terça-feira, 16 de junho de 2020

A tungíase é ectoparasitose associada à pobreza- BICHO DE PÉ.


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INTRODUÇÃO
A tungíase é ectoparasitose associada à pobreza, constituindo problema de saúde pública em comunidades carentes.1 Além da remoção do parasita da pele, alguns medicamentos, tópicos e sistêmicos, têm sido utilizados no tratamento, porém não há consenso quanto ao melhor método terapêutico.2 Relata-se caso de tungíase disseminada com boa resposta clínica à ivermectina oral.

RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, 42 anos, trabalhador rural (criador de porcos), apresentando há cinco meses múltiplas lesões papulosas, amareladas, com pontos enegrecidos centrais, localizadas nos pés (Figuras 1 e 2), membros inferiores, mãos (Figura 3), glúteos e genitália, com infecção bacteriana secundária. Foi internado, sendo tratado com ivermectina (12mg/semana) por cinco semanas, antibioticoterapia sistêmica e vacina antitetânica, com resolução total do quadro (Figura 4).












DISCUSSÃO
A Tunga penetrans é a menor das pulgas conhecidas no mundo, com aproximadamente 1mm de comprimento. 1,3 Sua larva se desenvolve em solos quentes, secos e arenosos de praias e zonas rurais.3-5 É endêmica na América do Sul e Central, no Caribe, na África sul-sahariana e oeste da Índia, sendo rara na Europa e América do Norte.4,6,7 Tanto os machos quanto as fêmeas se alimentam de sangue, de maneira intermitente, mas a infestação do parasita na epiderme de alguns mamíferos, entre eles o homem, se dá por fêmeas grávidas.1,4

A história natural da tungíase desenvolve-se em cinco fases, de acordo com a classificação de Fortaleza.4 Na fase I ocorre a penetração da pulga na epiderme, provocando processo inflamatório local com dilatação dos vasos dérmicos. Na fase II, o parasita penetra a cabeça na derme e se alimenta nos vasos sangüíneos; a cauda fica na superfície, para respiração, eliminação de excretas e ovos. Na fase III há produção de ovos; o corpo atinge 7mm de comprimento; é possível então identificar, clinicamente, um halo amarelado abaixo de área hiperceratótica. A fase IV ocorre após a deposição dos ovos. A pulga morre, e sua carapaça é expelida. Por fim, na fase V, há reorganização da epiderme, em aproximadamente quatro semanas, restando pequenos resíduos que ficarão ali por meses. Os ovos liberados na fase III, em três ou quatro dias, tornamse larvas, que se transformam em pupas. Após duas semanas, as pupas estão adultas e, ao encontrar outro hospedeiro, se multiplicam e completam o ciclo.1,4 Ovos, larvas e pupas podem permanecer no solo por semanas ou meses. Por isso, tratar o solo e estimular o uso de calçados em locais contaminados são medidas fundamentais para diminuir a incidência da doença e para sua profilaxia. O uso de repelentes também é útil para diminuir a infestação.8
As lesões podem ocorrer em qualquer parte do corpo, preferencialmente nas regiões plantares periungueais e interdigitais.1,4,9 Podem ser únicas ou múltiplas e se caracterizam por pápulas ceratósicas com elevação central enegrecida, que corresponde à parte posterior da pulga.1,9 De acordo com estudos brasileiros realizados em Fortaleza e no Rio Grande do Sul, estima-se que 16% dos contaminados apresentem tungíase disseminada.10
 
O quadro é geralmente assintomático, mas quando há impetiginização das lesões podem ocorrer eritema, edema, dor, prurido, pústulas, supuração, úlceras e deformidades dos dedos.1,9 Alcoólatras, portadores de doenças mentais e moradores de comunidades subdesenvolvidas são mais predispostos a desenvolver quadros disseminados, com infecção bacteriana secundária.10
Complicações mais raras incluem linfedema, gangrena, perda permanente das unhas, amputação dos dedos, sepse e morte. São descritos casos de colonização das lesões por Streptococcus pyogenes, Staphylococcus aureus, Klebsiella aerogenes, Enterobacter agglomerans, Escherichia coli e outras enterobactérias.3
 
O tétano é complicação comum, estimando-se que cerca de 50% dos casos de tétano nas áreas endêmicas sejam secundários à infestação pela Tunga penetrans.4
 
O tratamento de escolha é a remoção cirúrgica do parasita com material esterilizado.2,9 Nos casos disseminados, não há consenso quanto à melhor opção terapêutica, sendo relatado o uso do niridazole (30mg/kg, medicamento não mais disponível no mercado),11 do tiabendazol (25 a 50mg/kg/dia)3,12 e da ivermectina oral (200μg/kg, em dose única),2,9 além do uso tópico da vaselina salicilada a 20%,13 da ivermectina, do tiabendazol e do metrifonato.14
 
Optou-se pelo tratamento do doente com ivermectina oral. A ivermectina é um antiparasitário desenvolvido na década de 1970. Tem boa absorção por via oral e é excretada completamente pelo sistema biliar. Sua meia-vida é de aproximadamente 12 horas. Sabe-se que a ivermectina estimula a descarga do ácido gama-aminobutírico (Gaba) nas terminações nervosas do parasita, aumentando a fixação do Gaba nos receptores das terminações nervosas. Assim, os impulsos nervosos são interrompidos, levando à paralisia e morte do parasita. É contra-indicada em caso de hipersensibilidade à droga e deve-se ter precaução em lactantes e crianças com menos de 15kg.9

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