Zezinho, Pedrinho e a natureza.
Zezinho, Pedrinho e a Natureza.
Zezinho, 14 anos de idade, 1968, férias nos sertões pernambucano. Pais
agricultores de subexistência, porém
acreditavam na educação como uma das ferramentas para um futuro melhor, não
deixavam os seus filhos sem escola.
Zezinho e Pedro saíram em busca de uma caça para comer, ato comum naquelas paragens nas décadas de sessenta e setenta.
Ao furarem as capoeiras e exaustos, sentaram no tronco de um umbuzeiro, sob o sol causticante,
o único lugar que tinha sombra. Beberam água de cabaça, enxugaram o rosto com a ponta
da camisa e seguiram enfrente.
As armas não eram de
fogo e sim duas baladeiras(estilingues) feitas de gancho de madeira, borracha
de câmara de ar e couro velho de cinto,
achado numa maleta de madeira forrada com couro cru e cuidadosamente guardada
pelo pai, uma vez que, no campo nada vai para o lixo, isto é, nada se rebola no mato, um dia será útil. A reciclagem no
sertão é moda eterna e é levada a sério.
Saíram em silêncio e logo viram
um casal de Codorniz, são tão espertas e atentas que voaram fazendo um grande barulho com o
bater das asas, continuaram a caminhada. Pedro, que ia na frente, avistou um preá
adulto e dois filhotes, puxou as borrachas da baladeira, Zezinho com os dois braços elevados gritou alto:
PARE PEDIM, PARE, exatamente para os animais ganharem a copeira e escaparem. Completou em voz alta :
"Pedim, não se mata filhotes e nem uma mãe que os
conduz. Quando um filho morre
é um trauma para a mãe e quando uma mãe morre, com filhotes pequenos, eles sofrem,
podem morrer de fome ou mesmo serem comidos pelos animais maiores, eles são presas fáceis. Nunca faça
isso Pedim, sei que aqui neste sertão é comum o homem sobreviver caçando
animais, porém tem que seguir algumas regras, já imaginou quantas crianças estão abandonadas no mundo por
falta de uma mãe?".
Pedro não gostou, ele queria era uma caça. Continuaram a caminhada e sempre atentos com os animais peçonhentos,
notadamente as cobras cascavéis que têm
matado ovelhas, bodes, bois, cavalos e também pessoas.
Cortaram a pé mais de uma légua de
caminhada, só carrapichos, rabo de raposa, mandacarus, jiquiris,
coroa-de-frade, facheiro e faveleiros.
Com o sol se pondo e a queda da temperatura, os animais surgem em busca da alimentação e da
água.
Pedro, muito esperto, começa a atirar com a sua arma artesanal, acerta uma rolinha, um
caga-sebo, um corró e um gola, insatisfeito começa a atirar em calangos e lagartixas,
disse que não gosta do balançar das suas cabeças, o Pedro é um menino traquino.
Zezinho reclama e diplomaticamente toma a dianteira. Ao aproximarem-se de um
dos aceiros da capoeira, enxerga um ninho e comunica ao Pedro, era um ninho de
Inhambu, que é conhecida na região como Nambu. Os seus ovos são marrons, tais
quais são as suas penas, eram cinco no seu total. Zezinho não quis levá-los,
porém Pedro bateu o pé e disse que não deixaria os ovos no ninho, não voltaria de mãos vazias e iria
comê-los cozidos.
Zezinho rebateu:
"Pedim meu irmão, são estes
ovos que darão continuidade a existência dos Nambus aqui na terra. Como você e a sua traquinagem não querem deixá-los, vamos
fazer um acordo: Ao chegar em casa você fica com dois e eu com três,
pois foi eu quem achou o ninho. Acho inclusive, que a mãe Nambu não mais voltará para
chocá-los, pois você desfez e pisou no ninho, cortou o capim, expôs ao relento e fez muita zoada, a mãe
está desconfiada e temente, abandonará o ninho em defesa da vida, ela é afavor da vida e não da morte".
Pedro retruca com ar de sabedoria
e com o dedo em riste vocifera:
" Zezinho, você está cheio de leotria e
filosofia, depois que mudou de escola, só fala agora em defender a natureza, os
animais e até falou que matar as abelhas, as formigas e as borboletas é crime,
você está muito diferente. Outra coisa Zezinho, o professor falou na minha escola, que são
os países ricos que destroem a natureza, escravizam as nações pobres e levam tudo de
bom para eles. Você sabia que o café bom e as frutas boas, enfim tudo que for de bom os ricos do
mundo levam para o estrangeiro e para nós só ficam as borras?
Partiram para casa, no caminho Pedro e Zezinho trocaram ideias mirabolantes sobre a natureza e os seus fenômenos, um ensinava ao outro o que sabiam.
O Pedro pegou uma caçarola logo ao chegar em casa, cozinhou os dois ovos e comeu com farinha. O Zezinho viu que na sua
casa uma galinha estava chocando alguns ovos, quando ela saiu para beber água ou
comer alguma coisa, que é rápido e deixou o ninho sozinho, colocou os três ovos entre os da galinha, não disse nada para a sua
mãe e todos os dias ia até o ninho para saber como estavam. Passado 19 dias, os
ovos começaram a eclodir, não é que
nasceram dez pintos brancos e graudos, três
pintos marrons e pequenos!? A galinha quando viu a sua ninhada, provavelmente
achou estranho, porém andava no terreiro com todos os treze, inclusive cuidava
bem dos brancos, porém dava mais atenção aos pequenos e marrons. Dividia os grãos de milho, as
formigas e farinhas em xerém, para os menores e quando ia se deitar colocava os
três marrons em baixo do seu fofo peito, os maiores e brancos sob as duas asas. Orientava os maiores para não chatearem
os seus pequenos filhotes, todos eram irmãos e mereciam o mesmo cuidado, pedia que protegessem os três menores. Os pintinhos
brancos tinham orgulho dos irmãos cor de chocolate, ficavam
impressionados com o talento, a rapidez e a destreza de cada um, os pequenos não paravam, eram incansáveis.
Passado dias, as férias
acabaram, Zezinho e Pedro voltaram para
as suas escolas. O Zezinho chamou o Pedro e
falou:
"Pedim, vejo que você é inteligente e um dia vai
entender a natureza. Vai conhecer a grande variedade de vidas, vai mergulhar no
estudo das raças, das etnias, das matas, dos minerais, dos rios e de tudo que
compõe a terra. Veja que a galinha cuidou dos pintos como se todos fossem seus,
cuidou sem preconceitos e mostrou aos seus pintinhos brancos como é importante respeitar
a diversidade e as diferenças."
Diz o pai de Zezinho, que a
galinha ficava muito alegre quando via os seus filhotes marrons crescerem, voarem, cantarem com tanta precisão as lindas e estranhas melodias, não comuns entre as galinhas.
A família cresceu, os pintos
ficaram adultos e começaram a ter os seus filhos. As Nambus ganharam a capoeira em busca do seu habitat natural, porém, de vez em quando voltavam
para visitar a mãe e cantar para todos os moradores do arraial. Eram
verdadeiras estrelas da natureza. Uma vez vieram mais de trinta e fizeram uma contagiante
apresentação, neste dia os olhos da galinha marejavam de tanto orgulho e alegria, era visível
o soluçar do seu cacarejo. Um grupo cantava em tons iguais, outros em tons diferentes e um, que ficava à frente, comandava com maestria. Havia um menor que se destacava nos silêncios do espetáculo, era um tenor e de grande valor, tinham músicas que todos paravam e o pequeno tenor soltava a sua contagiante voz, o maestro conduzia com sabedoria e orgulho.
Os encontros de família ficaram
inesquecíveis para todos. Não saem de suas mente os belos espetáculos cantados pelo coral dos Inhambus.
Foi assim que Zezinho passou as suas férias e
junto ao Pedro organizaram um debate na escola com todos os colegas, o
Pedim, conquistado pelas ideias do colega, foi o seu coordenador e
escolheu o assunto :
TUDO PELA NATUREZA. CUIDE DA FAUNA E DA FLORA. CUIDE DOS MORROS, DOS RIOS E DO
HOMEM. O MUNDO É DE TODOS E MERECE RESPEITO.
CUIDE DA NATUREZA.
Salcador , 13 de
Janeiro de 2025
Iderval Reinaldo Tenório