O PRECONCEITO-Era para ser só uma tarde divertida- Cris Pereira
Era para ser só uma tarde divertida
Era para ser só uma tarde divertida de jogos com meu sobrinho e o amiguinho dele de infância como parte da comemoração pelo seu aniversário. Mas, infelizmente, em nosso país uma pessoa preta nunca está isenta de sofrer racismo e uma leve saída vira uma triste cena de desrespeito e invasão de seu momento de lazer com seus afetos.
Estávamos eu, minha
mãe, minha irmã, meu sobrinho e seu amiguinho no Salvador Norte
Shopping e, após a divertida tarde de jogos, levei-os para lanchar. Meu
sobrinho pediu hambúrguer, seu amiguinho batata frita e depois os dois
gritaram em coro: sorveteee!
Me dirigi até uma lanchonete e pedi o
combo, já que teria os dois produtos e o refrigerante.Com o pedido na
mão, me dirigi até a mesa e comecei a entregar para os meninos. Todos
estavam bem animados e prontos para devorar seus lanches.
De repente, fomos interrompidos por uma senhora branca que, sem pedir licença, chegou abrindo a carteira e dizendo para eu ir comprar um outro lanche e que não dividisse um único pedido entre os meninos. Eu, assustada, disse que não precisava ao que ela, insistindo, disse que eu não tivesse vergonha e que aceitasse o dinheiro para que os pobres meninos não precisassem dividir o lanche. Eu continuava sem entender nada e insistia para que ela pegasse o dinheiro, pois não era questão de falta de recursos e, sim, de preferência. Que inocência minha, desde quando , nós, pretos, temos direito a preferir alguma coisa?
Chimamanda
Adichie em uma conferência do Ted nos adverte sobre o perigo de uma
história única. Essa referência nunca fez tanto sentido para mim como
ontem. Não interessava para aquela mulher a minha história. Não
interessava para ela saber se eu tinha condições ou não de comprar um
lanche. Não interessava saber o local que eu ocupo na sociedade. Não
interessava saber que, felizmente, embora eu seja preta, não vim de
um contexto de dificuldade. A única história que ela sabe sobre o povo
preto é que nós somos sempre desprovidos de recursos. Estamos sempre à
espera de um branco salvador que irá nos tirar de uma condição
miserável. De fato, a única visão que prevalece é de uma história única.
A vida é uma constante matéria-prima para as nossas escrevivências.