segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Lampião invade a fazenda do Coronel Tenório nas Alagoas.


COISAS DO NORDESTE

                                                                 Coronel Tenório  

                                                                             e o

Capitão Virgulino Ferreira Lampião
 
I

A CHEGADA DO BANDO

O Coronel  Tenório era um homem de fibra. Um Nordestino autêntico, valente, decidido, justo  e respeitador, um homem calmo e sereno.  Foram estas  propriedades que deram ao coronel, uma  grande liderança  em todo o sertão, notadamente  nos grotões  das terras dos marechais.

Historiam  os mais velhos da família, os amigos e alguns dos seus comandados,  que num belo domingo ensolarado, na Fazenda Alvorada, nos sertões das Alagoas, lá pelos idos de 1930,  adentrou no casarão de  sua sede, o bando do famigerado e facínora Capitão Virgulino Ferreira Lampião.  
 
Naquela época,  o capitão  era considerado o terror do nordeste, o destruidor das famílias e dos homens de bem e de bens, e  que para se manter popular, protegido e invisível,  deixava para  os abandonados e sem camisas,  uma pequena parte dos seus roubos. Propriedade esta, praticada há centenas de anos pelos conquistadores e políticos desonestos da humanidade, vide o seu maior exemplo e espelho, o  inglês  Robin Hood. Com esta estratégia, raro era o sertanejo que o denunciasse ou passasse informações sobre os seus escondirijos. Foi assim que construiu o seu condado, a sua governança e o seu império. 

Contam os mais velhos, que Lampião chegou à sede da fazenda, bem na hora do almoço, o calor era infernal e o sol batia verticalmente sobre a cabeça dos sitiantes, escaldava e queimava a mais de quarenta e dois  graus. Encontrava-se com  sede e muita  fome, a munição de bucho estava no fim. Cortara os sertões  toda a madrugada por cima de pedras, tocos,  mandacarús, rabos de rapousa e xique-xiques.  
 
O capitão adentrou com seis capangas, dentre eles, o perverso ferrador de mulheres,  Zé Baiano. Este,  deixava a ferro quente, a sua marca  ZB no rosto das vítimas. Maria Bonita, a Santinha, por segurança, ficou no oitão da casa protegida por dezoito homens armados até os dentes, além do seu maquiador, carregador de sacolas e cuidador dos animais, o Volta Seca, à época com 13 anos de idade e que depois dos 15 anos, transformou-se num dos mais miseráveis cangaceiros, estava acompanhada também   do novato Zé Sereno,  com 14 anos de idade,   e que dizia   que a sua caneta era um punhal e o papel o bucho de suas vítimas. 
 
Zé Sereno era um menino negro, magro, zoiúdo, serelepe e analfabeto,  era primo carnal do sanguinário Zé Baiano, um cangaceiro de olhos vermelhos e rosto petrificado.  Toda a sua família fazia parte do cangaço, pai, tios, tias, primos, sobrinhos, cunhados   e irmãos. Para matar, não fazia nem careta, bastava ser ordenado, tomava ódio da vítma logo que fosse designado ao crime. 
 
O capitão, o governador do sertão,   foi recebido pelo velho Tenório com muito respeito e entusiasmo.

          II- 

A RECEPÇÃO 

O Velho  Tenório, que saboreava um apetitoso e apimentado ensopado de carneiro, levantou-se e com voz firme e encorpada, falou dirigindo-se ao nobre visitante:

"seja bem vindo a esta morada Capitão Virgulino Ferreira Lampião, há muito que espero e aguardo por sua aconchegante visita.  Aproxime-se,  aprochegue-se, junte-se a nós e traga os seus cabras. Aqui tem comida para todos e da boa, depois tiraremos uns bons dedos de prosa."

Lampião ficou em silêncio e perplexo com a inusitada e   corajosa recepção.  Um dos seus homens, mansamente  preparou o fuzil mauser 1908,  avançou o polido pente amarelo  cheio de cápsulas e encaixou a primeira para disparo. Apoiou a coronha no músculo peitoral   direito,  colocou o grosso e calejado  dedo indicador no gatilho e mirou a fuça do velho Tenório.

O Capitão Lampião na bucha falou:

"abaixe a arma cabra safado, abaixe o fuzí e vorte os cartuchos, fique carmo, deixe de liotria, escuite o home."

O coronel Tenório emendou:

"onde anda a guerreira Maria Bonita capitão, eu e a minha mulher, Waldirene, ficaríamos muito gratos em conhecê-la e termos a mesma na nossa mesa, seria um orgulho para todos nós"

 O capitão Lampião olha para trás e fala em voz arrastada:

"pode entrar Santinha, o Coroné Tenório  e a sua patroa quer  lhe conhecer, pode entrar,  o coroné é de paiz."

Quando Maria Bonita entrou, o coronel levantou-se da cadeira, deu alguns  passos para frente e com entusiasmo falou:

"Capitão Virgulino Ferreira  Lampião, a mulher é muito mais bonita e formosa do que eu pensava e imaginava, o senhor está de parabéns em viver com uma senhora tão bonita, forte, firme, educada, inteligente, valente, corajosa muito afeiçoada. O capitão é na verdade um cabra muito macho, é um homem altivo e vencedor.

Os cabras de Lampião não agüentaram as cortantes palavras e todos armaram os seus fuzis 1908 e miraram o coração  do dono da casa.
 
Lampião não suportou a ofensa dos seus cangaceiros  para com o corajoso anfitrião,  falou com o dedo em riste, olhos arregalados, cara de boi bravo  e voz em trovão:

"abaixem as armas seus cabras  mal agradecidos, aprendam a respeitar um homem que é homem, um homem de valor. Um homem deste tipo, altivo, valente, decidido, macho e corajoso não merece morrer e nem ser importunado. Temos é que elogiar as suas ações, se mirar na sua coragem,  força e  ensinamentos, são homens deste tipo que o Brasil precisa, abaixem os fuzis cabras safados e respeitem o  coroné".
 
O silêncio foi sepulcral. 

Lampião e o seu bando almoçaram, confabularam até o anoitecer, jantaram os  miúdos do carneiro, em forma de buchada,   encheram  os seus alforjes de mantimentos, oferecidos pelo coronel e arriaram os animais. Maria Bonita, a Santinha, ganhou da esposa do coronel, dona Waldirene, alguns frascos de Perfumes e sabonetes  Phebo, os melhores da época, como também uma caixa aveludada portando um grosso cordão de ouro, 18 kilates, e uma medalha, também de ouro, cunhada com a imagem do  Padim Ciço de Juazeiro do Norte e  abençoda pelo próprio  santo padre.
 
Perfilados e após o aval dos dois  rastejadores do bando,   sumiram e se encataram   na caatinga  sertão adentro. 
 
Dizia Lampião que a noite é mais fresca,  mais segura e as fazendas ficam desertas. Enquanto o povo dorme o seu bando trabalha.
 
Nunca mais se soube de qualquer invasão do Capitão Lampião naquelas paragens.
 
O velho  Tenório, além de forte e corajoso, foi muito macho.
 
Coroné nos sertões do nordeste não é Coronel de Patente, basta ter terras, dinheiro e prestígios. Gerlamente de pai para filho, não diferente dos polticos de hoje em alguns Estados do país. 

Iderval Reginaldo Tenório


4 comentários:

Anônimo disse...

Realmente, muita ousadia e muita Coragem do Coronel Tenório. Lampião ficou perplexo! com a acolhida do Coronel ao seu bando. Passando a respeitá-lo à partir daquele momento.

Anônimo disse...

Gostaria de ouvir mais histórias do Lampião e seu bando. montaneiro57@gmail.com. Agnaldo

Agnaldo Monteiro disse...

Quem realmente foi Lampião e seu bando? Herói, vilão, bandido? Até hoje! não se sabe direito.

iderval.blogspot.com disse...

O Virgulino foi mais um bandoleiro dos milhares do país e dos milhões em tido o mundo. A história da Europa, dos EUA, da Ásia e do Oriente cita as atrocidades dos seus cangaceiros em busca do poder.Lampião foi apenas mais um. LEIA CORPO VIVO de Adônis Filho e mergulhe no cangaço em 1880, conheça o invencível CAJANGO no sul da Bahia.