sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Incêndio na Chapada do Araripe- 1964

                            

                                            O Fogo e a Caatinga

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CAATINGA> Incêndios devastam vegetação nativa no Ceará; queimadas não param  crescer - CENTRO-SUL | CENTRO-SUL - Diário do Nordeste 

O homem , a Caatinga e o fogo

Com recorde de queimadas, governo gasta só 18% do orçamento contra incêndio 

O Fogo comendo a Caatinga

Crianças vivem as memórias e o medo dos incêndios no Pantanal

A mente da Criança.

 

   Incêndio na Chapada do Araripe  de 1964


A caatinga ardia em chamas, o proprietário   e  alguns trabalhadores roçavam as ressecadas moitas  de jiquiris,    canafistas e outros    arbustos do semi árido nordeste. 

Do outro lado a sua esposa,     acompanhada por  mulheres e rapazolas,  limpavam os aceiros contra laterais da velha estrada de chão batido. Retiravam garranchos,  gravetos e  capins desidratados , uma vez que  a caatinga seca  tem a mesma combustão da bucha ensopada com gasolina, quase semelhante à queima da pólvora. 

As últimas chuvas datavam de anos.  Barreiros secos,  animais esquálidos e as asas brancas a procurarem outras plagas, apenas os pássaros mais resistentes voavam contracenando com as miragens que vibravam tangenciando o duro, vermelho e ressecado  solo  serrano. 

O verde encontrava-se cinza, o sol queimava a pele, a cabeça, o coração, a mente e a alma dos fortes homens do campo, era mais um período de seca,  sem água,  de fome e de sofrimentos.

Anuns,   carcarás, gaviões, teiús  e cascavéis rodeavam as ilhas verdes  ensombradas  pelos umbuzeiros, cajueiros, facheiros, xique-xiques e mandacarus  à   procura de preás, saguins, calangos, pássaros , besouros , formigas e cupins  para matar a fome.

As rajadas de ventos , muitas vezes em redemoinhos, levavam de eito tudo que encontravam pela frente.  Penas, ciscos,  folhas, ninhos de pássaros,  restos de gafanhotos, argilas e estercos  flutuavam  de um lado para o  outro  como se a velha Chapada do Araripe estivesse a caducar ou pagando os seus pecados.

Num visível processo de desertificação,  as lufadas dos ventos  e o mormaço invadiam as desprotegidas  capoeiras e consumiam sem piedade os últimos lampejos de vida.

Pássaros,   insetos rasteiros , insetos  alados e até mesmo os  resistentes répteis eram triturados pelo sol causticante  do meio dia.

O descampado da  vegetação xerófila , os cabeças de frades, os rabos de raposas e os mandacarus mirins maltratados pelo escaldante calor,  transformavam a caatinga num cinza transparente, expondo ao sol ardente    os  animais  , os vegetais e os recursos naturais  modificando   o ecossistema.

O céu azul , sem nenhuma nuvem, propiciava a visibilidade do mais longínquo infinito.  O astro rei, como se estivesse a metros, consumia  com as suas  labaredas a ressecada e moribunda carcaça da velha Serra do Araripe.  

Zezinho viu, viveu , apagou fogo e sobreviveu.  A  mente da criança gravou  dantesca cena.

O fogaréu vermelho a cuspir fumaça, os estalos dos gravetos finos e secos em chamas, as faiscantes fuligens carregadas pelos ventos salpicavam a troposfera a espalhar o incêndio para outras plagas.

Os homens com molambos molhados no rosto a proteger as ofegantes narinas e os olhos tracomatosos.  Mulheres com panos e vassouras de galhos secos a varrerem as margens da estrada e adolescentes correndo em desespero  aos gritos de guerras,  com cabaças d'agua a matar a sede e  ensopar os protetores molambos  dos apagadores do fogo. O Zezinho encravado no coração do furdunço fumacento,  à procura dos pais,  fez parte deste tenebroso universo. 

Foram momentos de medo, choro , de insignificância,  de coragem e reflexão .

Foi mais um fato vivido e registrado na sua existência pueril. Mais uma lição da natureza e a certeza que o homem do campo, o homem sofrido do nordeste é forte , resistente e merece respeito.

O menino cresceu, lutou, estudou  e envelheceu, porém, jamais deixou que a criança agreste que existe dentro de si sucumbisse e desaparecesse.

Entendeu que os segredos da vida só sabe  quem viveu, quem presenciou e sentiu.  Traz de lembranças algumas cicatrizes e dois pterígios , marcas registradas dos sertões pernambucanos.

 Zezinho fez e faz parte deste tenebroso  universo.  Ele viu, viveu e sobreviveu. O Zezinho é um sobrevivente, como disse o Euclides da Cunha , é antes de tudo, um forte. 

 É um verdadeiro apagador de indêndios, é um sobrevivente.

Salvador, 18 de Março de 1986

Iderval Reginaldo Tenório


A "Sonata ao Luar", que serviu de tema para inúmeros filmes e romances, só recebeu seu apelido em 1832, cinco anos depois da morte de Beethoven.
YouTube · Musiclassic · 15 de jul. de 2014
 
 
 
 
Música do CD: Luiz Gonzaga – 50 Anos de Chão.
YouTube · Geylsson Ylsson · 24 de fev. de 2016


 

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