FÉRIAS NA SERRA DO ARARIPE
Era 5 horas da tarde, lusco-fusco,
o sol procurava o horizonte para se
recolher enquanto a lua se preparava para viver a noite, o jipe azul ano 1964 parou defronte da grande casa
de parapeito alto, as crianças desceram correndo, a prima Helena já se encontrava na
porta à espera de “meu padrinho e minha madrinha”, como sempre os chamava, os
cachorros abanando os rabos faziam a festa e mais de 10 moradores , uns com os
cabos das suas facas-peixeiras à mostra ,
outros alisando as sua lazarina observavam o desembarque, era a chegada da
família citadina em gozo de férias escolares .
No veículo, dois adultos e uma criança nos bancos da frente ,
05 crianças atrás com idades variando de 08 a 16 aos, quase todas filhos, aqui
e acolá um vizinho quase irmão, quase filho de consideração, eram assim os
vizinhos nos pretéritos tempos.
Carga completa, viagem longa , mais de 100 quilômetros de estrada de
barro , muitos buracos e muita poeira, duas paradas, a primeira, no posto do Exu, para abastecer o carro de gasolina na única bomba a manivela e encher as barrigas das crianças e dos
adultos com pão, café, doce de leite e
queijo de manteiga , a outra, uma parada de cortesia, estrategicamente
programada e esperada por todos, logo na
entrada da estrada vicinal de um pequeno vilarejo habitado praticamente por membros
da família , uma pausa para a valorização dos amigos e dos parentes , que aos poucos iam
se aprochegando para desejar boas vindas
, uns para pedir a benção , outros para abençoar e servir aquele belo e
esperado saboroso café , grãos arábicos torrados no tacho, regado a beiju de forno, manteiga de garrafa
e o inesquecível queijo coalho na brasa.
Trinta minutos depois, chegava o
caminhão Chevrolet 66 , neste, aboletados na boléia , com o velho motorista seu Chico Pié, alguns funcionários e os filhos
mais velhos, na carroceria , tonéis de gasolina cada um com 200 litros , diversas
malas, bolsas e sacos cheios de redes, lençóis, tolhas e roupas de frios,
alguns sacos de cereais, latas de biscoitos, sacos de pães, fardos de rapadura
, sacos de açúcar e de sal grosso, sabão em pedra, anil, fósforos ,
sabonetes para as meninas, cocos secos, dois centos de pequis comprados
nos pequizeiros , cordas, arupembas de
palha e de arame, cestas, fardos de paneiros para as prensas nas
farinhadas, enxadas tupy, sendo algumas delas meias lua,
enxadecos, cavadores sem cabos , dois pés de bode, grampos para
arame farpados, do grande e do pequeno, facões colinos, meia dúzia de
foice, roçadeiras bem afiadas , feitas de molas de caminhão,
ciscadores, espingardas soca-soca, quilos de pólvoras da preta e sacos de
chumbos de diversos calibres, caixas de espoletas , algumas para espingarda de cartucho, caixas de
cartuchos da praça calibre 36 , cada uma com 100 unidades, café em grãos,
crus e torrados , pacotes de café pisados
oriundos da cidade do Crato, latas de óleo salada, doces de goiaba e de banana,
muito apreciadas pelo chefe da casa, duas ou três latas de biscoitos sortidos e
cream craker pilar, latas de querosene jacaré cada uma com 20 litros,
algumas bolas de arame farpado do grosso e do fino, fardos de fumo de
rolo, da marca Arapiraca , caixas de papeis fino para cigarro , cada
caixa com 10 pacotes de mil folhas 4 por 8 cms, que eram vendidos aos fumantes em pacotinhos
com 100 unidades, todos branquinhos separados por uma folha azul claro , muitos
sacos de algodão vazios para ensacar farinha para a próxima viagem, rolos
de cordão para costura , agulhas de fardos, sem contar com caixas de cibalena,
cibazol, melhoral, sonrisal, mercúrio cromo , pomada terramicina , pomada de
penicilina, quilos de pimenta do reino, cominho, cebola roxa, erva
doce , três tranças de alho do grande,
que ficavam penduradas em pregos na parede da dispensa , 05 quilos de pedra
hume para clarear a potável água barrenta, decantando as suas impurezas sólidas
para o fundo do pote, produzindo uma
lama escura constituída de girinos, insetos variados, ferro, lodos e outras
matérias , litros de creolina, quilos de enxofre, pomadas calminex
da grande para as bicheiras e os machucados dos animais, tudo isso coberto por
uma grande grossa lona encerada de cor amarela, que quando chovia formava uma
poça d´agua sobre a carga e não caia uma única gota nas mercadorias, salvo, quando um dos passageiros devido o frio
mergulhava por debaixo, deixando apenas
o cocorote de fora, uma verdadeira viagem.
Era festa para as crianças por três meses e trabalho para os adultos,
apesar de não se levar brinquedos, estes faziam partes da natureza, faziam
parte do ecossistema, faziam parte do bioma , eram eles o sol, o vento, a lua ,
as estrelas, as nuvens, os relâmpagos, os trovões, as chuvas, os redemoinhos,
as poeiras , os sapos, os maracujás bravos, as lagartixas, os calangos, as
borboletas, os imbuas, as joaninhas, os grilos soldadinhos de diversas cores
para serem encangados, os verdes
gafanhotos, os besouros, os burregos, os bezerros, os potros, os cachorros , os
gatos, as outras crianças que eram muitas e os adultos que vinham ou passavam
no terreiro com os seus “BONDIAS” , tudo
regados com os pássaros, as cobras, muitas
vezes cascavéis, cavalos de paus feitos
de cabos de vassouras , os umbuzeiros, as canafistas e tudo quanto pudesse
alegrar uma criança, como a plantação de favas, feijão, andú, milho, a pega de
guinés, passeio de bicicletas, de animais apenas na manta para
serem utilizados nas brincadeiras como
se fossem índios.
A natureza era viva , apesar das armadilhas , dos mundés, dos fojos , das arapucas e das baladeiras
artesanais, feitas no capricho, com os
seus cabos de madeiras recobertos por ligas de borrachas pretas e a sua atiradeira de couro, tudo para o abate de caças menores , com
balas esféricas de barros amarelo-laranja, feitas e secadas à mão nas beiradas
dos barreiros, herança dos ancestrais da mama África.
As zoonoses faziam parte deste universo , não havia distinção entres os três reinos da natureza , nem entre os racionais e irracionais, todos eram integrantes da divertida e empolgante vida, o importante era viver.
As zoonoses faziam parte deste universo , não havia distinção entres os três reinos da natureza , nem entre os racionais e irracionais, todos eram integrantes da divertida e empolgante vida, o importante era viver.
Enquanto descarregavam a carga para o armazém colado à grande casa,
ficavam os barris de gasolina para o final,
os tonéis com o combustível , numa arriscada manobra eram descarregados um por um , jogando-os e rolando-os da carroceria sobre
grandes pneus sem câmaras de ar, que
ficavam no solo para amortecerem as quedas, o jipe era colocado na garagem com
muitas manobras, pois nas laterais ficavam enfileirados os ditos vasilhames de
gasolina, para consumo próprio e para a
comercialização a granel junto a todos do arrebol, num raio de 20 quilômetros.
A matriarca ia para a cozinha preparar o jantar, como primeira
ajudante a sobrinha Helena, por sinal,
muito bonita apesar dos maus tratos da lida diária no campo , a outra, era
dona Maria Passarim, esposa de
Véi Joaquim, velha dos seus 70anos , saias rodadas e fofas , sempre com mais de
uma, como casca de cebola uma por cima
da outra , lenço enrolado na cabeça, pele grossa, enrugada e maltratada pelo escaldante sol
, grandes pterígios em ambos os olhos complicados
pelo tracoma, todavia muito disposta, as
crianças corriam para olhar e conferir a quantidade de água armazenada nos dois barreiros nas ultimas chuvas. Antonio Passarim, filho de dona Maria e os
primos bem menores , alguns eram filhos da prima Helena, acompanhavam dando as coordenadas e as
novidades dos quatros meses de ausência dos donos mirins da casa.
Chega a hora do jantar, arroz
ainda enfumaçando, galinha caipira cozida na hora , muito gostosa por sinal, farofa
de banha de porco com nacos de toicim crocantes , lascas de queijos, pão de
milho e depois café de coador com tapioca e ovo estrelado, o rádio a pilha
sintonizado na Sociedade da Bahia ou na Tupy de São Paulo animava o
ambiente, terminado este manjá, era hora
de retirar as redes dos sacos, cada um com a sua procurando o melhor armador,
uns nos quartos de meia parede , outras na sala do grande purrão d’água, assentado num pé de pote vazado e com um
barro preto sempre úmido, para deixá-la refrescante e saborosa , sem esquecer o porta
copos e canecos, feito de madeira, as ultimas redes sempre as ultimas, ninguém
queria , eram armadas na sala da frente bem defronte das frestas das
janelas, por onde passava de madrugada, o ar frio e encanado , que os finos lençóis
carimbados com os nomes das usinas de açucar,
de nada serviam. Primeiro se procuravam as cordas , os meninos maiores
davam os esperados nós de porco nos punhos de cada uma, o meu irmão João, era o maior especialista no assunto,
armavam-se as redes uma ao lado da outra, em cada uma, um pequeno lençol feito de sacos de açúcar,
lavado com sabão em pedra pavão e clareado com anil, estavam prontos os leitos
noturnos.
Abria-se a porta da frente, sentavam-se na alta e fria calçada de
cimento bem na quina, era um verdadeiro batentão de fora a fora, de onde se
avistava um grande pé de umbu, a casa de Helena, a de dona Maria Passarim ,
dois grandes pés de cedro , a estrada que ia para a central e a desembocadura
do grande barreiro, que durante o dia , de vez em quando, pelo lado direito , tangenciando a casa de seu
Joaquim e dona Maria Passarim, chegava
um senhor branco, barba por tirar, com um surrado chapéu de palha e montado no seu jeguinho, animal que jamais aceitou
outro humano no seu dorso ou na garupa, cabresto de corda de croá, sem sela, no
seco, só na puída manta de algodão, não sei porque, muitas vezes de roupas
rasgadas, alpercatas velhas e que só enxergava por um olho, dizem que um
graveto furou o olho direito, era um proprietário rural e o maior criador de
porcos que conheci, seus porcos chegavam a pesar 250 quilos, era o irmão do
dono da Serra, era o Tio Ontõe.
Olhar para o céu era o entretenimento, a noite era curta, a lua cheia
com São Jorge e o seu cavalo encravado no meio, clareava o terreiro, na sua ausência, eram as distantes constelações celestes , com as pequenas e longínquas estrelas as luzes da vez, o cruzeiro do Sul,
as três Marias, a estrela Dalva e muitas outras enfeitando o escuro azul do
céu, não poderia contá-las devido o risco de no outro dia as mãos amanhecerem
cheias de verrugas.
A lua surgia cedo , numa carreira macia e constante cruzava o céu sempre a nos seguir , sem contar com as
grandes e andantes nuvens, algumas muito brancas, outras acinzentadas formando
imagens de carneiros, bois, castelos, mapas, bolas, perfis de caras e muitos
outros objetos.
O vento frio açoitava lentamente a tez de cada um, era fim de novembro e
começo de Dezembro, os sapos coaxavam nos barreiros e nas poças das estradas, os
cachorros latiam acuados com alguns
desavisados pebas , tatus ou gambás, os caseiros e moradores que labutavam meia vinham trazer as ultimas novidades, as
noticias, os nascimentos, os casamentos, as mortes e tudo quanto era
necessário, sempre regado a um bom e
forte café.
A noite se aprofundava , a lua atravessava a linha imaginaria por cima
das nossas cabeças no oitão do velho casarão,
as estrelas ficavam mais visíveis, era hora de dormir, cada um na sua rede, antes
era obrigatório esvaziar a bexiga por trás da casa junto a um pequeno matagal
ou touceiras de bananas, lavavam-se os pés e se bebiam um chá hipnotizante,
bebida amarela e muito doce, feita da erva capim santo ou erva cidreira fresca , colhida do pé
da parede da grande casa, escovavam-se os dentes e tibungavam nas suas já
armadas redes, a noite era curta, longas eram as conversas entres os irmãos , até
a hora em que se escutava a voz da mãe através da meia parede, mandando se
calarem e que fossem dormir, os que dormiam na sala da frente conferiam as pesadas tramelas de madeira,
tampavam as frestas das janelas com panos,
impedindo a passagem do frio vento da madrugada , no meio da noite era
comum ouvir o grito das corujas, dos rasgas mortalhas, o coaxar dos sapos , das
rãs e o canto dos milhares de grilos , era assim o primeiro dia de férias ,
férias estas que se prolongavam por mais de 90 dias num grande paraíso chamado Serra do Araripe.
Só quem teve esta felicidade ,
sabe o que é um dia de férias em cima daquela Chapada, chapada esta que
funciona como o maior elo entre os dois países , Ceará -Pernambucano, os unindo
para a eternidade.
Um dia ainda serei criança, um dia ainda reviverei cada momento vivido naquele
pedaço do mundo, a minha queria Serra do Araripe.
Chapada minha chapada, minha querida terra e torrão, me
espere, ainda nos veremos, ainda dormiremos juntos.
Iderval Reginaldo Tenório
Salvador,2011/junho/23
Serra do Araripe Dr Iderval Reginaldo Tenório - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=dNaIsP1ju08
9 de fev de 2016 - Vídeo enviado por IDERVAL REGINALDO TENÓRIO Tenorio
Reginaldo Tenorio lhe enviou um arquivo de vídeo.Serra do Araripe Dr Iderval - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=w5gI3IChINM
8 de fev de 2016 - Vídeo enviado por IDERVAL REGINALDO TENÓRIO Tenorio
Serra do Araripe Dr Iderval. IDERVAL REGINALDO TENÓRIO Tenorio ... Dr. Giovane Guedes ...Serra do Araripe Dr Iderval - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=VbPG8wlkGa8
8 de fev de 2016 - Vídeo enviado por IDERVAL REGINALDO TENÓRIO Tenorio
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https://www.youtube.com/watch?v=O3QRkz4N3t0
8 de fev de 2016 - Vídeo enviado por IDERVAL REGINALDO TENÓRIO Tenorio
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https://www.youtube.com/watch?v=kmm2aB7RCZw
8 de fev de 2016 - Vídeo enviado por IDERVAL REGINALDO TENÓRIO Tenorio