NA PENITENCIARIA
Outro dia ao visitar uma penitenciaria tipo colonia agrícola e dialogar com uma variedade de moradores,fiquei impressionado com a sabedoria de cada um e aqui publico um pequeno trecho que achei importante.
Eu defronte a um velho de barba branca,cabelos longos e rabo de cavalo,uma tatuagem de um dragão cuspindo fogo em ambos os deltóides,voz arrastada, pouca leitura , pele encolhida, olhos perdidos sem direção.
Depois de um bom pate papo,olhou para o mundo,mirou o infinito,lá onde o céu se encontra com a terra ou com o mar , com um cavador na mão,um bornal de carregar grampos e martelos escanchado no ombro , um pé de cabra para esticar arames ,mãos grossas,unhas com as pontas escuras,olhou para o sol fechando e abrindo os olhos devido a sua claridade, enxugou o suor que caia sobre a ressecada tez,falou com a sua rouca e entrecortada voz,quase gutural,fazendo careta com os músculos da face .
Pausadamente como encatracado deixa sair da banguela boca estas saudosistas palavras.
___DI QUI ADIANTA VIVER NUM MUNDO COMO ESSE,DE QUI ADIANTA?! O MUNDO PRA MIM NUM TEM SENTIDO,VIVO CÁ HÁ 46 ANOS,NUM TENHO MUÉ,NUM TENHO PAI,NUM TENHO MÃE,NÃO PISSUO FIOS E NEM AMIGOS,A VIDA É SÓ DRUMIR,ACORDAR, COMER,CAGAR ,CAVAR BURACO E INSTICAR ARAME, NUM TEM SENTIDO: DRUUUMO, ACOORDO, COOOMO, CAAAGO, CAVO BURAAACO E DISPOIS,DISPOIS VOU INSTICAR ARAME. NUM TEM SENTIDO.
Parou de balbuciar estas palavras,olhou para o sol a pino, coçou a cabeça,colocou o seu chapéu de palha,pôs o cordão por debaixo do queixo ,arregaçou as mangas da grossa camisa cinza do mais puro brim aberta até o umbigo e falou resmungando para si e para este interlocutor com pausas entre as palavras,fiquei boquiaberto com o seu fechamento:
___HUM!, QUI DUREZA!, AFE! QUI SÓLE QUENTE , JÁ COMÍ, JÁ CAGUEI, JÁ CAVEI MEUS BURACOS E AGORA MEU SINHOR ,VOU INSTICAR ARAME.
E com o tom da voz cada vez mais baixa foi falando,abaixando a voz e se afastando:
____VOU INSTICAR ARAME ,VOU INSTICAR ARAME .HUM! INTÉ MAIS.INTÉ.
Saiu à procura de arames farpados soltos e de estacas carcomidas pelos cupins ,estacas prestes a serem substituídas.
Indiferente e claudicante sumiu beirando a cerca,puxa aqui ,puxa alí,uma martelada ,um grampo que cai,um grampo que se perde,um resmungo,uma cusparada,uma estaca frouxa,mole quase caindo e lá se vai o velho cheio de desilusão acostumado com a vida recebida e agora em consumo. Come depois descome,cava buraco , estica arame, olha para o sol,enxuga a testa,bota a mão no bornal,dá uma martelada,,assoa o nariz,estica a coluna com as mãos nos quartos ,coça as nádegas e continua a deambulação.É a sua rotina ,é o cotidiano ,é a vida .
Salvador, 21 de abril de 1998
Iderval Reginaldo Tenório
2 comentários:
A bordo dessa nave terra tolos como eu..destino ignorado só cabe inventar um Deus...presidiário de si mesmo...herói sem medalhas sem direito a patrilha encurralado na própria armadilha...
Parabens! Dr.iderval..
Aldo Souza
Meu caro Iderval, este seu modo de escrever agrada.
Fala do seu povo, da sua gente, dos problemas da terra.
Em suma: é autêntico.
Grande abraço,
Jorge
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