sábado, 15 de julho de 2023

Zé Dantas, Luiz Gonzaga e Samarica Parteira

 Ecad destaca as músicas mais tocadas de Gonzagão – Portal SUCESSO!

Blog do Mendes & Mendes: A VISTA ESQUERDA DE LAMPIÃO

O Nordeste, os costumes e os seus paradigmas.

 
Zé Dantas, Luiz Gonzaga e Samarica Parteira, uma viagem à ancestralidade Nordestina.

 
Quem nas Caatingas do Nordeste nasceu, cresceu, e arribou para outras plagas em busca de melhores dias, conhece muito bem os seus sertões e os seus mistérios. 

José de Souza Dantas Filho, conhecido como Zé Dantas, nasceu em 1921, na cidade de Carnaíba, estado de Pernambuco. É considerado um dos principais compositores deste país, um dos alavancadores do sucesso do Rei Luiz Gonzaga, e soube muito bem documentar os costumes do sertão. Registrou o afloramento dos hormônios sexuais na adolescência do ser humano; a lida diária de um povo sofrido; e o nascimento de nobres e de desconhecidos nordestinos. Registrou a hierarquia pétrea dos homens rústicos e diversos eventos do Vale do Pajeú e do Vale do rio Riacho do Navio, episódios peculiares a todos os povos catingueiros do Brasil.

Na região do Pajeú, nos sertões pernambucanos, os seus pais eram considerados ricos. Eram pecuaristas e agricultores, tinham importancia política na região, inclusive o seu pai foi prefeito da cidade de Flores, município do qual se desgarrou Carnaíba, o seu distrito natal, que foi elevado a cidade em 1953, quando o mestre estava com 32 anos de idade, já residindo no Rio de Janeiro.

No ano de 1936 foi morar no Recife, para estudar e cursar a Medicina. Zé Dantas era considerado um jovem culto; estudioso do folclore, problemas ambientais, humanos, sociais e dos costumes regionais. Tanto que, já em 1937, aos 16 anos, escrevia sobre os costumes e as coisas do sertão. Naquela época suas crônicas eram publicadas nos jornais da escola e em periódicos regionais, até mesmo da capital pernambucana.

Em 1947, quando o Rei do Baião, já famoso, iria realizar diversas apresentações no Recife, o Zé foi até o hotel onde se hospedava o rei Luiz e conseguiu mostrar-lhe algumas de suas composições. O visionário sanfoneiro gostou; e não deu outra, gravou duas que se transformaram em pérolas do cancioneiro brasileiro: “O forró de Mané Vito” e “Vem morena”, que estrondaram no Sul e depois em todo o território nacional. Ali, nascia mais uma grande parceria com o Rei Do Baião.

Em resposta à pérola "Asa Branca", de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, gravada em 1945, considerada o hino do Nordeste, e que documentava a seca, o êxodo rural, o sofrimento de um povo e o anonimato dos homens do campo, Zé Dantas apresentou ao Rei Luiz Gonzaga a “Volta da Asa Branca”, gravada em 1950. Nesta canção o autor documenta o retorno do nordestino aos primeiros lampejos de chuva. A música mostra a alegria, o orgulho de ser do Nordeste, a vontade de voltar para casa, seu torrão e seu povo. É uma injeção de valorização e autoestima. Afirma, e reafirma, que basta chover para o sertão virar riachos, barreiros, lagoas, açudes, mar, pomar, fartura, vida, casamentos e novos rebentos. O cinza muda para o verde; os pássaros cantam, os sapos coaxam; os homens renascem e realizam os seus sonhos. 

“A Volta da Asa Branca”, de Zé Dantas, é considerada, tal qual a “Asa Branca”, mais um hino do Nordeste, porém repleto de autoestima e fidelidade à terra, pois traz alegria, esperança, prosperidade, expectativas, sonhos e o nascimento de milhares de nordestinos.

Em 1949, o filho de Carnaíba colou grau em Medicina; em 1950 migrou para o Rio de Janeiro para fazer residência em Ginecologia e Obstetrícia. No Rio de Janeiro aproximou-se mais ainda de Luiz Gonzaga e de Humberto Teixeira, a ponto de apresentarem um programa radiofônico durante o qual o trio contava e cantava coisas do Nordeste.

Segundo Luiz Gonzaga, o Zé Dantas se instruiu com esmero e virou Doutor da Medicina, porém não despregou os pés da caatinga. Mesmo com todo o polimento educacional, continuou com a autenticidade do Vale do Pajeú. O homem era um trovão, um caipira, um capiau, um rupestre travestido de um grande médico por mérito, sabedoria e experiência de vida. Sabia tanto escrever, compor, contar causos, como tudo de sua especialidade médica de cuidar da saúde da mulher.

Zé Dantas era uma enciclopédia nordestina encravada nas ciências humanas, sociais, psicológicas, antropológica e geopolítica. Era um ser humano do mais alto quilate, de extrema sinceridade e leal à suas raízes.

Luiz Gonzaga conta que um dia Zé Dantas apareceu com duas composições musicais. A primeira, uma peça científica que versava sobre a transição feminina da adolescência para a fase adulta; falava dos desejos femininos com o desabrochar dos hormônios sexuais e que a batizou com o nome de “Xote das Meninas”. A segunda, batizada com o nome de “Samarica Parteira”, gravada em 1973, onze anos após a sua  morte, documentava os encantos, os segredos, as práticas e as crenças na realização de partos nos mais longínquos grotões brasileiros. Frisava os mistérios, os costumes e as diligências aplicadas por mulheres parteiras num dos  momentos mais  sublime da vida, lendas estas  que  durante toda a vida, o nordestino  também  a chama de mãe. Milhares eram  as  mães Samaricas   por estes sertões abandonados e governandos por coronéis.

No “Xote das Meninas” Zé Dantas aplica os conhecimentos fisiológicos e psíquicos; relata as metamorfoses e os desejos na formação de uma mulher depois de ensopadas pelos hormônios femininos, estrógenos e progesterona. Em “Samarica parteira” ele descreve as diligências, os costumes, as crenças e o papel de cada ser no universo da caatinga, desde coronéis a parteiras, perpassando pelos diversos tipos de ajudantes; dá voz a animais e ao solo, com destaque aos sons das cancelas, dos lajedos e à voz dos sapos. No seu relato registra a geografia, a história, as congratulações e as interações de um povo para com a terra, os animais, as águas, o sexo e as tradições.

Zé Dantas nada mais fez do que documentar, letra por letra, ponto por ponto, o falar, o viver e o comportar dos verdadeiros autóctones de todos os catingueiros do País. O carnaibano, ou o carnaibense, José Dantas foi sublime na documentação, no recado e na autenticidade de um povo. O Zé foi o Zé de corpo e alma. Ressuscitou, mentalmente, os ancestrais cariris, tapuias e tupiniquins. Trouxe à baila o trabalho de parto e as heranças dos indígenas brasileiros, nossos ancestrais. Foi assim que todos os catingueiros nasceram, inclusive o fenomenal José Dantas de Souza Filho. 

Zé Dantas mostrou que somos frutos das secas e das chuvas; das alegrias e das tristezas; dos ventos e das calmarias; da lua prateada e do sol causticante; das terras e dos céus. Somos todos componentes de um rebanho de esperanças; somos verdadeiras asas brancas.

 Somos Zé, Luiz, Humberto e sertão. Somos sobreviventes e gentes nordestinas. Somos cariris, tapuias, pataxós, potiguares, xucurus, tupinambás e coremas, somos gente. 

Somos brasileiros da gema.

Salvador, 15 de Julho de 2023

Iderval Reginaldo Tenório

 Escutem esta pérola sociologica

Luiz Gonzaga - Samarica Parteira - YouTube

 

José de Souza Dantas Filho-  Nascido em Carnaiba, Pe 1921 - Falecido no Rio de Janeiro 1962, com 41 anos de idade.
 

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