'Chuva atípica' se repete há séculos no RJ; conheça histórias e imagens de grandes temporais
Há relatos históricos com centenas de anos: de cartas de José de Anchieta a obras de Machado de Assis. No século 20, há registros e fotos; em 1966, 250 pessoas morreram.
Por Felipe Grandin, G1 Rio
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Homens em casa destruída pela enchente em 1911 — Foto: Careta/Acervo da Biblioteca Nacional
Ao comentar a enchente de segunda-feira (8), que deixou 10 mortos no Rio, o prefeito Marcelo Crivella afirmou:
"Essa é uma chuva completamente atípica". Mas a história mostra que os
temporais - e a destruição que causam na cidade - fazem parte do
cotidiano há séculos.
Em 1575, apenas dez anos depois da fundação da cidade de São Sebastião,
o padre José de Anchieta escreveu uma carta para outro jesuíta contando
sobre a força das chuvas em terras cariocas: “[...] choveu tanto que se
encheu e rebentaram as fontes [...]”.
O relato é um dos vários compilados pela historiadora Andréa Casa Nova
Maia em um artigo publicado na Revista da Fundação Casa de Rui Barbosa¹.
Eles mostram que as enchentes, e seus problemas, são praticamente tão
antigas quanto a cidade do Rio de Janeiro.
Uma das enchentes mais emblemáticas ocorreu em fevereiro de 1811 e
ficou conhecida como "Águas do Monte". As chuvas destruíram parte do
morro do Castelo, onde nasceu a cidade do Rio, levando casas e deixando
vítimas.
O caso foi alvo de um inquérito determinado por D. João VI. A conclusão
parece a mesma repetida por prefeitos, autoridades e especialistas até
hoje: "falta de conservação das valas e drenos pelos entulhos e lixos e
demais imundícies lançados nelas”.
O escritor Machado de Assis citou mais de uma vez as "Águas do Monte" e
também outras enchentes em suas crônicas:
"Se remontares ainda uns 60 anos, terás o dilúvio de 1756, que uniu a cidade ao mar e durou três longos dias de 24 horas. Mais que em 1811, as canoas serviram aos habitantes, e o perigo ensinou a estes a navegação".
"Se remontares ainda uns 60 anos, terás o dilúvio de 1756, que uniu a cidade ao mar e durou três longos dias de 24 horas. Mais que em 1811, as canoas serviram aos habitantes, e o perigo ensinou a estes a navegação".
Parte do problema pode ser explicado pela geografia da cidade. O Rio foi fundado em faixas estreitas de terra, com pântanos, mangues e lagoas, apertadas entre morros rochosos e o mar.
Outra parte é explicada pela ação do homem. Ao longo dos anos, a
ocupação desordenada feita com aterros provisórios, vias mal planejadas e
esgotamento precário não ajudou a melhorar a situação.
O problema fica pior quando combinado com a falta de conservação, por
parte do poder público, e de educação, por parte dos moradores. Como em
1811, no Morro do Castelo.
Houve episódios de fortes tempestades - com enchentes e deslizamentos -
também em 1711, 1756, 1779, 1803, 1833, 1862, 1864... A frequência dos
temporais levou Machado de Assis a escrever no fim do século 19: "Não
esperes ouvir de mim senão que foi e vai querendo ser o maior de todos
os dilúvios".
Século 20
Depois de 1900, as enchentes mantiveram o ritmo. Há episódios notórios
registrados por jornais e revistas em 1906, 1911 e 1928. Agora, já com
fotografias.
Imagem da enchente de 1911 no Centro do Rio de Janeiro — Foto: Careta/Acervo da Biblioteca Nacional
A maior de todas chegou em 1966, quando 250 pessoas morreram e mais de
50 mil ficaram desabrigados. As chuvas transbordaram rios, alagaram a
cidade durante cinco dias de temporal.
Assim como nas chuvas mais recentes, o Jardim Botânico foi um dos
bairros mais atingidos. A chuva arrebentou as tubulações que drenavam as
águas do rio dos Macacos, e várias casas foram destruídas.
Carros são cobertos por água na enchente de 1966 — Foto: Reprodução
No ano seguinte, o deslizamento de uma encosta causado pela chuva
destruiu uma casa e dois prédios, causando a morte de 119 pessoas no
cruzamento entre as ruas Belisário Távora e General Glicério, em
Laranjeiras, Zona Sul do Rio.
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Deslizamento deixou 119 mortos em Laranjeiras em 1967 — Foto: Agência Globo
Em 1988, uma enchente deixou mais de 300 mortos em duas semanas no Rio. Alagou bairros inteiros e provocou o caos na capital.
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Homens buscam desaparecidos nos escombros deixados pela chuva durante enchente de 1988 — Foto: Reprodução
Em 1996, nova tragédia. As tempestades causaram deslizamentos e
alagamentos que mataram 200 pessoas e deixaram mais de 30 mil
desabrigados.
Tragédias recentes
As chuvas "atípicas" continuaram acontecendo após a virada do milênio.
Em 2010, a chuva provocou quase 100 mortes no Rio. No desabamento no
Morro do Bumba, em Niterói, 48 pessoas morreram e 3 mil ficaram
desabrigadas.
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Pior chuva dos últimos 44 anos causa estrados e dezenas de mortes no
começo do mês. O símbolo da tragédia na região é o deslizamento no Morro
do Bumba, em Niterói, em área onde casas foram construídas sobre um
antigo aterro sanitário — Foto: Carlos Ivan/Agência O Globo
Desastre na Região Serrana
Um ano depois, a maior tragédia climática do RJ deixava quase mil
mortos na Região Serrana. Deslizamentos e alagamentos mataram 918
pessoas e deixaram 30 mil desalojados, além de 99 desaparecidos, em
Friburgo, Teresópolis, Petrópolis e Sumidouro.
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Carros ficaram soterrados em deslizamento no Vale do Cuiabá, em
Itaipava, distrito de Petrópolis, na Região Serrana do Rio — Foto:
Matheus Quintal/ Prefeitura de Petrópolis
Mais recentemente, em fevereiro de 2019, 6 pessoas morreram também por causa das enchentes no Rio.
Na ocasião, o prefeito Marcelo Crivella afirmou que a extensão da
tragédia não era prevista: "Tempestade que não se via há tempos".
¹MAIA,
Andréa Casa Nova. Imagens de uma cidade submersa: o Rio de Janeiro e
suas enchentes na memória de escritores e fotógrafos. Revista Escritos,
Rio de Janeiro, v. 6, n. 6, p.247-274, 2012.
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