Adentrou à sala claudicando, isto é, mancando. O dedão do pé direito não lhe dava apoio no andar. Ao pisar com este pé, a face logo demonstrava prenúncio e a concretização de uma indesejável dor.
O paciente era uma criança de 03 anos e meio de idade, bem vestida, cabelos impecavelmente cortados e em uso de uma alpercata azul, de puro couro. Sentado no colo da mãe, não se acanhou em contar a sua história, apesar da pouca idade expressava-se muito bem. Firme e consciente declarou:
"Na praia, pisei num capinzal e ao chegar em casa, o dedo já estava doendo, não posso andar direito".
Falei para o menino que os pés são órgãos importantes, tudo nele é fundamental para se locomover, principalmente o calcanhar e os cinco dedos, notadamente o dedão, eles são chamados de artelhos ou pododáctilos. O primeiro dedo do pé, o dedão, é o único que tem nome próprio e é chamado de hálux, os demais recebem um estranho nome: segundo, terceiro, quarto e quinto pododáctilo ou artelho.
Coloquei o corajoso menino sentado e depois deitado na maca, parecia que estava num parque. Encontrava-se alegre e desembaraçado, porém mancando, falei que ia olhar o machucado.
Deitado e sem a alpercata azul apontou para o dedo que estava doendo. Falei que não iria aplicar injeção e nem iria apertá-lo, apenas iria examinar, olhar e observar, se fosse preciso iria falar com o seu dedão e pedir para o mesmo dormir um pouco, o menino concordou. Aqui no consultório tenho amigos de todas as idades, o médico não pode e nem deve mentir ou enrolar os seus amigos, este relacionamento é sagrado, é o alicerce para firmar confiança e respeito.
Ao examinar encontrei um dedo edemaciado, isto é, inchado. No peito do dedo, que se encontrava quente, avistei uma pequena bolha amarela esverdeada, halo vermelho e um ponto preto no centro, como se fosse um olho mirando este mortal. Pisquei os olhos para o dedo e falei para a criança que já sabia qual era o problema, apenas precisávamos combinar com o Hálux o que deveria ser feito, o menino aceitou o convite.
Entrei em ação, solicitei que me ajudasse a pedir ao seu dedo que dormisse por um pequeno tempo e quando acordasse estaria bom.
Juntos, Eu e o corajoso menino, falamos com o dedo hálux e este aceitou o nosso pedido, porém com uma ressalva: “Não quero sentir dor”. Dei um banho com água e sabão de côco, depois usei álcool a 70% e um antisséptico. Peguei uma pinça pequena e toquei no dedo, porém num lugar distante do machucado, o menino de imediato falou:
"Doutor Iderval, ele já está domindo, não está doendo"
Sem anestésico e sem seringa, peguei uma fina agulha, daquelas bem fininha e pequena. Ele de olhos abertos e sem medo falou:
"Doutor, ele dormiu"
Com a ponta fina da agulha, isto é, com um bisel afiado, rompi a pequena bolha, a pressão interna liberou não mais do que uma gota de secreção esverdeada, chamada de pus, com ela a ponta de um pequeno espinho. Retirei, coloquei numa gaze e presenteei a criança. Ele olhou e deu um sorriso ao avistar a pontinha preta do espinho que estava no seu dedo. Lavei delicadamente mais uma vez, enxuguei e coloquei uma bandagem sem comprimir o dedão chamado de Hálux.
O menino sentou numa cadeira, a mãe na outra e a tia ficou a observar. Pedi para o mesmo pisar, o mesmo levantou, pisou firme no chão, calçou a bela alpercata e disse alegremente:
"Doutor Iderval, o meu dedão, o Hálux, ainda está dormindo".
Foi prescrito um antibiótico por três ou quatro dias, como a criança estava em dia com a vacina contra o tétano, foi dado a alta para casa.
Cinco dias depois o menino voltou alegre, saltitante e pisando firme. De imediato falou:
"Doutor o meu dedão está acordado, mas não está doendo, obrigado".
Esta criança, mesmo com os seus sete anos de idade, é um exímio desenhista. Já é um artista promissor e gosta muito de estudar. Mostrou no ato operatório que é um cidadão centrado, paciente, seguro e predestinado ao sucesso nos atos sociais e profissionais da vida.
Vou deixar aqui o seu nome: Coragem, resiliência, exemplo e segurança, resumindo: UM SER HUMANO QUE ORGULHARÁ ESTE PAÍS.
SALVADOR 18 DE MARÇO DE 2024
Iderval Reginaldo Tenório
Asa Branca/A Volta Da Asa Branca (Ao Vivo)