sábado, 28 de outubro de 2017

Deus, o garimpo, as suas mazelas e o futuro da Lili

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Deus, o garimpo, as suas mazelas e  o futuro da Lili

CAPÍTULO I

                                 Três entes  resistiam no úmido aposento   do esquecido palacete de taipa  nos confins brenhosos à margem do Rio Paraguaçu.

                                  Lili passou a noite em claro, do outro lado da meia parede ouvia-se uma respiração ofegante e de vez em quando pigarros curtos , secos e em salvas, percebiam-se nos momentos de acalmia chiados, sibilos e cornagens pulmonares, da conturbada cabeça da cuidadora brotava o sentimento de  franca dificuldade respiratória,  na visão da Lili os arcos costais se empenavam ao máximo, se contorciam por completo forçando o entrar e o sair do ar nos carcomidos pulmões da enferma, ouviam-se o bater das asas do nariz ameaçando sair da face, viam-se claramente os olhos esbugalhados a mirar o teto de palha, a fúrcula external  a colar o fundo na traquéia   e os finos bracinhos a flutuarem no frio, enfumaçado e escuro  aposento, o gás óleo já no fim produzia uma chama quase sem luz , a labareda amarelada a queimar o  artesanal pavio de algodão   do velho, amassado, pegajoso e encardido candeeiro a enuvear o aposento, era o começo de mais uma Ave Maria , corre Lili até o baú, acende mais uma vez a já consumida vela  cuidadosamente guardada para as horas de necessidades,  na cabeceira da moribunda, com a parafina em chamas,    os três entes aguardam o amanhecer  do dia. 
                                 

CAPÍTULO II
Com a enferma em brasa, o  cheiro ocre  da queima do couro cabeludo, dos finos pelos e do ressecamento das mucosas  inunda a pequena casa de chão batido. 

Pela manhã abrem-se as pequenas portas e as duas únicas janelas de madeiras agrestes, por elas entra um vento frio e aromatizado pelos cedros campestres da margem do majestoso rio e   substitui o bafo doentio da noite orvalhada, do suor ardido , da uréia impregnada nas vestes, nos molambos e no colchão de chita recheado de palhas de licuri.

Enquanto a moribunda dormia e  entrecortava o sono  na cansada e interminável noite, o corpo ardia em febre a consumir e exaurir   a sua insubstituível fonte  da vida, a primordial água.

Os cabelos ralos e secos, os olhos foscos  e fundos, o nariz a bater  as asas freneticamente consubstanciavam uma enfermidade grave e crônica . Lili era a única prova viva que aquela criatura consangüínea, carne de sua carne, vivia ou   vegetava,     vegetava para viver  ou vivia para vegetar. 

Chá de quina quina, lambedor de cebola, de ovos,  de malva, de cupim,  lambedor para tosse brava, para tosse seca, para tosse com catarro,  sumo de mastruz, creme de  alho com mel de abelha, xarope de babatimão,  banho morno com salsa caroba cabacinha e entrecasca de aroeira, reza com pinhão roxo e folha de mamona faziam parte do arsenal terapêutico , crença da  medicina popular , a moribunda recebia de tudo e apelava para todos.

Cadeira de madeira com fundo em couro de bode, catre de couro cru, panelas de ferro, potes, purrões  e moringas  de barro, canecas e copos de flandres, pratos esmaltados e colheres de madeiras eram os utensílios que ornamentavam a velha cozinha. 

O primordial e matutino sol, a filha Lili, o gato mimi e o natural arsenal de chás, beberagens e infusões  lhe davam prosseguimento à sofrida e cambaleante vida. 

Este castigo iniciara  duas ou três décadas atrás, brotava de quando em vez, porém a juventude, o verdor da vida,  o intumescimento diário dos hormônios , o florescer ovariano, as meizinhas regionais, o repouso  e o fervor sexual faziam com que não aflorasse  e que tudo fosse suprimido pela jovialidade da mais linda, escultural  e desejada cabocla do Paraguaçu.



                                        CAPITULO III

Fim de inferno, campos encharcados, moleza no corpo, indisposição para fornicar, sinais de dias difíceis, a principal atividade profissional prejudicada, frio com bate queixo no final da tarde, suores noturnos, tosse seca, fraqueza no corpo e dores nas ancas, tudo atribuído ao cansaço das festas da padroeira, noites e mais noites sem descanso, mal dormidas regadas a vinhos agrestes e a pingas da Chapada Diamantina .

A moribunda era  pele e osso, olhos esbugalhados , ancas sem carnes, batidas, pele com manchas escuras devido a pressão das pontas dos ossos pélvicos e sacrais no que sobrou dos antes desejados glúteos, de longe nem parecia aquela cabocla  oriunda das tribos Maracás ou Cariris, cabocla fogosa, torneada, ancuda, dengosa, cheirosa, atrevida e exibida , o maior chamego dos homens  nas épocas auríferas  da Chapada Diamantina ,  das vacas gordas  do garimpo de Andaraí e  de todo a região banhada pelo  rio Paraguaçu, fogosa no passado e hoje um traste, um nada , uma insignificância.

Restaram -lhe a Lili, o gato Mimi e Deus. Quando a velha se foi,  ficou a Lili, a mesma vida, os mesmos trajetos, o mesmo meio de vida , a mesma cantilena e ladainha, o mesmo rio, os mesmos homens, o mesmo fogo juvenil  e o mesmo destino, o mesmo fim de inverno, a mesma febre vespertina e molhada , a mesma tosse e o mesmo caminho, agora só Lili , Deus , o gato e a solidão.

 Naquele ermo abandonado, inóspito, úmido e desabitado, sem companhia, sem paradeiro,  sem rumo e sem prumo, viveu Lili menos da metade do tempo de labuta dispensado à genitora, agora com tosse convulsa, sibilos, calafrios, tiragens, cornagens, dores em todos os locais do corpo, olhos esbugalhados, nariz com as narinas dilatadas e  asas a baterem , chás, lambedeiras, infusões, sumos e o cheiro ocre a inundar o pobre aposento. 

Mimi de um lado , Deus do outro,  sem velas, sem testemunhas, sem socorro e sem olhos, Lili se foi.  Foram-se as duas  vidas naquele  descampado fim  de mundo, só Deus e o Gato a habitarem o arrebol, depois Deus , o Gato e o banzo, para depois só Deus, o Mimi também se foi, agora só Deus e aquela imensidão da natureza, a Chapada Diamantina , a metrópole Andaraí ,  a vida mundana , muitas Lilis e o rico Rio Paraguaçu. 

Assim  foi consumido o futuro da Lili.

Iderval Reginaldo Tenório


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