetá

Não entre nesse curtiço,

Não vá dexá seu serviço

Pra sê cabo eleitorá.

Vá sua casa zelá,

Vá cuidá de seu trabaio,

Não pegue nesse baraio,

Se não você perde o jogo

Água é água e fogo é fogo

Cada macaco em  seu gaio.

 

Patativa de Assaré é Poeta.

Biografia de Patativa do Assaré

Patativa do Assaré (1909-2002) foi um poeta e repentista brasileiro, um dos principais representantes da arte popular nordestina do século XX. Com uma linguagem simples, porém poética, retratava a vida sofrida e árida do povo do sertão. Projetou-se nacionalmente com o poema "Triste Partida" em 1964, musicado e gravado por Luiz Gonzaga. Seus livros, traduzidos em vários idiomas, foram tema de estudos na Sorbonne, na cadeira de Literatura Popular Universal.

Infância e Adolescência

Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva) nasceu no sítio Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município de Assaré, no Sul do Ceará. Foi o segundo dos cinco filhos dos agricultores Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva.

Com seis anos, perdeu a visão do olho direito em consequência do sarampo. Órfão de pai aos oito anos de idade teve que trabalhar no cultivo da terra, ao lado do irmão mais velho, para sustentar a família.

Com a idade de 12 anos, Patativa do Assaré frequentou uma escola durante quatro meses onde aprendeu um pouco da leitura e se tornou apaixonado pela poesia. Com 13 anos começou a fazer pequenos versos. Com 16 anos comprou uma viola e logo começou a fazer repentes com os motes que lhe eram apresentados.