Depois dos oitenta e ao enviuvar, seu Geremias
entrou numa fase difícil da vida. Após inúmeras visitas ao geriatra
e sempre na companhia de um dos filhos, passou a entender o que era
a senilidade, agora reforçada pela viuvez. Tinha que mudar de os hábitos e
dar um novo rumo à vida. Foi aconselhado a entrar em grupos de idosos,
clubes de danças e até em academias, a presença de pessoas diferentes e mais jovens
traria alegria à vida do velho solitário.
A vida tomou outro rumo, das academias o velho passou a estender o dia até o anoitecer, a utilizar as novas tecnologias incorporadas aos celulares e a ter mais compromissos
inadiáveis, dentre estes, toda uma tarde sem paradeiros, longe da família. Neste dia não
ia à academia, ao grupo de danças e nem tão pouco para a sagrada missa,
era uma tarde misteriosa, uma tarde incomunicável.
A extensão desta tarde, até o início da noite, começou a trazer preocupações
para os filhos. Para onde está indo o velho pai e com quem, o que o velho está
fazendo?. Irredutível seu Geremias não revelava para onde ia nestas misteriosas
tardes.
A família pediu ajuda a um serviço de detetives profissionais. Depois
de muitos dias de averiguações e rastreamentos, chega-se ao veredicto, o velho tem uma
namorada e se isola semanalmente em um dos motéis da cidade. Sempre
no mesmo estabelecimento e no mesmo quarto, trata-se de uma moça nova, loira,
muito bem penteada e que se disfarça com óculos grandes, escuros e de marcas caras. Com estes dados, a família aumenta o grau de preocupação.
Seria uma atiradeira, uma Maria gasolina, uma Maria rouba aposentados, uma
Maria mata velho? Os filhos programaram
um providencial flagrante, um flagrante para desmoralizar a farsante
que enganava o velho Geremias. Deduziam: é uma descompreendida, uma piriguete, uma pilantra, uma larapia,
uma meliante, uma engana velho, uma exploradora de senil e isto é crime.
Arma-se a arapuca.
Até que chegou o dia D. O detetive passa as
informações do encontro, revela a avenida, o endereço para onde o velho está indo.
No encalço do velho, parte a caravana composta de filhos, filhas e dois genros.
O sedan estaciona na portaria do motel, o velho contrata o apartamento. A loira
ao seu lado, toda silenciosa, lenço de seda na cabeça e batom vermelho. Neste dia, de roupa nova. Bem perfumada e
sempre calada, de diferente, um belo cachecol, era o aniversário do seu
amado Geremias.
A recepção fazia parte do esquema investigatório, o detetive articulou todo um
cerimonial. A família em peso ficaria no corredor e a filha mais velha
levaria um brinde oferecido ao mais assíduo freqüentador da casa, sempre no mesmo dia, na mesma hora e no mesmo
apartamento. Dado o flagrante, toda a família apareceria e
desmascararia a exploradora de idosos. Livrariam o velho deste sujo golpe, depois,
tomariam o rumo da mais próxima delegacia para ser lavrado uma queixa
contra a pilantra, contra a vivaldina que queria dá um golpe no senil
namorador.
Arapuca armada, o velho e a moça nos aposentos, a
família no corredor. A filha mais velha na porta, na mão o Estatuto do
idoso, silêncio de clausura, o velho é comunicado, pela recepção, do
merecido presente. Ajeita a amada na espaçosa cama, veste o seu
belo pijama entoalhado e de óculos pretos, camuflantes, vai até a porta. Ao abrir encontra uma familiar cena cinematográfica, todos
ficaram atordoados. Invadiram o apartamento e lá encontraram uma bela boneca
inflável, muito bem vestida num dos roupões da ex esposa já falecida, boneca perfumada com uma das suas essências
prediletas e um cartão de amor com estes dizeres:
”Minha
querida Floricéia, você foi e continua sendo o amor de minha vida. Quando viva não desfrutamos da vida, apenas trabalhamos para sustentar a nossa
querida e bela família, hoje todos bem posicionados graças aos seus
esforços, uma verdadeira guerreira. Aninha a mais velha, uma desembargadora
respeitada, a caçula uma bela Oftalmologista e os meninos todos donos do
nariz e nas suas empresas, sonhei um ano atrás que me pediste a realizar um
sonho e desde aquela data tenho cumprido semanalmente sem falhar uma
única vez, e que cumprirei até o dia do nosso encontro aí no céu,
quando viveremos até a eternidade, como juramos sessenta anos atrás
na Igreja do Bonfim diante de Deus. Breve, muito breve aí
chegarei.
Do seu amado Geremias”.
E foi
assim que foi desvendado o paradeiro das misteriosas
tardes do velho Geremias.
Um grande pai de
família, sempre lutou pela vida e que só pensava no bem dos filhos, netos e de todos os seus amigos.
Em vida respeitou a sua amada e após a sua morte demonstrou
que o seu AMOR a cada dia aumentava.
A festa continuou.
Iderval Reginaldo Tenório