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Roque Ricciardi, Paraguassu (São Paulo, São Paulo, 1894 - São Paulo,
São Paulo, 1976). Cantor, compositor, violonista. Filho primogênito dos
imigrantes italianos Ana e José Ricciardi, Paraguassu nasce no Bairro do
Belém, um dos redutos da comunidade italiana em São Paulo. Em 1906, com
a morte do pai, muda-se para o Brás, e tem aulas de violão com Antonio
Russo. Participa de serestas pelas ruas da cidade, cantando músicas
sentimentais ao som de flauta, violão e cavaquinho.
Aos 14 anos, começa a tocar violão e a cantar modinhas brasileiras no
Café Parisien, na esquina da Rua Piratininga. Na mesma época, a convite
do palhaço Eduardo das Neves, apresenta-se no Circo Spinelli, instalado
na Rua Piratininga. Com o cantor Caramuru (Belchior Silveira) e os
violonistas Canhoto (Américo Jacomino) e Luís Miranda, organiza um
quarteto para tocar em salas de cinema. Com o epíteto "o italianinho do
Brás", é um dos seresteiros mais requisitados do bairro.
Inicia sua carreira fonográfica em 1912, registrando pelo selo
Phoenix, da Casa Edson, composições suas e de terceiros, cujas matrizes
se perdem. Até 1927, grava pela Odeon dezenas de fonogramas, todos com
seu nome verdadeiro, Roque Ricciardi. Mas é por meio do rádio que ganha
destaque no meio musical. Em 1924, é um dos primeiros artistas
contratados pela Rádio Educadora Paulista, e adota o pseudônimo
brasileiro Paraguassu a fim de se desvencilhar da imagem de italiano.
Em 1929, é contratado pela gravadora Columbia. Entre seus maiores sucessos na gravadora destacam-se o cateretê Triste Caboclo (1929), as modinhas Casinha Pequenina (1929) e Casa Branca da Serra, de Guimarães Passos e Miguel Emídio Pestana, as marchas Quebra Quebra, Gabiroba (1930), de Plínio de Brito, gravada com Jararaca, Ratinho e Januário de Oliveira, Azulão (1930), de Hekel Tavares e Luiz Peixoto, a seresta Luar do Sertão (1936), de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, e a toada Tristeza do Jeca (1936), de Angelino de Oliveira. Também na Columbia, participa em 1930 da série de discos Turma Caipira Cornélio Pires,
gravando toadas e outros gêneros caipiras com o pseudônimo "Maracajá e
Seus Bandeirantes". Com José Sampaio e Pilé (violões), Carrara,
Veríssimo e Atílio Guarani (flautas), Fernando Chaves (bandolim) e
Garoto (banjo), forma ainda o Paraguassu e Seu Grupo Verde e Amarelo,
que realiza pela Columbia diversas gravações.
Nos anos 1930, transfere-se para a Rádio Cruzeiro do Sul, mais tarde
Piratininga, da qual se torna diretor artístico. Ali, num programa de
calouros, lança o cantor Adoniran Barbosa. Trabalha ainda na Rádio Tupi.
Paraguassu participa dos primeiros filmes sonoros realizados no Brasil. Em Bem-Te-Vi
(1927), curta-metragem de Luiz de Barros feito em vitaphone (sistema
que sincroniza o filme com discos), interpreta o samba-embolada homônimo
de sua autoria. Seguem-se os filmes Acabaram-se os Otários (1929), recheado de músicas brasileiras; Coisas Nossas (1931), com Jararaca e Ratinho; Campeão de Futebol (1931), com Otília Amorim; e Fazendo Fita (1935), com Alzirinha Camargo, Alvarenga e Ranchinho, Alberto Marino e outros.
No Carnaval de 1935, seus sambas Vagabundo e Saberei Me Vingar
ficam em 1º e 2º lugares no concurso da Prefeitura de São Paulo. No fim
dos anos 1930, com a crescente hegemonia do Rio de Janeiro no meio
fonográfico brasileiro, sua atuação se restringe às rádios paulistas.
Seu último sucesso fonográfico é a modinha Perdão Emilia, gravada em 1945. Já aposentado, lança os LPs Máguas de um Trovador1 (Columbia, 1958), com 11 composições suas, e Paraguassu (Continental, 1975), coletâneas de seus maiores sucessos, e Canção de Amor (Fermata, 1969), com acompanhamento de Carlinhos Mafasoli e Seu Regional. Em 1959, recebe o tributo Paraguassu na Voz de Albertinho Fortuna, pela Continental. Ao todo, escreve mais de 2 mil composições, além de três métodos para violão.
Análise
Tendo desenvolvido toda sua carreira musical na cidade de São Paulo,
Paraguassu é um dos raros cantores paulistanos do início do século XX
que não se transferem para o Rio de Janeiro, graças ao sucesso que obtém
entre o público: ainda nos anos 1920, chega a receber mais de 300
cartas de fãs por semana na Rádio Educadora Paulista. Tamanho
reconhecimento contrasta com as dificuldades enfrentadas no início da
carreira, quando não conseguia sobreviver apenas da música, exercendo
paralelamente ofícios como os de tipógrafo e seleiro - realidade
igualmente vivida por muitos músicos brasileiros de sua geração, como
Canhoto (que foi pintor), Vicente Celestino (sapateiro), Nelson
Gonçalves (garçom) e Adoniran Barbosa (que, entre outras atividades,
exerce a de mascate, encanador e garagista). Apresentando-se em bares e
cafés, a única remuneração que o jovem Roque Ricciardi recebe é o
sanduíche oferecido pelo dono do estabelecimento e a coleta feita entre
os clientes. Tal situação só se altera a partir dos anos 1920 e,
principalmente, nos anos 1930, com a profissionalização do meio musical
paulistano, impulsionada pelo rádio e pela fonografia.
É explorando o rentável filão do repertório sentimental que
Paraguassu alavanca sua carreira. Conta-se que suas primeiras
interpretações de sucesso, as modinhas Mágoas (de A. Passos) e Morrer de Amor
(de sua autoria), ambas gravadas em 1925 pela Odeon, são responsáveis,
respectivamente, por cinco suicídios e um homicídio passional seguido de
suicídio.2
No fim dos anos 1920, valendo-se da moda sertaneja que desde a década
anterior vinha pondo em evidência gêneros como a embolada, a chula e o
coco, Paraguassu passa a explorar também canções nortistas.3 Ainda assim, não abandona a temática sentimental, que é a tônica de sua obra. Sua composição Bem-Te-Vi,
por ele interpretada no filme homônimo, de Luiz de Barros, une
elementos dos dois repertórios. Gravada pela Columbia em 1929, chega a
vender mais de mil cópias por dia. Formalmente, trata-se de uma
embolada, gênero caracterizado pela sobreposição de trovas rimadas e
independentes, geralmente com versos de dicção complicada. Do ponto de
vista temático, porém, a composição explora assuntos típicos da canção
sentimental, como o amor e a traição: "Bem-te-vi bem-te-vi / Não me
venhas espiar / Diga lá pro meu amor / Que eu não quero me casar / Eu
esta noite tive um sonho atrevido / Eu sonhei tava na rede a forma do
teu vestido / Todo amor que se possa querer bem / Se não quer levar
rabicho, nunca deve amar ninguém". O caráter sentimental da letra é
reforçado pela interpretação lenta e queixosa, o que atribui uma aura
triste e nostálgica à embolada - gênero mais comumente conhecido pelo
caráter cômico ou satírico.
É no repertório identificado como "caipira", porém, que Paraguassu
deixa sua principal marca. Sem abandonar a temática sentimental, ele
interpreta e compõe canções que fazem referência ao universo rural
paulista, explorando imagens como a do violeiro, do luar, da paisagem
bucólica do campo, tudo isso reforçado pelo sotaque acaipirado de suas
interpretações, que procuram relacionar tais imagens ao olhar e aos
sentimentos do próprio caipira. Gravada por Paraguassu em 1933, a
seresta Violeiro do Luá, composta em parceria com Assunção
Fleury, associa o ruído das águas de um córrego ao choro do violeiro -
e, por extensão, à experiência da saudade ("brasileiríssima", segundo o
próprio Paraguassu4): "Às veiz di noite / Adisfarçando as
minhas mágoa / Vô beirando o corgo d'água / Qui travessa o meu poma //
(...) Noites inteira / Sem sinti o passá das hora / Fico ouvindo a água
qui chora / Abraçadinha c'o luá // E tenho inveja desse amô / Tão
paixonado / Qui me faiz lembrá o passado / Quando eu tinha arguém pra
amá". Com sua lânguida voz de barítono, quase sem vibrato, ele imprime
um tom melodramático à interpretação, sem com isso comprometer a
simplicidade dos versos, enfatizada pelo arranjo singelo de
instrumentação despojada (violões, bandolim e banjo). Ao mesmo tempo,
reforça a associação - que já vinha sendo feita pela literatura
regionalista, pelo teatro musicado e pela música popular em geral -
entre o universo rural e um passado idealizado ("Quando eu tinha arguém
pra amá").
Outro elemento temático recorrente no repertório de Paraguassu é a
oposição rural/urbano, contrapondo a inocência e as virtudes do campo ao
artificialismo da cidade. É o que se nota, por exemplo, nos cateretês Triste Caboclo, de sua autoria ("Vou deixar a cidade / Vou-me embora pro sertão / Lá ficou minha choça / Que guardo recordação"), e Racha-Pé,
de Fernando Magalhães ("Eu da cidade / Vou vivê lá no sertão / Lá não
tem tanta vaidade / Tudo é justo, tudo é bão / Vou no samba do sertão /
Que alegra meu coração"). Em certa medida, essa visão idílica do campo
(genericamente identificado como "sertão") ecoa a atitude, generalizada
em todo o país, de valorização das tradições rurais, vistas como
expressão autêntica da alma do povo. Por outro lado, também diz respeito
a processos que são específicos da cidade de São Paulo, tais como o
sentimento de desenraizamento das populações interioranas que migram
para a capital, encontrando nas referências caipiras da música divulgada
em 78 rotações um alento diante do acelerado processo de urbanização e
modernização. Daí a referência constante, nesse repertório, ao
sentimento da saudade, nostalgia de um tempo idílico perdido no passado e
da vida no interior, mais natural e sincera do que na cidade.
Nota
1. No selo e na capa do disco de 1958 está grafado Máguas de um Trovador.
2. CAMPOS Jr., Celso de. Adoniran: uma biografia. São Paulo: Globo, 2004. p. 25-26.
3. No início do século XX, o termo "nortista" refere-se à região brasileira que hoje é denominada Nordeste.
4. PARAGUASSU (Roque Ricciardi). Depoimento ao MIS/RJ.