Dez mil anos isolados no gelo
- Descobertas recentes indicam que primeiros habitantes das Américas ficaram presos por um longo tempo na ‘ponte’ que ligou continente à Ásia entre 25 mil e 15 mil anos atrás
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RIO - Há cerca de 28 mil anos, por razões ainda não muito bem compreendidas pelos cientistas, o clima na Terra estava muito mais frio do que atualmente. Era o começo do auge da que ficou popularmente conhecida como a última Idade do Gelo no planeta, ou, como chamam os especialistas, última glaciação máxima.
Então, geleiras avançavam sobre boa parte do que hoje são regiões temperadas do Hemisfério Norte, cobrindo a Europa até a altura das ilhas britânicas, todo Canadá e chegando até o Norte dos EUA. Com isso, o nível dos oceanos baixou mais de 120 metros, expondo uma grande faixa de terra ligando a Ásia às Américas na área do atual Estreito de Bering.
Há décadas acredita-se que foi por lá que o homem chegou a nosso continente, mas descobertas recentes indicam que a viagem foi muito mais demorada do que se pensava, incluindo um período de aproximadamente 10 mil anos de isolamento destes pioneiros nesta “ponte”, batizada “Beríngia”.
Considerada mirabolante quando foi proposta pela primeira vez em 1997 a partir de estudos genéticos de índios nativos das Américas, a ideia de que tribos humanas tenham passado tanto tempo presas na Beríngia está sendo reforçada por uma série de novos achados, relatam John Hoffecker, glaciologista da Universidade do Colorado, Dennis O'Rourke, antropólogo da Universidade de Utah, e Scott Elias, paleoecologista da Universidade de Londres, em artigo de perspectiva publicado na edição desta semana da revista “Science”.
Neste tipo de artigo, os especialistas não apresentam descobertas de sua autoria, e sim destacam e contextualizam achados recentes que têm o potencial de mudar paradigmas e impulsionar mais pesquisas nas áreas relacionadas.
De acordo com os autores, o estudo de fósseis de plantas e animais encontrados na região está conciliando as evidências paleoclimatológicas com as genéticas a favor da hipótese desta longa “parada” do Homo sapiens na Beríngia antes de ingressar nas Américas. Isso porque estes fósseis mostram que apesar de a Terra estar então no auge da Idade do Gelo, o clima na região específica da Beringia era surpreendentemente ameno, bem similar ao observado hoje nas mesmas latitudes do Ártico, permitindo o crescimento de árvores que teriam sido fundamentais para a sobrevivência destas tribos humanas.
- Um grande número de peças de apoio (à hipótese do longo isolamento) se encaixaram na última década, incluindo novas evidências de que a região central da Beríngia tinha uma tundra (vegetação típica das altas latitudes) com arbustos e algumas árvores durante a última glaciação máxima e era caracterizada por temperaturas surpreendentemente amenas dada sua alta latitude – defende Hoffecker. - Do meu ponto de vista, a genética e a paleoecologia se unem muito bem (em torno da hipótese de isolamento).
No artigo, os especialistas lembram que os estudos genéticos iniciais de 1997, e depois refinados em 2007, indicam que o perfil de DNA dos índios nativos americanos pode ser relacionado com o de populações do Nordeste da Ásia de mais de 25 mil anos atrás, mas a partir deste ponto ele foi se diferenciando.
Além disso, os levantamentos genéticos apontam que este perfil só se espalhou pelas Américas a partir de 15 mil anos atrás, justamente a época em que as geleiras começaram a recuar, abrindo caminho para que as tribos humanas então isoladas na Beríngia ocupassem o continente americano.
- Os registros genéticos há vários anos têm sido muito claros de que o genoma dos nativos americanos deve ter surgido de uma população isolada há pelo menos 25 mil anos, e que a grande maioria dos migrantes para as Américas não chegaram ao Sul das geleiras até 15 mil anos atrás – conta O'Rourke. - Estes resultados indicam que uma população substancial existia em algum lugar em isolamento do resto da Ásia enquanto seu genoma se diferenciava dos seus antepassados asiáticos, e este lugar era a Beríngia.
Além disso, os dados paleoecológicos, com os quais creio que os geneticistas não estão muito familiarizados, indicam que a Beríngia não tinha um ambiente uniforme e que havia uma região de tundra com arbustos e árvores, ou refúgio, que provavelmente forneceu habitats adequados para uma contínua moradia humana.
Para confirmar de vez a hipótese do isolamento na Beríngia, no entanto, ainda faltam registros arqueológicos.
O problema é que depois que as geleiras recuaram, há cerca de 15 mil anos, oos oceanos voltaram a subir, cobrindo de água a região. Ainda assim, os autores acreditam que evidências desta antiga e longa ocupação humana poderão ser encontradas acima do nível do mar em algumas áreas do Sudoeste do Alasca e a Leste de Chukotka, na Rússia.
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