DOTÔ ME CONHECE?
Patativa do Assaré
GRANDE POETA DO CEARÁ
DA CIDADE DO ASSARÉ
Representando o povo sofredor, enviou esta carta em forma de poesia para o Prefeito, o Governador e o Presidente da República pedindo socorro.
Seu dotô só me parece
Que o sinhô não me conhece
Nunca soube quem sou eu
Nunca viu minha paioça
Minha muié, minha roça
E nem os fios que Deus me deu
Seu dotô só me parece
Que o sinhô não me conhece
Nunca soube quem sou eu
Nunca viu minha paioça
Minha muié, minha roça
E nem os fios que Deus me deu
Se não sabe escute agora
Que eu vou conta minha istora
Tenha a bondade de ouvi
Eu sou da crasse matuta
Da crasse que não disfruta
Das riqueza do Brasi
Sou aquele que conhece
As privação que padece
O mais pobre camponês
Tenho passado na vida
De quatro meis em siguida
Sem cumê carne uma vez
Sou o que durante a semana
Cumprindo a sina tirana
Da grande labutação
Pra sustentá a famia
Só tem direito a dois dia
E o resto é do patrão
Sou o que no tempo da guerra
Contra o gosto se desterra
Para nunca mais vortá
E vai morrê nos estrangero
Como pobre brasilero
Longe do torrão natá
Sou o sertanejo que cansa
De votá com esperança
Do Brasil fica mió
Mas o Brasí continua
Na cantiga da piruá
Que é pió, pió, pió
Sou o mendigo sem sussego
Que por não achá imprego
Se vê forçado a siguí
Sem dereção e sem norte
Envergonhado da sorte
De porta em porta a pidi
Sou aquele disgraçado
Que nos ano atravessado
Vai batê no Maranhão
Sujeito a todo martrato
Bicho de pé, carrapato
E os ataque da sezão
Seu dotô não se infade
Vá guardando esta verdade
Na memória e pode crê
Que eu sô aquele operáro
Que ganha o pobre saláro
Que não dá nem pra comê
Sou ele todo, em carne e osso
Munta vez não tenho armoço
Nem também o que jantá
Eu sou aquele rocero
Sem camisa e sem dinhero
Cantado por Juvená
Sim, por Juvená Galeno
O poeta, aquele gêno
O maió dos cantadô
Aquele coração nobre
Que minha vida de pobre
Munto sentido cantou
Há mais de cem ano eu vivo
Nesta vida de cativo
E a potreção não chegou
Sofro munto e corro estreito
Inda tou do mermo jeito
Que Juvená me deixou
Sofrendo a merma sentença
Tô quage perdendo a crença
E pra ninguém se inganá
Vou dexá meu nome aqui
Eu sou fio do Brasí
E o meu nome é Ceará.
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