O FILHO QUE NÃO PROSPEROU
Num caloroso e contagiante momento, um amigo contou esta história.
Relatou que um senhor, oriundo de classe social baixa, apesar do seu analfabetismo era culturalmente rico.
Da universidade da vida, cursara presencialmente muitas áreas, principalmente as humanas. Do suor do seu rosto, conseguiu educar os seus 14 filhos.
O tempo passou, os filhos cresceram e alguns galgaram postos importantes na sociedade, fruto dos ensinamentos do grande mestre analfabeto.
O bom senhor, à proporção que ganhava conhecimentos, foi envelhecendo, minguando na vida e perdendo as forças.
Como é peculiar à família, aquela não fugira a regra, anos após anos, os filhos em encontros familiares, lembravam ao velho carvalho o seu valor, a sua importância e o quanto era cabal a sua existência para a sua prole.
Dos seus filhos, um havia voado alto e galgado postos estratégicos na nação. O tempo passava e este filho nunca estava presente devido os compromissos oficiais, quando se lembrava, nomeava prepostos, um irmão, um primo, um amigo e até um dos seus assessores para o representar. Nunca negara ajuda financeira quando solicitado, a sua presença era pecuniária.
Com o passar dos anos, o ancião foi perdendo as forças. Os músculos foram atrofiando, os cabelos ficaram ralos e brancos, a mente foi enfraquecendo, e o bom homem foi paulatinamente perdendo a memória. Perguntava onde estava, quem era, às vezes esquecia até de si.
A tradicional família continuava as suas comemorações, anos após anos, e o filho, que não prosperou, humanamente, era substituído por um preposto Um secretário , um amigos ou um parente, até o dia em que foi convocado, literalmente intimado a comparecer ao 99º aniversário do patriarca daquela honesta família.
Ao chegar, entrou no quarto do seu genitor, sentou-se na cabeceira da cama e bem junto ao velho pai, falou :
__Peço a sua bênção pai, a bênção pai.
O velho imobilizado, nada respondeu, repetiu mais alto:
__ A Bênção pai, a bênção pai.
O ancião abriu os olhos, mexeu com o pescoço de um lado para o outro, fez esforços para levantar a cabeça, mirou o rosto do filho e com a voz trêmula balbuciou:
__Quem é você? De onde você veio? Onde você mora? Quem é o seu pai? .
O filho parou, pensou, abaixou a cabeça e disse :
__ A bênção pai, eu sou o seu filho, o seu filho do meio, eu moro fora, faz mais de 20 anos que não vejo o senhor, mais de 20 anos que não venho à nossa terra, eu trabalho no Ministério, trabalho no governo, moro na capital do país.
O pai mais uma vez falou:
"__Quem é você? De onde você veio? Onde você mora? Você é filho de quem? Quem é o seu pai?Eu lhe abençoo, não sei quem é você, não estou lhe reconhecendo, a minha memória está curta, se você diz que é meu filho, é porque é meu filho, porém eu não me lembro de você”
.
Desencantado
com a amnésia paterna e decepcionado com o que presenciara, não
conseguira entender o que se passava. Soube por intermédio dos irmãos, que o
seu pai num processo fisiológico fora perdendo paulatinamente a capacidade de
memorizar, de verbalizar e de locomoção. Passou a lembrar dos fatos
repetitivos, dos rostos cotidianos, primordialmente dos estranhos
cuidadores, do cachorro e dos reles utensílios de primeira
necessidade, como o banheiro, os penicos,
a televisão, o abrir e fechar das portas , o bate-bate das panelas, dos
pratos, e dos talheres. Gosta do ranger
das velhas e enferrujadas dobradiças, que manipuladas diariamente para o
arejamento, para a entrada do sol
e para o prolongamento da vida, tudo orientação
dos seus médicos.
Numa sentimento de irresponsabilidade, entendeu que o pai, devido a sua ausência, havia apagado da mente quaisquer resquícios ou lembranças de sua existência. Havia apagado até mesmo a legitimidade paterna, entendeu que foi a sua ausência, o seu distanciamento e o seu descaso para com o velho e bondoso pai, que apagara a sua existência como filho.
Desconfiado, deprimido e solitário partiu para a conquista, porém o velho aos poucos foi apagando da mente os dados e imagens cerebrais, aos poucos foi esquecendo e esquecendo... até o dia em que não mais lembrava nem de si, até o dia em que entrou em vegetação.
Com os fatos presenciados, o filho passou a entender que o seu pai precisava era de abraços, carinho, respeito, de sua presença e não de ajuda financeira ou de gestos pecuniários. Estes atos jamais substituirão um simples abraço e o calor que emana de cada alma.
Foi-se o velho, com ele foi sepultado as suas memórias, restando as boas lembranças e os seus ensinamentos.
Para o filho ficou a certeza, que foi 20 anos atrás que o seu pai lhe viu. Ficou gravado na sua memória, que os seus filhos não eram netos do seu pai e mais claro ainda, que o homem é a mente, o homem é a comunicação , o homem é fruto de sua raiz, o homem é o cérebro. Ficou evidente, que o núcleo familiar é o maior elo entre o homem e a vida, e que seus genitores jamais deverão perder a sua importância e nunca serem substituídos.
Por mais longe que o homem vá, por mais importante que seja a sua posição, as suas raízes deverão continuar fortes e firmes, terão que continuar aderidas e presentes em toda a sua existência. Um dia, cada cidadão sentirá o sabor da sua existência e o âmago das suas raízes.
"Seja um bom pai para os seus filhos, um dia serás um bom pai para os seus pais"
Iderval Reginaldo Tenório
SSa, 18 de Março de 1981
Iderval Reginaldo Tenório
6° Ano de Medicina da FAMED-UFBA
Buy the MP3 album on the Official Halidon Music Store: http://bit.ly/TpRqnQ Listen to our Bach playlist on