CONVERSA DE CÃES.
Dois cães ao encontrarem-se no pátio do prédio, começaram uma conversa. Não precisa falar que eram cheirosos, bem tratados, bem alimentados e bem vestidos.
Um de cor branca, pelos bem penteados, uma pequena coleira de couro trabalhada e forrada com veludo. Pendurada num aro de metal amarelo, uma pequena medalha cunhada com uma cabeça em alto relevo, com o nome, MAIKO. O outro, um belo animal de porte avantajado, preto, cabeça grande, orelhas caídas, língua vermelha, molhada e avantajada, rabo elevado e um belo cordão de ouro, com uma medalha cunhada com uma cara, escrito embaixo: JAKSON.
O menor chegou, cheirou o ânus do maior, deu o seu ânus para o outro também cheirar e depois falou:
" Compadre, tem algo estranho na sua identificação, tem um cheiro externo, não identifiquei o seu pedigree e nem o cargo na comunidade."
O outro respondeu:
"Também achei esquisito o seu, tem cheiro de alfazema, de rosas e talvez de perfume, garanto que não sei com quem estou falando e veja que todos os dias vejo você nestas paragens, o que nos mostra que não se conhece ninguém, quase todo mundo hoje é camuflado, um engodo"
O menor, o mais esperto, tira logo a sua conclusão:
"Acredito que é para camuflar a nossa personalidade, aliás, a nossa caninalidade, pois somos caninos"
O maior retruca:
" A onde? eu tenho também é personalidade, lá em casa me chamam de filho, irmão, primo ou neto, eu também sou gente. Tenho cama, porém durmo com a minha mãe, tenho roupas, tolhas e televisão. Tenho datas para vacinação, médicos, cabeleireiro, faço as unhas e tomo banho com os melhores sabonetes, lá em casa quem manda sou eu".
O menor disse:
"Grande merda, lá em casa além de ser o chefe geral, tenho tudo que você tem e ainda um bom lugar para evacuar e urinar, quando quero usar coisas novas para evacuar, exijo e faço um passeio na praça, na rua ou na praia, os meus vassalos levam um par de luvas, um saco e recolhe todos os meus dejetos".
O Preto( o maior) falou:
"Comigo é a mesma coisa, a diferença é que sou muito reservado, na minha casa tenho um lugar apropriado e na rua escolho o mesmo local, os meus vassalos já sabem disto"
O Branco( O menor):
"É compadre, estes humanos pensam que mandam na gente, quando na verdade eles sãos os nossos escravizados e cuidam com todo o cuidado.
Outro dia me falaram que existem uns tais de vira-latas na rua, e eles, os nossos vassalos, não querem que se aproximem da gente, soube inclusive que passam fome e dormem na rua embaixo das marquises, bancas de feiras e bancos de praças, dizem que a vida destes nossos contemporâneos é muito sofrida, são chamados também de URÊIA SECA.
Só tomam banho quando chove e são perseguidos por diversas autoridades, principalmente por estes tais de prefeitos e por alguns humanos.
Quando adoecem com as tais cinomose, parvovirose, infecções bacterianas, fúngicas, leishmaniose e doenças genéticas são sacrificados."
O grandalhão, perplexos com as informações do branquelo, fala de cabeça baixa:
"É compadre, veja que a vida é dura, é o fim do mundo."
Os dois se aproximaram, o maior olhando nos olhos do outro falou:
"É branquelo perfumado, branquelo almofadinha e cheio de querer, não se esqueça que estes tais vira-latas tem algo muito importante que nós granfinos não temos ".
Desconfiado, o branco perguntou:
"O que é que eles têm que nós não temos? Nada é mais importante do que vivermos na sombra, sem trabalhar, sendo paparicado, comendo do bom e do melhor, e tendo os nossos vassalos"
Na bucha ouviu a resposta do grandalhão:
"A liberdade compadre, a liberdade, outra coisa, vivem em grupos e andam juntos, são muito amigos. Tem os seus percalços, vivem menos, não tomam banho, não tem cama e nem vassalos, porém cagam onde achar melhor, eles cagam e nós evacuamos, isto é o famoso ditado francês: ÉGALITÉ, FRATERNITÉ E LIBERTÉ. Agora acho que estes nossos contemporâneos mereciam mais respeito, tem algo errado neste mundo, são injustiçados, esta liberdade sai a muito custo e humilhação.".
O menor também retruca na bucha:
"Vejo que o amigo é estudado, sabe até ditado francês. Isto é filosofia pura compadre, filosofia pura. Complemento, é melhor ser um pobre com liberdade do que um rico preso, agora lá fora a vida é dura, tem que lutar, trabalhar e saber onde pisa, o estranho é que somos todos caninos, vivemos no mesmo mundo e com as vidas tão diferentes, é muito estranho compadre, muito estranho".
Tempos depois, ambos subiram para os seus aposentos:
"Até mais colega "
O outro, o maior, ficou pensativo e destreinado:
"Até mais vê compadre, até mais vê".
Nesta noite não dormiu bem. De vez em quando latia para o mundo, uma vez que num pesadelo, não queria perder o osso que disputava com o colega de rua. Foi levado ao psicólogo veterinário, este aconselhou um médico psiquiatra veterinário e haja psicotrópicos.
Iderval Reginaldo Tenório
GLOSSÁRIO E COMO ENTENDER O TEXTO CIENTIFICAMENTE
1-Como um cão Identifica outro Cão
2-Doenças Caninas 3-Vira-Latas 4-Urelha Seca(Urêa Seca) 5-Liberté, Égalité, Fraternité 6-Nomes de Animais 7-Personificação 8-Prosopopeia 9-Preconceitos Raciais 10-Resistencia 11-Resiliência 12-Solitarismo 13-Coleguismo 14-Vida presa 15-Liberdade 16-Necropolítica 17-Opressão 18-Dominação 19-Ociosidade 20-Desigualdade 21-Camuflagem.
Nunca se esqueça, um cão por menos cão que pareça e por mais que seja tratado como humano, sempre será um cão e não aceita perder a sua identidade canina e irracional.
Eurípedes Waldick Soriano (Caetité, 13 de maio de 1933 — Rio de Janeiro, 4 de setembro de 2008) foi um cantor e compositor brasileiro, ícone da música romântica popular, pejorativamente chamada brega. . Nascido no distrito de Brejinho das Ametistas, em Caetité, Bahia, filho de Manuel Sebastião Soriano, comerciante de ametistas no distrito de Brejinho das Ametistas, em sua cidade natal.
Fato marcante de sua infância foi o abandono do lar pela mãe, Eudóxia Evangelista Garcia, a quem era muito apegado.
WALDICK SORIANO - Eu Não Sou Cachorro Não (1972)
3 comentários:
Nossa que história maravilhosa. Amo os cachorros.
Amo ler suas postagens, amigo !!!!
Assim como é a realidade da vida no mundo humano, assim também no mundo animal…
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