HISTÓRICO DO NORDESTE EM QUATRO ETAPAS.
A Asa Branca e a sua trajetória cultural
Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira, Zé Dantas, João Silva e José Marcolino. Lendas que ajudaram a tirar o nordeste da invisibilidade
PARTE I- 1947. A ARRIBADA, O ÊXODO.
ASA BRANCA
HUMBERTO TEIXEIRA E LUIZ GONZAGA
O Nordeste Brasileiro, região esquecida e vilipendiada pelos poderes públicos por mais de cinco séculos, guarda muitos segredos culturais e riquezas para o mundo.
Caatinga cinzenta é o seu piso e o azul celesteo seu teto. Região eternamente sapecada, escaldada, desidatrada e queimada pelo causticante sol, varrida e sacudida pelas lufadas dos ventos quentes a refletir os raios solares como miragens, mimetizando lagoas à distância, a conformar o legítmo homem do sertão e os animais não humanos, que trazem na mente todos os anos, por repetidas vezes: "No ano que vem, terá inverno".
Bioma maestralmente documentado em O Quinze, de Raquel de Queiroz, ao reviver o seu torrão natal, Fazenda Não Me Deixes, no município de Quixadá no Ceará na seca de 1915 e em Vidas Secas, do alagoano Graciliano Ramos, nascido em Quebrangulo e prefeito da cidade de Palmeira dos Índios quando retratou a seca de 1932.
O bioma nordestino guarda muitos mistérios do desconhecimento humano, como reverberaram o carioca Luiz Carlos Pereira de Sá, o Sá, e o baiano, da cidade de Barra, Guttemberg Nery Guarabyra Filho, o Guarabyra, em 1977, no clássico O Sertão Vai Virar Mar, da dupla Sá e Guarabyra.
Luiz Gonzaga, pernambucano do Exu e Humberto Teixeira, cearense do Iguatu, os genitores do baião, fizeram um enlace matrimonial com a humanidade pela cultura e para documentar o nordeste brasileiro. Queriam um símbolo fidedigno que representasse a alma de um povo sofrido, e que o orientasse na seca, na fome, nas cheias e na fartura. Estavam comprometidos e jurados, pelo destino, a compor uma obra músical, que fosse irretocável e reverberasse aterninamente para todo o globo terrestre.
Mentalmente sintonizados pelas mesmas propriedades e fenômenos naturais, pensaram qual seria a figura viva nordestina que poderia ser o seu símbolo e quais os acordes a serem entoados. Não foi difícil para os dois gênios. Em um estalo celestial, o descamisado pernambucano, da cidade do Exu, Luiz Gonzaga, explanou para o experiente advogado, o cearense da cidade de Iguatu, Humberto Teixeira:
" Dos seres vivos da flora e da fauna nordestina, é o pássaro ASA BRANCA, o animal que prevê e foge da seca, e sabe quando ela terminará. Foge do sertão nas épocas ruins e volta nas grandes aguadas. Foge da fome, do tédio e da tristeza, retorna nas chuvas, na alegria e na fartura, é o maior orientador deste povo. Luta pela sobrevivência e para este animal não existe o último soluço, o seu lema é a vida e o seu torrão o maior orgulho".
Foi prontamente aceito, e com água nos olhos se abraçaram.
Ao mesmo tempo, o Humberto matutava o outro tema, quais os acordes, qual a melodia. Fechou os olhos, apurou o cérebro, foi fundo na mente e falou para o Luiz:
"Existe uma música folclórica, de domínio popular, cantada há mais de 300 anos e a melodia continua viva na memória do povo, e é transmetida de geração em geração".
Cantaralou em gemido e boca fechada o que havia encravado na sua mente,
e lá do fundo da garganta mostrou ao rei a força da memória dos seus
seis anos de idade, o gemido da música estava encravada no
privilegiado cérebro iguatuense.
O Luiz cerrou os olhos e viajou no tempo, foi fundo na mémoria, ouviu como se fosse naquele dia, o cantarolar gemido humhumhumhumhumhum de Dona Santana por mais de uma vez, e resgatou das secas de 1915 e 1932 os episódios hibernados na sua mente, quando saboreava um mingau feito da massa da mucunã e rebatia com a saborosa massa do jatobá para saciar a fome no cume da Chapada do Araripe. O abraço foi reforçado e os lenços foram insuficientes para enxugarem as lágrimas dos dois sobreviventes, genuínas Asas Brancas.
Oficializada a ASA BRANCA, como a representante do nordeste, e a centenária melodia com os seus gemidos e lamento, alí era gerada a música Asa Branca, considerada a alma do nordeste.
Em pleno ano de sofrimento e dificuldades, 1947, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, autor de Baião, Juazeiro, Respeita Januário e Meu Pé de Serra conseguiram documentar o êxodo do Nordestino para o Sul, utilizando como símbolo a Asa Branca e as suas propriedades meteorológicas. Como pano de fundo, os acordes da velha e folclórica melodia temperada com o gemido humhumhumhumhumhum. Foi tocado, balançado e degustado o âmago de cada um, e aos prantos documentaram com fidedignidade a pérola ASA BRANCA. Com o Luiz, o Humberto e a Asa Branca nascia um mistério real, mostrando para a eternidade o sofrimento, o labutar, a coragem e o quanto é forte o homem do nordeste brasileiro.
PARTE II -1950- O RETORNO
A VOLTA DA ASA BRANCA
JOSÉ DANTAS E LUIZ GONZAGA
O tempo passou, as chuvas voltaram, o capim, as babujas renasceram, os pássaros cantaram, os sapos e as rãs coaxaram, e a Asa Branca ouvindo o ronco do trovão, retornou ao seu lar numa salva de alegrias, bucho cheio, água em abundância e muita esperança. Com este cenário, o médico pernambucano, de Carnaíba e dos sertões do Pajeú, José Dantas, autor de Xote das Meninas, Acauã, Sabiá, Riacho do Navio, Samarica Parteira e Vozes da Seca escrevinhou A VOLTA DA ASA BRANCA. Tudo verde, tudo belo e muita fartura na Chapada do Araripe, na Chapada da Borborema, nos sertões do Pajeú, do Seridó, no Cariri Cearense, no Cariri Paraibano, nos cafundós das Alagoas e em todos os recantos nordestinos.
Isto foi em 1950, para 02 anos depois, a Asa Branca anunciar mais um período de seca, mais um período para esturricar o sertão e iniciar mais um êxodo à procura do DICOMÊ. Sabe o sertanejo que um ano de seca consome dez anos de fartura, está aí a segunda fase do Rei Luiz a cantar o seu sofrido povo e a sua esturricada terra.
PARTE III- 1983- A IRRIGAÇÃO, A ÁGUA PARA O NORDESTE.
O PROJETO ASA BRANCA
JOSÉ MARCOLINO E LUIZ GONZAGA
Em 1978, indicado pelo Presidente Ernesto Gaisel, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Dr. Marcos Maciel, conduziu o Estado de Pernambuco como governador biônico. Ao sentar na cadeira do Palácio do Campo das Princesas, prometeu ao Luiz Gonzaga, água para o povo sofrido da Chapada do Araripe e criou o Projeto Asa Branca. Para homenagear e documentar o fato, o Luiz, junto ao paraibano de Várzea Paraíba, distrito de São Tomé, hoje município de Sumé, José Marcolino Alves, autor de Numa Sala de Rebôco, Cacimba Nova, Quero Chá, Cantiga do Vem-vem e Pássaro Carão, lançaram em 1983 a música PROJETO ASA BRANCA.
PARTE IV. 1984 -UMA ESTRADA ASFALTADA PARA O EXÚ,
BODOCÓ E OS SEUS SERTÕES.
A
RODOVIA ASA BRANCA, DO CRATO, Ce A BODOCÓ, Pe.
JOÃO SILVA E LUIZ GONZAGA
João Silva, pernambucano de Arcoverde, autor de Nem se despediu de mim, Tá Danado de Bom, Pagode Russo, De fiá Pavi, Viva meu Padim e do bolero apracatado, segundo Luiz Gonzaga, Pra não morrer de Tristeza e considerado o maior parceiro do velho Lula da fase moderna, era pós êxodo, era de um Brasil jovem, urbano e Universitário, um compositor dedicado e que vivia ao seu lado, resolveu junto ao Rei, documentar a chegada do asfalto na terra de seu Luiz.
Dos anos de 1984 a 1986, o Governador do Ceará, LUIZ GONZAGA DA FONSECA MOTA e o Governador de Pernambuco, Roberto Magalhães Melo resolveram pagar uma dívida ao maior símbolo musical do Nordeste e ao seu povo. Para este intento decidiram asfaltar o trecho que vai da Cidade do Crato, no Ceará, ao Exu em Pernambuco, mais de 80 quilômetros, cortando a Chapada do Araripe, hoje patrimônio da humanidade. A esta estrada deram o nome- RODOVIA ASA BRANCA e coube a João Silva compor a música Rodovia Asa Branca, imortalizada na voz mais nordestina dos nordestinos, o filho de seu Januário e de dona Santana, Luiz Gonzaga do Nascimento.
Estes episódios mostram, que a arte é uma das melhores maneiras de documentação desde os primórdios do mundo. Não é leal esquecer, que foram os cordelistas, os repentistas e os pequenos escritores que documentaram mais de mil anos da história da humanidade. Vide o cangaço, o Padre Cícero, as grandes batalhas e os diversos fatos que hoje são resgatados com precisão.
Conheça o
Otacilio Batista, Geraldo Amâncio, Pedro Bandeira de
Caldas, Bule Bule, Ivanildo Vila Nova, conheça o Patativa do Assaré (o cearense do século) e outros monstros do repente nordetino pulverizados em suas plagas.
Luiz Gonzaga e os seus parceiro foram os maiores documentaristas dos fatos brasileiros, notadamente do Brasil esquecido. O Brasil está retratado nas suas obras. Cada episódio, cada povo, cidade, amigos e costumes estão salpicados e reverberados na mais equilibrada e suave voz do Brasil, a do imortal LUIZ GONZAGA DO NASCIMENTO.
Cinco imortais, Luiz, Zé Datas, Humberto, João Silva e Marcolino. Dentre eles, um gênio, filho da cidade do Exu, adotado de corpo e alma pelo Crato e Juazeiro do Norte, as terras do Padre Cícero, terra do meu padim, o santo dos sertões, pois o padre nasceu no Crato e foi o fundador de Juazeiro. Gênio que resgatou a cidadania de um povo, o tirando da invisibilidade da vida, Luiz Gonzaga do Nascimento, o pernambucano do século.
Um pássaro, a Asa Branca, uma chapada, a do Araripe, as secas, as chuvas, uma estrada e depois a irrigação. Estes fatos acontecidos no Nordeste Brasileiro foram documentados com o nome ASA BRANCA por cinco nordestinos de valor, considerados pelos mesmos, verdadeiros sobreviventes.
Iderval Reginaldo Tenório
Posfácio
" Vai, boiadeiro, que a noite já vem
Guarda o teu gado e vai pra junto do teu bem"
Klecius Caldas / Armando Cavalcante
Qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Nem um pé de prantação
Por falta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Morreu de sede meu alazão
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Guarda contigo meu coração
Numa triste solidão…
Luiz Gonzaga - Asa Branca (Rei do Baião) - YouTube
Luiz Gonzaga - A volta da asa branca - YouTube
Que pro norte relampeia
A asa branca
Ouvindo o ronco do trovão
Já bateu asas
E voltou pro meu sertão
Ai, ai eu vou me embora
Vou cuidar da prantação
Mas felizmente Deus agora se alembrou
De mandar chuva
Pr'esse sertão sofredor
Sertão das muié séria
Dos homes trabaiador
As cachoeira tão zoando
Terra moiada
Mato verde, que riqueza
E a asa branca
Tarde canta, que beleza
Ai, ai, o povo alegre
Mais alegre a natureza
Eu me arrescordo de Rosinha
A linda flor
Do meu sertão pernambucano
E se a safra
Não atrapaiá meus pranos
Que que há, o seu vigário
Vou casar no fim do ano.
Rodovia Asa Branca
Luiz Gonzaga
COMPOSIÇÃO -JOÃO SILVA
Eu vi um dia
Dois homens fazer um trato
De ligar Exu ao Crato
Pernambuco ao Ceará
O homem de cá
Trabalhou chegou primeiro
E o de lá também ligeiro
Num dançou eu chego lá
Olha o homem aí
É gente da gente
Olha o homem aí
Alegre e contente
Olha os homen aí
É o povo que diz
Olha os homen aí
Juntos com Luiz
Roda, rodada
Rodando, roda rodeia
Rodovia, Asa Branca
Tá todinha prá você
Olha o homem aí....
Rodovia Asa Branca - YouTube
Projeto Asa Branca - YouTube
Projeto Asa Branca
Luiz Gonzaga/ ZÉ MARCOLINO
Louvado seja Deus
Abençoada a canção
Louvado seja o homem
Que dá água pro sertão
Bendito foi o momento
De divina inspiração
Quando feita a conclusão
De um grande planejamento
Dia onze de dezembro
Do ano setenta e nove
Vem à tona e se promove
Uma idéia rica e franca
Marco Antonio Maciel
Criou o Projeto Asa Branca
Dia vinte e um de março
Data marcante, ano oitenta
Maciel num tempo escasso
Prevendo a seca cruenta
Na cidade de salgueiro
Promoveu o lançamento
Para o engrandecimento
Da terra em sua mensagem
Consagrou esse projeto
Pra salvação da estiagem
Parabéns sertão e agreste
Pela graça que hoje alcança
Com a cor da esperança
Toda a região se veste
Tantas obras preventivas
Por ele realizadas
Açude, barragem, estrada
Para comunicação
Prendendo as águas dos rios
Pela perenização
“Sobradinho” (Sá & Guarabyra) - YouTube