O embrião, o feto, o rebento e o amor
Iderval Reginaldo Tenório
"Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel "
Assis Valente
"Minha maezinha querida, Maezinha do Coração"
Getúlio Macedo e Lourival Faissal
Ao
 sentir as vibrações das ondas do Oceano no qual me encontrava pressenti
 que não estava só. Além do escuro casulo, das rajadas que sopravam o 
meu corpo, do tum-tum que encantava o meu mergulho, existia algo 
diferente. Havia outro mundo além do meu; juro que me sentia seguro no 
meu pequeno, morno e aconchegante bioma.
    
Observava
 cotidianamente que o meu mundo ia ficando menor ou então eu estava em 
crescimento. Havia algo com muito amor, a meu ver, que afagava o meu 
dorso, o meu abdome, a minha face, os meus membros e o meu cérebro. 
Enxergava
 e vivia a evolução natural, sentia metamorfose em tudo… De início ouvia
 ruídos que, com o passar do tempo, se transformavam em sons, 
principalmente os gerados por cordas vocais. Os noturnos eram sempre os 
mesmos; os diurnos, múltiplos e diferentes, eram uma mistura de sons de 
cordas vocais humanas e de animais irracionais; sons de metais, 
tambores, foles, pratos, surdos, sopros e de instrumentos de cordas, 
todos revelados, compreendidos e transmitidos por intermédio das ondas 
geradas nas águas do meu pequeno e escuro casulo. Aos poucos iam se 
apurando, impregnados na tênue massa cinzenta e sequencialmente 
arquivados. O interessante é que, só ou em conjunto, os sons faziam bem 
ao neófito encéfalo, organizavam os pensamentos e traziam tranquilidade 
ao meu âmago. Acho até que contribuíram e que influenciarão toda a minha
 vida.
Um
 belo e estranho dia esses sons sumiram e o meu mar secou; abriram-se as
 cortinas dos céus e uma claridade invadiu a minha alma. Os baticuns se 
emudeceram, as rajadas de ventos cessaram, e lá estava eu envolvido em 
macias plumas de alegria e comemoração. De olhos semiabertos e as 
narinas a captar os odores dos genitores, aqueles que cederam seu DNA em
 momentos de muito amor e que agora, nesta sublime ocasião, acolhem-me 
repletos de regozijos, senti que entrara num novo bioma. Cada um dos 
genitores tem cheiro peculiar e único. Nasci com o cheiro de ambos, e 
carregarei comigo para as profundezas da minha vida material e 
imaterial.
As vozes noturnas que me acompanharam por nove meses 
estavam agora ao meu lado. O baticum de outrora, e que nunca me 
abandonara, está agora encostado ao meu baticum, a confabularem.
 
Neste
 novo, claro e infinito casulo, para a minha surpresa, todos os sons que
 impregnaram o encéfalo em evolução surgem na minha mente e 
transportam-me para os mais longínquos e aconchegantes pensamentos, 
conduzindo-me para o brotamento e o principio da vida.
 
Bach, 
Beethoven, Mendelssohn, Mozart, Vivaldi, Paganini, Gismonti, 
Villa-Lobos, Caetano, Gonzaga, Gil, Belchior, Ednardo, Assis Valente, 
Ivone Lara, Luiz Melodia, Jessye Norman, Kathleen Battle, Pavaroti, 
Dylan, Lennon, Nana Mouskouri, Galhardo e outros enchem os meus ouvidos,
 o meu encéfalo, a minha consciência e a minha alma dando continuidade à
 minha existência no vasto Cosmo e no misterioso mundo do além.
Neste
 dia mudei de casulo, continuei no mesmo mundo, porém noutro bioma. 
Permaneci no mesmo Planeta, Sistema, Galáxia, Universo e Multiverso. 
Neste dia consolidei a minha vida junto à minha família e  conheci a 
claridade do Sol, entrei na realidade do Cosmo.
Zezinho Bioma do Nascimento
(O Rebento)
Salvador, 5 de Fevereiro de 2023
Iderval Reginaldo Tenório
 
