sábado, 11 de fevereiro de 2023

CRIANÇAS SÃO CRIANÇAS /MERECEM RESPEITO/NOS ENSINAM

 

TRÊS GERAÇÕES NA TERRA. 

DUAS CRIANÇAS E DOIS ADULTOS. 

OS CONFLITOS EDUCACIONAIS


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TRÊS GERAÇÕES  .
DUAS CRIANÇAS E DOIS ADULTOS.
 
CONFLITOS EDUCACIONAIS 

A sala estava tão  pequena que o respirar de um influenciava no respirar do outro, pequena não no tamanho, não geometricamente, pequena  porque o ar de cumplicidade invadia o espaço do outro, a interação foi  plena.

___Qual a idade de vocês ? Estão bem na escola?

A mais espevitada, porém de olhar angelical, respondeu que vai completar oito anos e a sua prima completou  dez  , falou mostrando os dedos das mãos  e que vão muito bem na escola. O velho foi mais enfático e emendou a segunda pergunta:

"Quando vocês crescerem, qual a profissão que vão escolher?"

A pré-adolescente, a de dez anos, foi rápida na resposta , falou que vai ser médica.  Afirmou peremptoriamente que não é questão de querer, ela vai ser e assim será. A mais nova, compenetradamente, com ar senhorio  complementou a fala:

"Você não pode ser  médica, só pode ser médica ou médico se a criança for filho , irmã  ou neta de médica ou se o pai for médico.
 Saiba que,  ainda dentro da barriga da mãe, a criança escuta a mãe estudar, receitar, trabalhar e falar das doenças dos seus pacientes,  assim ela vai se acostumando e aprendendo,  já nasce sabendo um pouquinho e se o pai for médico melhor ainda,  depois entra na escola para aprender tudo até ser adulta.  A criança desde pequena  já vem como uma médica ou médico, entendeu como é? não é qualquer criança que pode ser médica."

O velho amigo ficou boquiaberto com a conclusão da criança, uma vez que esta opinião pueril fundamenta o velho ditado gravado na cabeça do povo durante séculos :  
 
“ Filho de gato, gatinho é”  e  “Filho de peixe, peixinho é”.

A  menina mais vivida abriu os olhos, olhou para a mais  nova , deu uma risadinha e seriamente falou:

"Não é nada disso, não é assim, qualquer criança pode ser médica ou médico, basta estudar.
 
Os filhos  dos médicos são médicos ou médicas  porque os pais podem pagar uma boa escola  quando a pessoa ainda é criança, que é a base de tudo . 
 
A minha mãe disse ,   que escola boa para crianças é muito cara e é por isso que muitas vezes os pobres não são bem preparados , a vontade de estudar é grande , o que falta é condição . Se o pobre tivesse escola boa como os ricos, a vida seria mais fácil. A minha mãe também falou que para o pobre tudo é mais trabalhoso, tudo é mais difícil."

O velho amigo não suportou tão gratificante explanação. Com os olhos marejando mirou os olhos da mãe, que também estavam a marejar. Os olhos da cuidadosa e jovem   da marejou tanto que teve que assoar o nariz  e a  esboçar um embutido  soluço, quase imperceptível, porém soluçou.

A menina também chorou quando viu o que fez com a jovem mãe e com o velho amigo, virou o rosto para si, enxugou as lágrimas, engoliu o soluço  e falou:

"Filho de pobre tem dificuldades para estudar, as escolas dos bairros não são boas  e não têm professores qualificados.  A minha mãe disse que o governo não quer  que o pobre estude muito, que o pobre só precisa estudar um pouquinho, o suficiente  para poder trabalhar,  mas ela também disse que não é para prestar atenção no que  ele quer, tem que estudar assim mesmo e por conta própria, pois para o pobre melhorar de vida tem que estudar, mesmo que os governos não dêem condições."

O velho interlocutor interessado sobre a escolaridade de sua mãe,  fez algumas suaves e discretas perguntas . A menina não titubeou  e respondeu:

"A minha mãe  estudou pouco, terminou o segundo grau numa Escola Pública do bairro e que ensinava muito pouco, não diferente de hoje.
 
 A  minha avó era doméstica e não tinha estudo, porém disse  que minha mãe tinha que estudar para não trabalhar em casa de família, como ela e a sua mãe.   Inclusive a patroa de minha avó pediu que ela levasse a minha mãe , ainda com 14(catorze) anos para ser a babá da sua neta, a minha avó disse que não, ela   tinha que ter uma profissão e estava na escola.  

A minha mãe   não  continuou os estudos até o fim,  porque era pobre e tinha que trabalhar ainda jovem. No tempo dela a vida era muito difícil para a família, inclusive terminou tendo um filho muito nova, se hoje eu tenho 10(dez) anos e ela tem  28(vinte e oito ) ,  então  teve um filho com  18(dezoito)  . 
 
Eu preciso é estudar, tenho que cuidar de minha mãe, viajar e comprar uma casa boa para ela viver melhor .  Minha mãe disse que teve que abandonar a escola  quando eu nasci , eu não vou abandonar os meus estudos,  eu vou ser uma médica como o senhor."

Todos que estavam na sala ficaram em silêncio, a   menina em soluços entrecortados  foi até a mãe e a abraçou com todas as suas forças, numa demonstração de respeito e agradecimento, ambas  se desmancharam num silencioso choro. O verdadeiro e incontestável choro, choro que só Deus e  quem está chorando sabe o porquê e a sua profundidade.  O velho amigo também chorou e  ainda desconsertado cantarolou  um clássico do Luiz Vieira,  O Menino de Braçanã:

“É tarde, eu já vou indo
Preciso ir embora, 'té amanhã
Mamãe quando eu saí disse
Filhinho não demora em Braçanã
Se eu demoro mamaezinha Tá a me esperar
Pra me castigar Tá doido moço
Num faço isso, não
Vou-me embora, vou sem medo dessa escuridão
Quem anda com Deus
Não tem medo de assombração
e eu ando com Jesus Cristo
No meu coração”
                                                                   Luiz Vieira

A conversa prolongou-se por mais um tempo, todos queriam tomar o caminho de casa, as meninas alegres e  já recuperadas das cenas vividas, o velho renovado após receber mais uma aula da sabedoria infantil.  O ensino foi tão profundo que os seus olhos sempre marejam  ao recordar.

O velho amigo abraçou todos que estavam na  sala, inclusive a si próprio e mais uma vez aprendeu que estar nas crianças  a essência da vida, estar na inocência deste seres em formação o real significado da vida.  Entendeu que comete crime aquele gestor que não olha para este segmento  em formação , estão neste segmento o solo,  as sementes, as raízes , os troncos e as frondes  das árvores do futuro. Olhando com responsabilidade estes detalhes, os pomares do futuro darão bons frutos.   Na despedida assim  o se pronunciou o senhor  de cabeça branca:

"Meninaso mundo é de todos. A cúpula da espécie humana, os muito ricos,  insiste em se apresentar como a dona  do universo. Durante muitos e muitos anos afirma que  os ricos têm direito a tudo e nós, o povo , teremos que lutar e muito para conseguir os nossos ideais, tudo  é regrado, contado, trabalhado e conquistado. 
 
Quantas vezes não se escuta que:  “ filho de gato , gatinho é e filho de peixe peixinho é? ” numa afirmativa  que diz, se o seu pai for carpinteiro  você também provavelmente será carpinteiro,  se a sua mãe é lavadeira a filha deverá seguir o seu caminho de lavadeira, isto é , os filhos seguem a profissão dos pais .  Vocês estão vendo que não é assim .

Quando uma mãe é doméstica a sua filha pode ter outra profissão, basta estudar, se esforçar e seguir nos estudos.  Muitos médicos  vieram da roça, muitos professores possuem pais analfabetos, muitos advogados são filhos de pescadores, vigilantes, zeladores e  vendedores ambulantes. 
 
Na raça humana quem decide é o cérebro, quem manda  é o raciocínio, basta que o pobre tenha  uma única chance.  Basta que seja atencioso, interessado, compenetrado, estudioso, corajoso, que tenha uma  família unida   e que tenha coragem.  Todos os cidadãos têm os mesmos  direitos e podem seguir a profissão dos sonhos, basta estudar e vencer as    dificuldades da vida , principalmente as impostas pelas classes dominantes e pelos gestores da nação, e que são muitas .

O importante é ter a liberdade para pensar, o importante é exercer a cidadania, ter um exemplo para seguir e receber muitos incentivos da família,  vocês são jovens, inclusive a mãe de vocês.
 
Vocês estão no início da vida, no começo da jornada, são importantes para a família, para todos nós e para o Brasil.  

Não se esqueçam da escola, pois filho de pobre pode ter a profissão que almeja, muitas serão as dificuldades,  porém basta estudar , não ceder aos vícios e às coisas fáceis da vida . O fator primordial é seguir unido à família e não desanimar, muitas serão  as barreiras e as dificulddes, verdadeiras pegadinhas para o mal  . De olhos e pensamentos  abertos  vão em frente. 

No reino dos animais irracionais  filho de um gato jamais será um leão, porém na raça humana o filho de uma lavadeira pode sim ser um Ministro do Supremo Tribunal, pode sim ser um Reitor de uma Universidade,  um grande Engenheiro, um Médico ou um  importante  Professor,  para isto o humano tem o CÉREBRO.          AVANTE.

                               Iderval Reginaldo Tenório
     

Luiz Vieira - Menino de Braçanã - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=KChYMGTKKhw
1 de ago de 2013 - Vídeo enviado por André Batista
É tarde, eu já vou indo. Preciso ir embora, "té amanhã". Mamãe, quando eu saí, disse: "filhinho não demora ..

Zizi Possi – Menino de Braçanã - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=Qi5P4BkReew
26 de ago de 2014 - Vídeo enviado por Moriyama Sakiko
Zizi Possi "Menino de Braçanã" From the album Zizi Possi – "Sobre Todas As Coisas"

Rita Lee - Menino de Braçanã - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=viMMq0a2So4
3 de out de 2012 - Vídeo enviado por Gui Caldeirinha
Não encontrei essa música no youtube, então fiz questão de compartilhar. Salve Rita Lee! É tarde, eu já vou .

Maria Bethânia - Menino de Braçanã - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=E0ZErtmrc-I
11 de jul de 2016 - Vídeo enviado por Vinício Vilela
Extraído do DVD ''Caderno de Poesias''.

Menino de Braçanã - Zé Tobias - Sr. Brasil 01/09/2011 - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=4JIZ8AHl588
2 de set de 2011 - Vídeo enviado por TV Cultura Digital
ZÉ TOBIAS (Recife - PE) canta ?MENINO DE BRAÇANÃ? .Músicos acompanhantes: Alexandre de La Peña ...

Roberto Paiva - O MENINO DE BRAÇANÃ - toada de Luiz Vieira e ...

https://www.youtube.com/watch?v=CU0an8sYIyk
2 de ago de 2014 - Vídeo enviado por luciano hortencio
Roberto Paiva - O MENINO DE BRAÇANÃ - toada de Luiz Vieira e Arnaldo Passos. Gravação de 1953 ...
 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

A INTERIORANA VENCEDORA.


Vídeo de leoa abraçando socorrista que a salvou faz sucesso na web -  notícias em Planeta Bizarro - G1
                

Leão: características, habitat, comportamento - Brasil Escola

      

Mãe leoa – Marta Felipe

                                  

Caricatura Fitness Pesinhos Beca Canudo Academia Musculação | Parcelamento  sem juros

                                       A INTERIORANA VENCEDORA.

                                             Adolfo Ricart

Dormiu sob  as marquises por duas semanas, chegara do interior sem lenço e sem documentos.  Não possuía um naco de carne, faltavam-lhes músculos e brilho na face.
 
Cabelos castanhos  e quebrados, pele porosa, gordurosa e  mostrando finas cicatrizes,  fruto da lida  no campo.  O sol causticante maltratara a vida  durante a adolescência e parte da juventude, na capital duas semanas ao relento comendo não se sabe o que.

No desespero bate pela vigésima vez noutra porta, aldrava  de metal  cabeça de leão,   que reproduz um som estridente.  A fechadura tem o seu trinco atado a um longo cadarço, que é destravado na sala principal no  interior do casarão  .
 
Dos fundos da casa, aos gritos,  surge uma apavorante voz:

" Pode entrar! " 
 
Com um puxavanco, a matrona  destrava a pesada e centenária porta. Sentada numa cadeira de balanço, mesmo sem ouvir uma única palavra da visitante,  que de posses  apenas um saco com duas mudas de roupas, de imediato entendeu o pedido de socorro. Não agiu com compaixão, estava precisando de mais um serviçal e assim se pronunciou para a   assombrada interiorana:

" Não tenha medo se não sabe lavar, passar ou cozinhar, preciso apenas de  uma ajudante  para serviços diversos. O dia começa as 6 da manhã e só termina quando a última panela for lavada"

Cabisbaixa, introspecta, olhar para o futuro, palavras atritadas e pensativa a garota responde:

"Aceito sim senhora, aceito sim, onde fica o meu quarto?"
 
A patroa retruca:

"Que quarto? Nos fundos onde se guarda as tralhas, arma-se uma rede, bate-se a porta e só se abre às 5 da manhã. Banho tomado, inhaca fora e logo-logo ajudando a Maria na lida do café, só se come após recolher a mesa depois do último hóspede.

Humildemente a menina confirma:

"Aceito sim senhora, já posso começar?"

A matrona   e futura patroa pede a sua  atenção mais uma vez. Com voz ríspida, fácie mumificada, dedo em riste e olhos arregalados detalha vociferando:

"Outra coisa; roupas limpas, bem comportadas e este lenço no cabelo, também com este corpo pode até assombrar a hospedaria.
 
Toma este sabão, dá uma geral, desgrenha esta moita da cabeça e veste este conjunto, foi da última que despedi na semana passada, emprenhou e mandei de volta para os pais, por isso tome cuidado e nada de trela com os vadios da rua."

Passa para a desvalida dois conjuntos de roupas velhas, surradas, puídas, número maior  do que o seu manequim e exige pressa. 
 
Neste dia, após o banho, a interiorana matou a fome. Não deixou um único naco de pão, da sopa rapou até o tacho, foi assim durante o primeiro mês quando começou a perder o medo da cidade grande. Acostumou com o rabugento jeito da patroa, tomou coragem e lhe dirigiu a palavra:


"Dona Gertrudes daria para a senhora me arrumar um sabonete? não precisa ser do bom, queria também um pente com os dentes mais afastados para não danificar os meus  ressecados cabelos.

A velha retrucou na mesma hora com um olhar reprovador. Com uma mão na cintura e a outra a gesticular foi dura com a neófita aprendiz, desdenhando do seu atrevimento duramente a repreendeu:

"Sabonete? pente grosso? Olha menina, vá trabalhar que é melhor, para onde tu vais com esta arrumação? Para onde tu vais? Tu não tens parentes aqui na cidade, namorado não arranjas, para que diabo esta invenção? Cuida do teu serviço e pronto.  Faz uma touca, cobre estes cabelos, sabão de côco não falta nesta casa, o que vou arrumar é um desodorante para acabar com esta inhaca dos sovacos."


A menina não insistiu, contudo não procurou se desviar do bom caminho. Juntava as sobras  dos sabonetes, usados pelos hóspedes, colava um ao outro e tomava banho com diversas essências.  Do seu pente arrancou-lhe os dentes pulando um, arrancado o outro, pulando e arrancando, com este engenho penteava  os encaracolados  fios e os  cobria com um lenço. Com a farta alimentação, evidente sobras, a menina foi ganhando carnes. A ausência causticante do sol, banhos diários e a cicatrização definitiva dos finos arranhões da lida no campo, mostrava uma delicada pele. De bom, trouxe os belos dentes enfileirados,  que após sessenta dias de escovação passaram a causar inveja.

A garota foi notada por dona Gertrudes, deixou de ser invisível.  A menina tomava jeito de gente, mostrava-se  preocupada com o trabalho e não apresentava nenhuma amofinação, tinha jeito para as coisas, desenvolvia bem, tinha futuro. A velha fez uma demonstração de carinho:

"Menina, vou te vestir com roupas mais compostas, vi que já aprendestes a fazer o café e pôr a mesa pela manhã, o que também me impressiona é a tua rapidez nos serviços e sem reclamar, mas sempre reivindicando, me diga uma coisa, tu estudastes até que ano?
 
A menina prontamernte responde:

"Fiz o fundamental dona Gertrudes, o fundamental, não aprendi mais devido a distância da escola e porque na roça é comum deixar os estudos na época das  plantações, das limpas e das colheitas.  Dona Gertrudes, na roça  primeiro o enche buxo; a lavoura e as  criações. Para matar a fome  come-se de tudo, até xingó assado com  bredo ou berdoelga   (beldroega nome científico)  é banquete no meu interior, depois a educação e o conhecimento cultural. Como  na minha região só existia até o fundamental tomei rumo à capital para completar os meus estudos"

Deixei a minha família chorosa. Pai morreu quando eu tinha 14 anos, mãe vive cuidando da roça, dos meus 08 irmãos mais novos e os dois mais velhos trabalham ajudando mãe na lida diária. Prometi a mãe que um dia ela iria se orgulhar de mim, um dia ela iri subir no palco,  receber comigo o  meu diploma  e   bater muitos  retratos com uma beca  de formatura. Vou ajudar  todos os meus familiares, este é o meu objetivo.

A velha não botou fé, não levou a sério o diálogo com a nova empregada, mesmo assim a promoveu e pela honestidade demonstrada  além do café, entregou os quartos para arrumação.

A menina passou a acordar mais cedo, madrugava.  A cozinheira não morava na hospedaria, quando chegava tudo já estava pronto. Quintal varrido e lavado, feijão catado e de molho, carnes cortadas e temperadas, a mesa posta e algumas novas guloseimas a enriquecer a mesa da tradicional pensão.
 
Os hóspedes cada dia mais satisfeitos, principalmente com a organização dos  quartos,  a limpeza dos sanitários e  a impecável honestidade da funcionária. Vez ou outra  facilitavam, moedas sobre as mesas, cédulas dentro de livros, com as pontas à mostras,  mesmo assim nada a reclamar, a moça foi ganhando confiança e com ela pequenos agrados: roupas, sapatos, produtos de  beleza e aos poucos foi se revelando.

Passado meses já circulava na sala da televisão, com muito respeito e postura, vezes para servir um suco, uma água,  socorrer alguns com dor, servindo  analgésicos e até mesmo participando de conversas após os telejornais. A esta altura,  já procurara vaga numa escola pública para completar os seus estudos, não conseguiu devido a idade e entrou numa escola de aceleração, concluiu  em 18 meses  os três anos do colegial.

Dona Gertrudes  já se orgulhava da sua  caipira, já acreditava nas suas palavras e podia deslumbrar um futuro melhor, um brilhante amanhã. 
 
Nenhuma desavença com os hóspedes, nenhuma notícia que arranhasse a sua reputação como mulher, não dava atenção às tentações dos moradores, exigia reciprocidade no respeito. Do trabalho para a escola ou para a biblioteca,  tudo nos conformes. A honestidade, o trabalho e a predestinação para um mundo melhor eram as suas marcas pétreas. A velha patroa vivia  e dormia em paz.
 
Um belo dia, a menina pediu a  palavra à patroa para comunicar um episódio da sua vida:

"Dona Gertrudes preciso falar com a senhora, fui convidada para cuidar de um ancião. Mora com a filha  num bairro nobre e só trabalharei até às 17h, poderei estudar à noite e terei carteira  assinada, o que a senhora acha e o que me aconselha?

A velha não gostou, como perder uma funcionária de tão boa índole, de tão bom perfil e cheia de força de  vontade? Como perder? Quis botar gosto ruim, mas o senso de responsabilidade  falou mais alto.
 
Não só apoiou como também deu alguns conselhos e uma pequena ajuda financeira, passou a ser uma orientadora, a partir daquele dia saía mais um cidadão da informalidade.

A menina sinalizou e foi  ao encontro do novo emprego. Uma casa fria, paredes cinzas em um bairro nobre, o limo caia pelos muros e os escuros móveis, de madeiras de Lei, mostravam sinais de saudosismo e  de abandono.  Nela morava uma senhora de meia idade  e o seu pai,  um viúvo na oitava década da vida que sofrera injúrias na saúde e necessitava de ajuda para os afazeres primários.
 
A filha do ancião, uma funcionária da prefeitura,  a recepcionou e passou as coordenadas:

"Meu pai é  um homem  culto, é professor  universitário aposentado e tem  ciúme dos seus livros, tenha muito cuidado.  Não esqueça dos seus remédios, da alimentação e da higiene, chegarei mais cedo."

Esta era a ladainha diária. O senhor  era um sujeito de posses materiais  e de pouca renda, como quase todos os professores deste país. Vivia de alguns aluguéis e de uma pequena aposentadoria, por isso morava com a filha solteira nesta casa mal cuidada  e sem manutenção, motivo de ser este  casarão quase que abandonado, apesar das posses, não existia renda.
 
A menina trabalhava até às 17h, conversava muito com o ancião e aprendia o que não existia nos livros.  O trabalho era  um verdadeiro aprendizado, fazia parte da universidade da vida, recolhia-se ao seu aposento  e à noite freqüentava novos cursos preparatórios para o futuro.

O quarto ficava nos fundos, era  pequeno,  como  de costume nas construções de luxo das metrópoles, para o serviçal, um pequeno cubículo serviçal, porém era só seu.  Tinha um pequeno banheiro, ficava colado à cozinha e à  área de serviço, dava para os fundos da rua, avistava os carros enfileirados e outros lado a lado, não era um quarto descente para a casa que morava, mas era um quarto só seu, assim pensava:" para uma orelha seca já era uma vitória".

A menina vivia como merecia, o sol não mais queimava a sua pele,  as roupas soltas e finas revelavam o belo corpo da juventude.  Peitos cheios, macios e brilhosos, não necessitavam de apetrechos para sustentá-los. Cintura fina, nádegas dura e levantada, pernas torneadas com toda a  beleza da mocidade, panturrilhas de causar inveja e pés delicados, a garota no passado era maltratada.

Cuidou do ancião até o dia em que o mesmo olhando para os belos seios da pequena,  quis massageá-los. A câmara mostrou a sua delicadeza, a  reação com urbanismo e a seriedade quando  o repreendeu sem ofendê-lo. De imediato comunicou à patroa sobre o ocorrido e com a voz segura e equilibrada falou:.

"Dona Glória  me desculpe, mas não posso mais trabalhar nesta casa, seu pai já está recuperado, corado, com bom raciocínio e não mais precisa de uma ajudante, ele precisa de uma cuidadora madura  como  companhia, seguirei o meu caminho, o futuro me aguarda."

Dona  Glória de tudo fez para amenizar e apaziguar, sem sucesso.   A bela menina partiu para o mercado. 
 
Jornal à mão, dedo ao telefone e logo se encontrava sentada numa  sala à espera do futuro patrão.
 
Cabelos penteados, blusa branca, blazer preto, saia quadriculada e sapatos pretos de salto médio. Os olhos bateram com os olhos de um jovem senhor que adentrou à sala.  
 
A moça pensou: "Quem seria aquele moço? Quem seria?"
 
O mesmo sumiu  e só duas  horas depois foi revelado a sua identidade, tratava-se do  seu futuro empregador.
 
A garota respondeu ao entrevistador, o quarentão de horas atrás:

"Nunca trabalhei neste tipo de serviço, só trabalhei em casa de família, se ficar estou realizando o meu sonho, comunicarei primeiro à minha mãe, ela ficará orgulhosa de mim, será a porta de entrada para uma nova vida, farei de tudo para dar certo, farei de tudo."

O jovem empregador sentiu no olhar da donzela um futuro promissor, sentiu que aquele encontro seria um elo importante na sua vida, aquele emprego apesar de simples seria o ponta pé inicial para uma bela e independente carreira, seria o início do orgulho profissional esperado por sua cuidadosa  e humilde mãe,  que de longe rogava a Deus por dias melhores. 
 
No fim da entrevista o senhor de meia idade comunica o veredicto:

"Menina o emprego é seu, começa amanhã e faça tudo para aprender. São três meses de experiência, depois contrato definitivo.
 
"Lembre-se também  que não deverá encará-lo como emprego para o resto da vida, trata-se de mais uma etapa ,  mais um degrau da sua vitoriosa trajetória, no entanto , enquanto aqui permanecer tem que ser com muita competência e responsabilidade."

A menina tomou conta do ambiente.  Rápida, dinâmica, amiga, interessada, limpa  e inteligente tinha muita identidade com o jovem patrão. Fez curso, fez preparo para o vestibular, passou a ser enxergada e a enxergar o padrão como fazendo parte de sua vida.
 
Relacionamento trabalhista respeitoso,    conseguiram viver por um bom tempo  dias felizes e de alegrias.  Como  nem tudo são flores e existem os espinhos, o ciclo terminou e a feroz interiorna se despediu do emprego.  Continuou os seus estudos,   procurou novos rumos e com o tempo foi se distanciando do passado comprometedor.
 
Encontrou um  relacionamento e honrosamente se afastou definitivamente do seu primeiro emprego  formal, começou uma nova e longa aventura.
 
Ingressou no Curso  Superior colando grau 04 anos depois , sempre se superando. Com saga pelo  conhecimento e de crescer, foi perdendo o elã pelo  novo companheiro, que parou no tempo e no espaço. Um   jovem de pensamento mesquinho, conservador, arcaico, sem dinamismo e sem força de vontade. A menina foi  sentimentalmente se desinteressando  até o afastamento dos corpos, da pele e do diálogo. 

Partiu sozinha para novas conquistas e voou para outras plagas à procura de melhores dias.
 
Da sua mente sempre se  escuta as palavras do jovem empregador:
                               " O céu é o limite, avante"
 
Este  foi e sempre será a luta de mais uma vitoriosa que acredita em si e no futuro da vida.
 
O CEU É O LIMITE.

Iderval Reginaldo Tenório 
2001
 
ASA BRABNCA- LUIZ GONZAGA E HUMBERTO TEIXEIRA 1947
A VOLTA DA ASA BRANCA- JOSÉ DANTAS E LUIZ GONZAGA 1951
 

Asa Branca/A Volta Da Asa Branca

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Provided to YouTube by RCA Records Label Asa Branca/A Volta Da Asa Branca · Luiz Gonzaga Espetáculo Das Seis E Meia ℗ 1977 SONY MUSIC ...
YouTube · Luiz Gonzaga - Topic · 8 de nov. de 2014