Querido leitor deste blog cultural, não consigo ficar calado diante de tão fidedigna narrativa do Patativa do Assaré em 1932,quando mostra a importância de um filho, a insignificância de um ser humano, a fragilidade de um homem, a maldade de um explorador, o abandono de um povo ,o fechamento dos olhos daqueles que deviriam cuidar, o descaso de quem não vive e não conhece aquela desvivida vida , a desigualdade social entre um mesmo povo e a grande pergunta: Como exigir que cada cidadão independente do nível sócio-econômico-cultural conheça a Constituição Federal se os direitos são desiguais,secularmente desiguais.
Algumas Estrofes de A Morte de Nana de Patativa do Assaré.
Veja como descreve na primeira estrofe a sua NANÃ, sinta o valor atribuído a NANÃ, sofra o que sofre este Pai na hora do enche bucho, quando NANÃ via o Angu. ,se contamine e transporte esta cena para os dias de hoje, viva os movimentos da boca, a palidez do rosto, o encatracado movimento das mãos, os balbuciar do sofrimento, o fechamento dos olhos e a libertação da fome com o pior: A MORTE DA FILHA NANÃ.
Todos os dirigentes atuais conhecem o recado do Patativa e nada de novo acontece. Eu sou do Ceará.
Iderval Reginaldo Tenório
Quero a sua opinião
A Morte de Nanã
Patativa do Assaré.
A Morte de Nanã
Eu vou contá uma históra
Que eu não sei como comece,
Pruque meu coração chora,
A dô no meu peito cresce,
Omenta o meu sofrimento
E fico uvindo o lamento
De minha arma dilurida,
Pois é bem triste a sentença,
De quem perdeu na insistença
O que mais amou na vida.
Já tou véio, acabrunhado,
Mas inriba deste chão,
Fui o mais afurtunado
De todos fios de Adão.
Dentro da minha pobreza,
Eu tinha grande riqueza:
Era uma querida fia,
Porem morreu muito nova.
Foi sacudida na cova
Com seis ano e doze dia.
Morreu na sua inocença
Aquele anjo incantadô,
Que foi na sua insistença,
A cura da minha dô
E a vida do meu vivê.
Eu beijava, com prazê,
Todo dia demenhã,
Sua face pura e bela.
Era Ana o nome dela,
Mas eu chamava Nanã.
Nanã tinha mais primo
De que as mais bonita jóia,
Mais linda do que as fulo
De um tá de Jardim de Tróia
Que fala o dotô Conrado.
Seu cabelo cachiado,
Preto da cô de viludo.
Nanã era meu tesôro,
Meu diamante, meu ôro,
Meu anjo, meu céu, meu tudo.
Pelo terrêro corria,
Sempre sirrindo e cantando,
Era lutrida e sadia,
Pois, mesmo se alimentando
Com feijão, mio e farinha,
Era gorda, bem gordinha
Minha querida Nanã,
Tão gorda que reluzia.
O seu corpo parecia
Uma banana maçã.
Todo dia, todo dia,
Quando eu vortava da roça,
Na mais compreta alegria,
Dentro da minha paioça
Minha Nanã eu achava.
Por isso, eu não invejava
Riqueza nem posição
Dos grande deste país,
Pois eu era o mais feliz
De todos fio de Adão.
Mas, neste mundo de Cristo,
Pobre não pode gozá.
Eu, quando me lembro disto,
Dá vontade de chorá.
Quando há seca no sertão,
Ao pobre farta feijão,
Farinha, mio e arrôis.
Foi isso que aconteceu:
A minha fia morreu,
Na seca de trinta e dois.
Vendo que não tinha inverno,
O meu patrão, um tirano,
Sem temê Deus nem o inferno,
Me dexou no desengano,
Sem nada mais me arranjá.
Teve que se alimentá,
Minha querida Nanã,
No mais penoso martrato,
Comendo caça do mato
E goma de mucunã.
E com as braba comida,
Aquela pobre inocente
Foi mudando a sua vida,
Foi ficando deferente.
Não sirria nem brincava,
Bem pôco se alimentava
E inquanto a sua gordura
No corpo diminuía,
No meu coração crescia
A minha grande tortura.
Quando ela via o angu,
Todo dia demenhã,
Ou mesmo o rôxo beju
Da goma da mucunã,
Sem a comida querê,
Oiava pro dicumê,
Depois oiava pra mim
E o meu coração doía,
Quando Nanã me dizia:
Papai, ô comida ruim!
Se passava o dia intero
E a coitada não comia,
Não brincava no terrêro
Nem cantava de alegria,
Pois a farta de alimento
Acaba o contentamento,
Tudo destrói e consome.
Não saía da tipóia
A minha adorada jóia,
Infraquecida de fome.
Daqueles óio tão lindo
Eu via a luz se apagando
E tudo diminuindo.
Quando eu tava reparando
Os oinho da criança,
Vinha na minha lembrança
Um candiêro vazio
Com uma tochinha acesa
Representando a tristeza
Bem na ponta do pavio.
E, numa noite de agosto,
Noite escura e sem luá,
Eu vi crescê meu desgosto,
Eu vi crescê meu pená.
Naquela noite, a criança
Se achava sem esperança.
E quando vêi o rompê
Da linda e risonha orora,
Fartava bem pôcas hora
Pra minha Nanã morrê.