quinta-feira, 18 de março de 2021

O VELHO CAVALO Sertão do Ceará, 1915 .

 O cavalo e o burro | A Ovelha Perdida

                                                                                                  O Burro e o Cavalo                                                                     

                                                                          O VELHO CAVALO                                                           

                                                                        Sertão do Ceará, 1915 .



Ano 1915, um almocreve de meia idade negociava nos cafundós e nos grotões da esturricada Serra do Araripe, divisa do Ceará com Pernambuco. Possuia uma parelha de animais, um belo equino, bom de marcha e um musculoso muar, bom de carga, longas eram as distâncias e belos os lugares percorridos na lida diária, o muar para as cargas , o equino para os passeios.

Junto ao patrão o garboso cavalo sempre nas festas, nos namoros, nas comemorações e nas grandes corridas, era com orgulho que o belo animal desfilava naqueles sertões, bem tratado, bem alimentado, bom capim, boa alfafa, excelente milho e tortas de caroços de algodão, era vida de rei.

Impecáveis arreios e vistosos ornamentos, manta vermelha, sela macia, peitoral ornado com estrela de metal , rédeas e alforjes de couro curtido de carneiro, rabicho trançado com fio de seda, boqueira e estribos de pura prata, polidos, encerados e bem conservados, vivia época de glórias.

Orgulhava-se quando nas paragens recebia preços e apreços, recebia avaliação, elogios e jamais o cavaleiro pendia para negociação. Era um animal faceiro, elegante, orgulhoso e cheio de brios, na sua garupa as mais belas donzelas e as mais macias das nádegas, era motivo de festas onde chegava com os seus passos, galopes e trotes numa demonstração de força e virilidade , qualidades estas que lhe credenciavam a cruzar semanalmente com uma bela égua ou uma formosa e elegante asinina, assim era o pomposo e pabo cavalo, cheio de garbo.

O muar, coitado, a subir ladeiras e a cortar caminhos, dois a três sacos na pesada cangalha pregada no lombo, cabresto de cordas de croá, rabicho de agave e duas puídas viseiras de couro cru em cada lado da cabeça obstruindo, tapando, abortando, escurecendo e a impedir a visão lateral, no pescoço um pesado chocalho para a sua identificação.

Nos fins de semana , durante o dia , quatro cambitos para o carregamento de lenha e feixes de canas, à noite dois caçuás para o transporte de frutas , garrafas e diversas mercadorias no seu lugarejo. Como pastagem capim seco, algumas relvas , palhas de milhos encontradas nos arredores e nos monturos das casas, não sabia se vivia para comer e trabalhar ou só teria comida se trabalhasse.

Longas eram as conversas entre os dois animais, o muar piado nas duas patas direitas, triste e a lamentar , porém conformado por lhes sobrar a vida para o trabalho ; o outro , solto pelos terreiros, falante, garboso e risonho; ambos confabulavam sobre as suas vidas, as injustiças e quão ingrata era a vida para um deles, a diferença era exorbitante, era de fazer pena e foi assim durante muitos anos, um sempre sorrindo e a gargalhar, o outro... o outro só Deus para socorrer.

Como o tempo é o pai, o aconselhador e o diluidor dos sofrimentos e a esperança é a mãe de todos os animais, uma década se passou , os dois viventes sempre a dialogar.

Com a falta das chuvas foram escasseando as vendas e aumentando as despesas, motivo mais do que suficiente para o almocreve diminuir os momentos de festas e de alegrias, primeiro se desfez dos belos arreios, diminuiu a compra de alimentos especiais e como necessitava aumentar o volume das cargas passou a utilizar os dois animais na lida diária, os passeios recreativos do equino passaram a ser coisas do passado.

O belo e orgulhoso equino passou a andar na vala comum , lado a lado com o muar, a sela foi substituída por uma cangalha , um saco de cada lado e o dono escanchado no meio, desta vez contando os passos, pulando grotas, subindo e descendo ladeiras, na ida produtos da lavoura , na volta especiarias para abastecer as bodegas da região: querosene, peixes salgados , açúcar, café e outros mantimentos, com o novo ofício desapareceram as belas éguas, as formosas asininas e os saborosos manjares. O equino passou a sobreviver nos grotões e nos monturos do esturricado sertão.

O muar continuou a sua batalha, agora como coadjuvante, apenas como complemento de cargas, quando o produto era pouco ficava a pastar, a perambular pelas capoeiras à procura de uma relva mais hidratada, vivia a pensar na sua atual e inútil vida. Costas batidas, boca mucha, dentes falhos, amarelados, desgastados e com raias escuras , bicheiras no lombo , espinhaço pelado, cascos rachados e juntas calcificadas, sobrevivia a perambular caatinga adentro. Como era do trabalho, se sentia um inútil. Intediado mergulhou no mundo da tristeza.


O velho equino fazia a vez do muar nas feiras livres dos vilarejos serranos, dois sacos, o dono escanchado no meio da cangalha e o filho na garupa, subia e descia os penhascos do Araripe, já não possuía belas boqueiras de prata.

O rabicho de seda fora substituída por um de cordas a cortar a borda anal, as cilhas, agora de couro cru, com suas grosseiras fivelas a lhes causar mossas na barriga e a traumatizar os bagos aposentados, força era agora a sua maior virtude, força para não sofrer com as pontiagudas esporas que tangenciavam os órgãos genitais, muitas vezes ferindo-os quando desacertava os passos.

A vida endureceu para o faceiro e garboso animal , trouxe à memória os momentos de bonança ao lado do zeloso patrão nos tempos das vacas gordas, das chuvas, das farturas e dos grandes bailes, olhava para os lados e não mais enxergava os pomares verdejantes do caminho, pois os tapa olhos laterais do muar, agora encontravam-se na sua cabeça, vedando os seus olhos, limitando a visão .

O velho cavalo mais participava dos acontecimentos e nem das quermeces , passou a ser um animal de cargas, puramente para comer e para o trabalho, não tinha direito a pensar, seguia a dura e pétrea regra, obediência sem contestação, vivia silente aos puxavancos do puído cabresto que lhe cortava as moídas narinas, do rabicho que magoava o tronco da calda e a borda anal, das cilhas que feriam a barriga, as virilhas e machucavam os inúteis bagos, o animal vivenciava a mais espúria entidade criada pelo dominador, o mais baixo golpe sofrido por um ser vivo, obedecer sem contestar, vivia a mais degradante forma de vida, a escravidão.

Os três foram minguando, o esquálido muar sem trabalho esquecido, menosprezado , deprimido e abandonado foi requisitado pelos produtores de charque. O faceiro equino, agora não mais belo, sem a força da juventude, com a estima em baixa caiu no ostracismo, calda imóvel a proteger o fim dos intestinos, esfíncter este que sofria compressões musculares periódicas ao menor grito, relinchos abafados, olhos sempre para o chão, dentes desgastados, puídos e rentes às gengivas, musculatura minguada, pele áspera e pelos ressecados. Sem força, sem brio e sem pernas foi substituído por sangue novo, mergulhou na solidão, não mais requisitados ao trabalho se embrenhou nos carrascos e nunca mais soube do seu paradeiro, sumiu.

O cavaleiro em crise e em desacerto envelheceu. Sem os seus amigos e provedores animais , com a chegada do progresso , dos bulidos das motocicletas e dos motores mergulhou no esquecimento e na solidão da vida.

Os dias ficaram mais longos, a falta de afazeres lhe consumiram os brios e a cidadania, caiu no esquecimento. De resto, com o exodo e à procura da sobrevivencia , os deseducados filhos, os sofridos netos e os demais descendentes migraram para alimentar como lenha as grandes metrópoles, ora na construção civil , ora na desconstrução da cidadania e ora a forjar uma nação servil, uma nação sem rumo, sem prumo e sem paradeiro . Em terras estranhas batalham , lutam e sobrevivem, muitos mergulham nos mares dos desvios de condutas.

As três vidas após sangrentas lutas ficaram no caminho . O país, alheio aos seus filhos, continua condescendente ao abandono dos mesmos , sem uma instituição sustentada que lhes garanta o futuro, que proporcione vida digna aos que trabalham até os setenta anos e, não vaguem pelos valados até o resto da vida, basta vê os milhares de trabalhadores de ontem, os abandonados de hoje , como os trabalhadores do hoje, os abandonados do amanhã.

Hoje na mesma serra do Araripe, nos mesmos grotões do Nordeste ainda vagam muitos Três Entes à espera do mesmo futuro.

O Mundo gira e tudo se repete, mostrando que na natureza nada se constrói, tudo se transforma, apenas o tempo, como diluidor universal, é quem dita e conduz o destino de cada um, obrigando a viver a vida como o seu único e precioso patrimônio.

Assim foi a vida do velho cavalo, a vida do forte burro , a vida do almocreve e o caminho dos seus descendentes, onde está o futuro?

Iderval Reginaldo Tenório 2010







Belchior - Populus - YouTube

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14 de jan. de 2017 - Vídeo enviado por Belchior - Topic Provided to YouTube by WM Brazil Populus · Belchior 2 é Demais ℗ 1977 Warner Music Brasil Ltda ...


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ESTRADA DA VIDA COM ZÉ RICO E MILIONÁRIO
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