Daniel Walker: Guardião da memória do Padre Cícero e de Juazeiro
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Professor, escritor e jornalista, Daniel Walker há mais de 40 anos se
dedica a pesquisar e a difundir a história do Padre Cícero, de Juazeiro
do Norte e de seus personagens. Trabalho incansável, feito de forma
independente e diletante, “mas com muito prazer”. Autor de cerca de 50
obras, muitas delas sobre a vida e obra do patriarca da Meca do Cariri,
Daniel Walker é a principal referência na cidade para pesquisadores,
jornalistas e interessados, e exemplo da luta pela preservação da
memória do Cariri
Um dos episódios mais marcantes da vida de Daniel Walker Almeida Marques
– a cirurgia para extração de um rim que doou a um irmão, em São Paulo –
foi também decisivo para o rumo da sua vida dali em diante. O ano era
1969, e ainda hospitalizado em recuperação do procedimento cirúrgico,
ele recebeu mais de 10 edições de jornais do Sudeste. Em comum a todas
as capas, a inauguração da estátua em homenagem ao Padre Cícero, na
colina do Horto. “O assunto foi destaque em jornais como O Estado de São
Paulo, Última Hora, Folha de São Paulo, Jornal O Globo e Jornal do
Brasil. As reportagens, bem positivas, enfocavam sempre o padre como um
santo nordestino, e diziam que o local iria se transformar numa grande
atração turística. Retornei a Juazeiro bastante empolgado, e passei a
pesquisar tudo sobre o tema”, lembra.
Mas Juazeiro e sua vocação já chamavam a atenção de Daniel Walker desde a
infância. Nascido próximo à Capela do Perpétuo Socorro, que abriga os
restos mortais do Padre Cícero, ele vivenciou a religiosidade de maneira
muito forte. “Quando criança, eu via Juazeiro como uma cidade sagrada.
Como morávamos no bairro do Socorro, minha ambiência sempre foi em meio
aos romeiros, que durante as romarias carregavam aquelas imagens e
objetos sagrados”, afirma. Mas sua admiração não se resumia só ao
visual. Assim como outros meninos da sua idade, aos sete anos pendurava
uma caixa de sapatos com um cordão no pescoço e vendia velas aos que
peregrinavam à cidade em busca de conforto espiritual.
Nascido a
6 de setembro de 1947, Daniel Walker é o terceiro da prole de cinco
filhos do ourives José Marques da Silva (Zeca Marques) com a professora
Maria Almeida Marques, ambos de Juazeiro do Norte. A profissão do pai de
Daniel também tinha ligação com a religiosidade. Segundo ele, a cidade,
que chegou a ter mais de 500 ourivesarias foi, durante o apogeu nos
anos 1960, o maior centro nordestino no ramo, e se notabilizou por
fabricar também em ouro artigos como escapulários, medalhas e
crucifixos, além dos anéis de formatura, alianças, pulseiras, brincos e
cordões. “O ouro enricou muita gente em Juazeiro. Só não ao meu pai, que
não foi ousado. A produção era vendida da Bahia ao Pará”, acrescenta.
A
infância de Daniel Walker foi marcada pelos banhos no rio Salgadinho, os
jogos de peteca e futebol na praça onde hoje está o Memorial do Padre
Cícero, no bairro do Socorro. No auge dos filmes de faroeste que
passavam nos cines Eldorado, Avenida e Roulien, a moda era brincar de
caubói. As primeiras letras Daniel aprendeu com dona Toinha Gonçalves,
uma rígida professora a quem recorriam até as famílias mais abastadas,
quando seus filhos se viam em apuros com o boletim. “Ela era do tempo da
palmatória. A gente tinha costume de levar bolo, quando cometia
indisciplina ou falhava na sabatina, em que um aluno era designado para
fazer perguntas a outro. Não tinha jeito”. Porém, a maior recordação do
tempo em que tinha aulas na escola que funcionava na própria residência
da professora foi a sólida e abrangente formação humanística, que
incluía, entre outras, noções higiene, cidadania, religião e
comportamento.
Da escola de Toinha Gonçalves, Daniel ingressou no Grupo Rural Modelo
(Escola de Aplicação da Escola Normal Rural) e no Grupo Escolar Paulo
Sarasate, todos de Juazeiro do Norte. Em 1960, início do ginásio, foi
para o Colégio Agrícola de Lavras da Mangabeira em regime de internato,
onde fez o 1º Ano do Curso de Iniciação Agrícola. A experiência foi
breve. “Foi de muito choro com saudade de casa. Fiz só o primeiro ano”.
De volta a Juazeiro, Daniel Walker passou o que classifica como os
melhores momentos da vida estudantil no Colégio Salesiano São João
Bosco, entre 1961 e 1964. Aluno sempre destacado, foi lá que ele
despertou para a que considera sua principal vocação: a de comunicador.
“Iniciei minhas atividades de radialista e jornalista, fazendo locução,
redigindo e apresentando noticiário no Serviço de Auto-Divulgação
Salesiana [SADS], uma amplificadora que funcionava no colégio Salesiano
como sendo uma emissora de rádio”, explica. A amplificadora foi fundada
em 1964 com os amigos Vital Tavares, Wellington Amorim, José Marques
Filho, Jussier Cunha e Renato Casimiro, ajudando a revelar também outros
nomes para o rádio de Juazeiro. Nessa época, ele conseguiu as primeiras
façanhas na atividade: emplacar uma matéria no Jornal Juvenil, e uma
nota na seção “O Impossível Acontece” da Revista O Cuzeiro. “Narrava o
fato real de homem que tentou o suicídio pulando da torre da Capela do
Socorro, caindo em cima de outro homem que passava na frente da capela,
matando-o. Os dois morreram na hora”, conta. Também no serviço militar
para o qual entrou em 1966 como atirador do Tiro de Guerra 210, Daniel
Walker exerceu o radiojornalismo.
O gosto de Daniel pelo rádio foi crescente. Àquela altura, já era
ouvinte da BBC de Londres e das emissoras dos Diários Associados, além
da Ceará Rádio Clube, de Fortaleza, onde passou a admirar nomes como
Narcélio Limaverde, João Ramos e Wilson Machado. Sua profissionalização
na atividade veio a partir de 1964, quando passou a atuar como locutor e
redator no Serviço de Alto-falantes Cicerópolis (Saci).
Pouco tempo depois, Daniel foi convidado por Coelho Alves para trabalhar
na Rádio Iracema, onde permaneceu de 1965 a 1971. “Minha maior glória
foi ter redigido e apresentado, com Coelho Alves, o Grande Jornal Sonoro
Iracema”. O noticiário ia ao ar à noite, às 22 horas, e Daniel redigia
notícias sobre os fatos ocorridos na cidade. Uma das curiosidades
daquele tempo é que, como não havia gravador, para poder entrevistar e
redigir, ele teve de dominar a técnica da taquigrafia.
Nesse ínterim, em 1965 e 1966 Daniel Walker foi aluno do Colégio
Diocesano do Crato, onde cursou o 1º e 2º ano científicos. Como em
Juazeiro não havia universidade, tentou o vestibular depois de concluir o
segundo grau no Colégio Castelo Branco, de Fortaleza, onde fez ainda o
cursinho pré-vestibular. Reprovado no vestibular para Agronomia da
Universidade Federal do Ceará, Daniel retornou a Juazeiro e foi aprovado
no vestibular de Fisioterapia na Faculdade de Medicina em Recife, curso
que frequentou apenas o primeiro semestre.
Paralelo ao trabalho no rádio, atuou como correspondente do Jornal O
Povo, integrou a diretoria do Centro Estudantal Juazeirense (CEJ), foi
redator-chefe do jornal Tribuna de Juazeiro, fundado por Aldemir
Sobreira, e colaborou nos jornais Folha de Juazeiro, A Imprensa, Folha
de Juazeiro, Jornal do Cariri, Tribuna do Ceará, Tribuna do Cariri e
Correios Estudantil, entre outros.
Depois de voltar de São Paulo, Daniel começou a se dedicar também à
pesquisa sobre a história do Padre Cícero e de Juazeiro do Norte. “Me
juntei a Renato, José Carlos Pimentel, Padre Murilo e José Onofre,
quando fizemos a primeira exposição no edifício Dom Pires, em Juazeiro,
de 250 fotografias históricas de Juazeiro e do Pe. Cícero. Essas fotos
hoje estão no Memorial”, recorda. A partir daí, Daniel e Renato passaram
a engordar o acervo de documentos. “Nos empolgamos e começamos a
trabalhar o garimpo das fontes, e assim conseguimos ajuda de muitos
colaboradores. Ajudamos muitos pesquisadores”, rememora.
Em 1971, Daniel Walker foi aprovado em primeiro lugar no vestibular para
o Curso de História Natural da Faculdade de Filosofia do Crato,
graduação que concluiu a Licenciatura em 1974. Pós-graduou-se
Especialista em Ciências (UFC), em Sexologia (Universidade Cândido
Mendes, Rio de Janeiro) e em História do Brasil (Universidade Cândido
Mendes). No mesmo ano, iniciou a carreira de professor de Ciências no
Curso de Madureza do Colégio Estadual de Juazeiro do Norte,
posteriormente batizado de Centro Educacional Professor Moreira de
Sousa. No colégio, ensinou turmas do Ensino Fundamental, do Curso
Científico, do Curso Normal Pedagógico e do Quarto Pedagógico, até se
afastar para aposentadoria em 2004. Daniel lecionou ainda na Escola
Técnica de Comércio, no Colégio Menezes Pimentel, na Escola de 2º Grau
Governador Adauto Bezerra e no Cursinho Pré-vestibular Objetivo. Em 1982
ingressou no quadro de professores da Faculdade de Filosofia do Crato,
hoje Universidade Regional do Cariri (Urca), permanecendo no Curso de
Biologia, até 2001, quando se aposentou como professor adjunto, no topo
da carreira, inclusive com o título de Professor Emérito.
Ao lado de Bendimar de Lima, José Boaventura, Renato Casimiro e Renato
Dantas, Daniel Walker fundou o Instituto José Marrocos de Pesquisas e
Estudos Sócio-Culturais (Ipesc), na mesma época da criação da Urca. No
instituto, foi nomeado pelo reitor José Teodoro Soares coordenador de
pesquisa e editoração. De acordo com Daniel, o instituto, criado para
fomentar a pesquisa e a divulgação da história e da cultura caririenses,
logrou êxito em sua missão apenas durante o reitorado de Teodoro à
frente da Urca. “Conseguimos o entrosamento dos pesquisadores de fora
com Juazeiro, e instituto incentivou nomes importantes em suas
pesquisas, entre eles Gilmar de Carvalho, Régis Lopes, Osvaldo Barroso,
Diatahy Bezerra de Menezes, Olga Paiva, Martine Kunz, Luitgarde Oliveira
e Marcelo Camurça”, cita.
Em 1984, o sonho de ser proprietário de uma emissora de rádio veio com a
criação da Transcariri FM, ao lado de Coelho Alves, Cícero Antônio,
Francisco Silva Lima e Adauto Bezerra Junior. “A gente sempre ficou
admirado de Cajazeiras (PB) ter uma FM (Patamuté) e Juazeiro não.
Decidimos concorremos em um edital e ganhamos a concessão. “O negócio
não dava lucro, mas não devíamos a ninguém”, afirma ele, que era também
responsável pelas finanças da emissora, a qual deixou para se dedicar à
universidade.
A experiência no Ipesc deu a Daniel Walker a possibilidade de ampliar
seu trabalho de pesquisa e produção intelectual iniciada no final dos
anos 1960. “Disso resultou a publicação de vários livros. Participei de
muitos simpósios, congressos e encontros, alguns dos quais como
palestrante ou membro da comissão organizadora. Fiz dezenas de cursos de
extensão cultural e ministrei vários cursos abrangendo as áreas da
Biologia, História Regional e Turismo”, orgulha-se. Entre suas
principais obras, estão Padre Cícero: A sabedoria do conselheiro do
sertão, em que foi pioneiro na catalogação dos conselhos do Padre
Cícero, até então dispersos em publicações, História da Independência de
Juazeiro do Norte, O Pensamento vivo de Padre Cícero e Padre Cícero na
Berlinda. Seu primeiro livro, História da CCPM, foi lançado em 1966, e
conta a história da Cooperativa de Crédito dos Primos Marques, uma
espécie de banco para emprestar dinheiro aos primos da Família Marques.
“Foi um grande sucesso. A Cooperativa depois se expandiu e passou a
oferecer empréstimos a pessoas do Bairro do Socorro, não pertencentes à
Família Marques”, explica.
Na era da internet, Daniel foi o criador do primeiro jornal eletrônico
de Juazeiro, o Juazeiro Online, fundado em 2004. Depois de completar 250
edições, o jornal virou o Portal de Juazeiro
(http://www.portaldejuazeiro.com), até hoje um dos mais importantes
sites noticiosos da cidade. Além do magistério e do rádio, ele ainda
trabalhou de 1971 a 1974 como relações públicas da Companhia de
Eletricidade do Cariri (Celca, depois Coelce); como gerente da Credimus
S.A. Crédito Imobiliário, além de acumular experiências desagradáveis no
serviço público municipal em 2000 e 2009. “Foi a pior experiência de
minha vida”, resume. Casado com a Professora Tereza Neuma de Macedo e
Silva Marques, Daniel é pai do professor universitário Michel, e do
engenheiro de produção Daniel Walker Junior.
A
dedicação ao Padre Cícero por parte de Daniel Walker vem da gratidão
pelo que o sacerdote fez pela cidade. “Acredito que foi ele quem colocou
Juazeiro no mapa do Brasil. Se não fosse ele, seria um reles povoado
que talvez viesse a virar uma cidade, mas nunca igual a que é hoje. O
tenho na conta de uma figura carismática muito forte, por conta dos
romeiros. O Padre Cícero é o ímã que atrai gente que faz o
desenvolvimento de Juazeiro. Sou um admirador e estudioso de sua
história”, pontua. Diariamente, Daniel Walker se dedica ao trabalho de
pesquisa e orientação a pesquisadores de todo o Brasil, que vão
pessoalmente à sua casa ou enviam e-mails, prontamente respondidos. “É
um trabalho não remunerado, por diletantismo, mas que faço com muito
prazer”.
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SOBRE DANIEL WALKER
“Daniel Walker é um homem exemplar. Discreto, aparentemente tímido, nada
falastrão, se desmancha em atenções e generosidade com quem pesquisa o
universo do Juazeiro do Norte. Minhas buscas, que começaram, mais
sistematicamente, em 1986, devem muito a ele. Solícito, prestativo,
perdi a conta das vezes que me levou para visitar um artista, um
penitente, um brincante de folguedo, alguém que pudesse ser interessante
para a minha compreensão daquele mundo, tão fascinante quanto
desafiador. Relembro, com saudades, das tardes de sábado, quando ia me
apanhar no Hotel Viana para o café na casa do Monsenhor Murilo. Tantas
conversas sobre a cidade, seus anseios, suas frustrações e suas
personagens... Daniel Walker é um amigo querido, um pesquisador sério e
um homem comprometido, de verdade, com o Juazeiro do Norte. Tenho muito
respeito e muito carinho por ele. Grande Daniel!!!”,
Gilmar de Carvalho, professor, pesquisador e escritor
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