segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A TRISTE PARTIDA- PATATIVA DO ASSARÉ

   





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Antônio Gonçalves da Silva (Assaré CE, 1909 - idem 2002). Freqüentou a escola por apenas quatro meses, em 1921, mas desde então vem "lidando com as letras", como ele mesmo afirmou. Agricultor, em 1922 já atuava como versejador em festas, e a partir de 1925, quando comprou uma viola, deu início à atividade de compositor, cantor e improvisador. Em 1926 teve um poema publicado no Correio do Ceará, mas seu primeiro livro, Inspiração Nordestina, seria lançado trinta anos depois, em 1956. Em 1978 publicou o livro Cante Lá que Eu Canto Cá, e em 1979 iniciou, com Poemas e Canções, a gravação de uma série de discos, entre os quais se destacam Canto Nordestino (1989) e 88 Anos de Poesia (1997). Seu último livro, Cordéis-Patativa do Assaré , é de 1999. A poesia de Patativa, que verseja em redondilhas e decassílabos, traduz uma visão de mundo "cabocla", muitas vezes nostálgica e desapontada com as mudanças trazidas pela modernidade e pela vida urbana. Sua obra aborda os valores e os ideais dos camponeses do interior do Ceará, em poemas que tematizam da reforma agrária ao cotidiano dos sertanejos cearenses. 











A triste partida* - Patativa do Assaré** 

Setembro passou, com oitubro e novembro 
Já tamo em dezembro. 
Meu Deus, que é de nós? 
Assim fala o pobre do seco Nordeste, 
Com medo da peste, 
Da fome feroz. 

A treze do mês ele fez a experiença, 
Perdeu sua crença 
Nas pedra de sá. 
Mas nôta experiença com gosto se agarra, 
Pensando na barra 
Do alegre Natá. 

Rompeu-se o Natá, porém barra não veio, 
O só, bem vermeio, 
Nasceu munto além. 
Na copa da mata, buzina a cigarra, 
Ninguém vê a barra, 
Pois barra não tem. 

Sem chuva na terra descamba janêro, 
Depois, feverêro, 
E o mêrmo verão 
Entonce o rocêro, pensando consigo, 
Diz: isso é castigo! 
Não chove mais não! 

Apela pra maço, que é o mês preferido 
Do Santo querido, 
Senhô São José. 
Mas nada de chuva! tá tudo sem jeito, 
Lhe foge do peito 
O resto da fé. 

Agora pensando segui ôtra tria, 
Chamando a famia 
Começa a dizê: 
Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo, 
Nós vamo a São Palo 
Vivê ou morrê. 

Nós vamo a São Palo, que a coisa tá feia; 
Por terras aleia 
Nós vamo vagá. 
Se o nosso destino não fô tão mesquinho, 
Pro mêrmo cantinho 
Nós torna a vortá. 

E vende o seu burro, o jumento e o cavalo, 
Inté mêrmo o galo 
Vendêro também, 
Pois logo aparece feliz fazendêro, 
Por pôco dinhêro 
Lhe compra o que tem. 

Em riba do carro se junta a famia; 
Chegou o triste dia, 
Já vai viajá. 
A seca terrive, que tudo devora, 
Lhe bota pra fora 
Da terra natá. 

O carro já corre no topo da serra. 
Oiando pra terra, 
Seu berço, seu lá, 
Aquele nortista, partido de pena, 
De longe inda acena: 
Adeus, Ceará! 

No dia seguinte, já tudo enfadado, 
E o carro embalado, 
Veloz a corrê, 
Tão triste, o coitado, falando saudoso, 
Um fio choroso 
Escrama, a dizê: 

- De pena e sodade, papai, sei que morro! 
Meu pobre cachorro, 
Quem dá de comê? 
Já ôto pergunta: - Mãezinha, e meu gato? 
Com fome, sem trato, 
Mimi vai morrê! 

E a linda pequena, tremendo de medo: 
- Mamãe, meus brinquedo! 
Meu pé de fulô! 
Meu pé de rosêra, coitado, ele seca! 
E a minha boneca 
Também lá ficou. 

E assim vão dexando, com choro e gemido, 
Do berço querido 
O céu lindo e azu. 
Os pai, pesaroso, nos fio pensando, 
E o carro rodando 
Na estrada do Su. 

Chegaro em São Paulo - sem cobre, quebrado. 
O pobre, acanhado, 
Percura um patrão. 
Só vê cara estranha, da mais feia gente, 
Tudo é diferente 
Do caro torrão. 

Trabaia dois ano, três ano e mais ano, 
E sempre no prano 
De um dia inda vim. 
Mas nunca ele pode, só veve devendo, 
E assim vai sofrendo 
Tormento sem fim. 

Se arguma notícia das banda do Norte 
Tem ele por sorte 
O gosto de uvi, 
Lhe bate no peito sodade de móio, 
E as água dos óio 
Começa a caí. 

Do mundo afastado, sofrendo desprezo, 
Ali veve preso, 
Devendo ao patrão. 
O tempo rolando, vai dia vem dia, 
E aquela famia 
Não vorta mais não! 

Distante da terra tão seca mas boa, 
Exposto à garoa, 
À lama e ao paú, 
Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo, 
Vivê como escravo 
Nas terra do su. 


* Verso cantado por Luiz Gonzaga 



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Iderval Reginaldo Tenório

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