Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei Luiz.
Um fenômeno da Natureza
O Nordeste, os costumes e os seus paradigmas.
Zé Dantas, Luiz Gonzaga e Samarica Parteira, uma viagem à ancestralidade Nordestina.
Quem
na Caatinga nasceu, cresceu e arribou para outras plagas
em busca de melhores dias, conhece muito bem os sertões e os seus
mistérios.
José
de Souza Dantas Filho, conhecido como Zé Dantas, nasceu em 1921, na
cidade de Carnaíba, Pernambuco e faleceu em 1962, aos 41 anos de idade.
Considerado um dos
principais compositores deste país, um dos alavancadores do
Rei Luiz Gonzaga e que maestralmente documentou os costumes dos sertões .
Registrou o afloramento dos hormônios sexuais na adolescência do ser
humano, em Xote das meninas; a lida diária do povo sofrido; e o nascimento de nobres e de
desconhecidos nordestinos em Samarica parteira.
Registrou a hierarquia pétrea dos homens
rústicos, o Vale do Pajeú, o Vale do rio Riacho e do
Navio perpetuando os episódios peculiares aos catingueiros do Brasil.
Na
região do Pajeú, nos sertões pernambucanos, os seus pais eram
considerados ricos. Eram pecuaristas e agricultores, tinham influências políticas, inclusive o seu pai foi
prefeito da cidade de Flores, município do qual, o distrito de Carnaíba se desgarrou, elevado-se a cidade em 1953. Nesta época o Zé
estava com 32 anos de idade, residia no Rio de Janeiro e trabalhava no Hospital do IPASE, onde chegou a ser Vice-Diretor da Maternidade.
No
ano de 1936, aos 15 anos de idade, foi morar no Recife para cursar Medicina. Era considerado um jovem culto, estudioso do folclore, dos problemas
ambientais, humanos, sociais e dos costumes regionais. Tanto que em
1937, aos 16 anos, escrevia sobre os costumes e as coisas do sertão. As suas crônicas eram publicadas nos jornais da escola, em
periódicos regionais e da capital pernambucana.
Em
1947, quando o Rei Luiz Gonzaga, já famoso, iria realizar diversas
apresentações no Recife, o Zé foi até o hotel onde se hospedava e conseguiu mostrar-lhe algumas de suas composições.
O visionário
sanfoneiro gostou e não deu outra, gravou duas que se transformaram em
pérolas do cancioneiro brasileiro: “O forró de Mané Vito” e “Vem
morena”, que estrondaram no Sul e depois em todo o território nacional, ali
nascia uma profícua parceria com o Rei do Baião.
Em
resposta à pérola "Asa Branca", de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga,
gravada em 1945, considerada o hino do Nordeste, que documentava a
seca, o êxodo rural, o sofrimento e o anonimato dos homens do
campo, Zé Dantas apresentou ao Rei Luiz a “Volta da Asa
Branca”, gravada em 1950.
Em, A Volta da Asa Branca, o Zé documenta o retorno do nordestino aos
primeiros lampejos de chuva.
A música mostra a alegria, o orgulho de ser
do Nordeste, a vontade de voltar ao seu torrão e ao seu povo, é
uma injeção de valorização e autoestima. Afirma e reafirma, que basta
chover para o sertão virar riachos, barreiros, lagoas, açúdes, mar,
pomar, fartura, vida, casamentos e novos rebentos. O cinza muda para o verde, os pássaros
cantam, os sapos coaxam, os homens renascem e realizam os seus sonhos. É sublime quando tem certeza da fartura e afirma sem ter medo de errar:
" E se a safra não atrapaiá meus planos, que quer há senhor vigáro, vou casar no fim do ano"
“A
Volta da Asa Branca”, de Zé Dantas, é considerada, tal qual a “Asa
Branca”, mais um hino do Nordeste, porém repleto de autoestima, felicidade e
fidelidade. Traz alegria, esperança, prosperidade,
expectativas, sonhos e o nascimento de milhares de nordestinos.
Em
1949, aos 28 anos, o filho de Carnaíba colou grau em Medicina em Recife-Pe; em 1950 migrou para o
Rio de Janeiro para fazer residência em Ginecologia e Obstetrícia.
Na capital do país aproximou-se mais ainda de Luiz Gonzaga e de Humberto
Teixeira, a ponto de apresentarem um programa radiofônico, no qual
o trio contava e cantava coisas do Nordeste.
Segundo
Luiz Gonzaga, o Zé Dantas se instruiu com esmero e virou Doutor da
Medicina, porém não despregou os pés da caatinga. Mesmo com todo o
polimento educacional, continuou com a autenticidade do Vale do Pajeú.
O
homem era um trovão, um caipira, um capiau, um rupestre,
um grande médico repleto de sabedorias e experiências de vida.
Sabia escrever, compor, cantar e contar causos como também tudo de sua especialidade
médica: Cuidar da saúde das mulheres e da família brasileira.
"O homem ainda cheirava a bode apesar de ser médico e morar na capital do país, o homem era autêncitico, trazia dentro de si o cheiro, a voz e os costumes do Pajeú." Palavras do Luiz Gonzaga
Zé
Dantas era uma enciclopédia nordestina mesclada nas ciências humanas,
sociais, psicológicas, antropológica e geopolítica. Era um ser humano do
mais alto quilate, era de extrema sinceridade e leal à suas raízes.
Luiz
Gonzaga conta que um dia Zé Dantas apareceu com duas composições
musicais. A primeira, uma peça científica que versava sobre a transição
feminina da adolescência para a fase adulta; falava dos desejos
femininos com o desabrochar dos hormônios sexuais e que a batizou com o
nome de “Xote das Meninas”, a segunda, batizada de “Samarica
Parteira”, gravada em 1973, onze
anos após a sua morte, documentava os encantos, os segredos, as
práticas e as
crenças na realização dos partos nos mais longínquos grotões brasileiros.
Frisava os mistérios, os costumes e as diligências aplicadas por
mulheres parteiras, verdadeiras lendas, num dos momentos mais sublime da vida, lendas
estas que durante toda a vida, o nordestino as transformavam na segunda mãe, tal era a gratidão de vir ao mundo por suas mãos. Milhares eram as mães Samaricas por estes sertões governandos por coronéis e abandonados pelo Estado: Mãe Manuela, mãe Maria, mãe Totonha, mãe Nenzinha, mãe Francisca, mãe Zefinha, mãe Dodó e outras milhares de mães. Ainda hoje chamo a minha parteira de mãe Manoela, que me trouxe ao mundo, numa noite chuvosa, em 1954 no topo da Chapada do Araripe.
No
“Xote das Meninas” Zé Dantas aplica os conhecimentos fisiológicos e
psíquicos; relata as metamorfoses e os desejos na formação de uma mulher,
depois de ensopadas pelos hormônios estrógeno e
progesterona.
Em “Samarica parteira”, descreve as diligências, os
costumes, as crenças e o papel de cada ser no universo da caatinga,
dos coronéis às parteiras, perpassando pelos diversos tipos de
ajudantes; dá voz aos animais e ao solo, com destaque aos sons das
cancelas( paaaà, paaaaà ao bater no mourão), dos lajedos (teteque-totoque, teteque-totoque, piririco-ticotico, piririco-ticotico, patataco-pataco ao serem pisados pelos cascos dos animais ) e às vozes dos sapos nas lagoas e riachos ( quage qui cae).
No seu relato registra a
geografia, a história, as congratulações e as interações de um povo
com a terra, os animais, as águas, o sexo e as tradições, até mesmo os costumes dos animais:
" Lula o meu cavalim é magro e sua égua é gorda, eu vou na frente" Samarica.
" Pra gente não chegá hoje, já viu cavalo andar na frente de égua, Samarica". Gonzaga
Zé
Dantas nada mais fez do que documentar, letra por letra, ponto por
ponto, o falar, o viver e o comportar dos verdadeiros catingueiros autóctones do País. Foi sublime na documentação, no recado e na autenticidade de um
povo.
O Zé foi o Zé de corpo e alma. Ressuscitou os
ancestrais cariris, tapuias e tupiniquins. Trouxe à baila o trabalho de
parto e as heranças dos indígenas brasileiros, nossos ancestrais. Foi
assim que todos os catingueiros nasceram, inclusive o fenomenal médico compositor.
Zé
Dantas mostrou que os sertanejos são frutos das secas e das chuvas; das alegrias e
das tristezas; dos ventos e das calmarias; da lua prateada e do sol
causticante; das terras e dos céus, são todos componentes de um
rebanho de esperanças; são verdadeiras Asas brancas.
São todos Zés, Luízes, Humbertos e sertão, são retirantes sobreviventes, são gentes nordestinas, geneticamente oriundos dos cariris, tapuias, pataxós, potiguares, xucurus, tupinambás e
coremas, são frutos da terra.
São gemas brasileiras e brasileiros da gema.
Salvador, 25 de novembro de 2024
Iderval Reginaldo Tenório
1-
"Assim fala o pobre do seco nordeste, com medo da peste e da fome feroz"
Antônio Gonçalves, o PATATIVA DO ASSARÉ em A Triste Partida, gravada em 1964. 19 estrofes, cada uma com 8 versos, cantada em 08 minutos e 51 segundos. Segundo o prórpio Luiz, a mais importante múscia de sua trajetória.
2-
Que braseiro, que fornalha
Nem um pé de plantação
Por falta d'água, perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse: Adeus, Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe, muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim voltar pro meu sertão
Humberto Teixeira, em ASA BRANCA, 1947
3-
"Já faz três noites
Que pro norte relampeia
A asa branca
Ouvindo o ronco do trovão
Já bateu asas
E voltou pro meu sertão
Ai, ai eu vou me embora
Vou cuidar da plantação
A seca fez eu desertar da minha terra
Mas felizmente Deus agora se alembrou
De mandar chuva
Pra esse sertão sofredor
Sertão das muié séria
Dos homes trabaiador"
José de Souza Dantas, em A VOLTA DA ASA BRANCA, 1950
4-
"De tardezinha quando eu venho pela estrada
A filharada tá todinha a me esperar
São dez filhinho é muito pouco é quase nada
Mas não tem outros mais bonitos no lugar
Vai boiadeiro, que o dia já vem
Levo o teu gado e vai pensando no teu bem.
E quando eu chego na cancela da morada
Minha Rosinha vem correndo me abraçar
É pequenina é miudinha é quase nada
Mas não tem outra mais bonita no luga"
Klécius Caldas / Armando Cavalcante, em Boiadeiro gravada em 1950
- Sabiá
- O Xote das Meninas
- Riacho do Navio
- Vozes da Seca
- Forró de Caruaru
- A Dança da Moda
- Samarica Parteira
- O forró de Mané Vito
- A Volta da Asa Branca
- Vem
morena e outras do mesmo quilate.
Luiz Gonzaga, Miguel Lima, Humberto Teixeira, José Dantas, Patativa do Assaré, José Marcolino, Onildo Almeida, João Silva e outros gênios do cancioneiro brasileiro.
Escutem esta pérola sociologica