EPISÓDIO ESTRANHO NUM PRONTO SOCORRO .
O ano era 1984; o mês setembro; o dia 16, um domingo; a hora, 22. Deu entrada na segunda maior emergência da Capital um jovem praticamente morto, vítima de lesões abdominais por arma de fogo, configurando uma situação cirúrgica hemorrágica.
Dois Residentes de cirurgia geral do segundo ano(R2),após o R1 informar que o
moribundo estava sem vida , se aproximaram do presente cadáver. O Residente
mais franzino e ainda impregnado com traços regionais consegue pegar o pulso e
olhar para as pupilas do jovem dado como
morto, as pupilas ainda estavam em miose, deu um grito de alerta e falou em voz
alta” O homem ainda está vivo”. Sem titubear e na mesma maca levaram-no às carreiras
para o Centro Cirúrgico que ficava no mesmo andar.
O anestesista , bem mais experiente e já calejado, não estava esperando o paciente, sentiu-se invadido pela maca, o moribundo e os dois esculápios. Puxou o lençol, procurou o pulso, olhou para todos , balançou a cabeça e falou: ” o homem não tem volta, está organicamente sem vida, na indução ele para”.
O R2 franzino chamou o banco de sangue, passa um cateter na subclávia, um intracath, e na indução anestésica abriu o abdome do paciente; o homem estava morto, nada sentia. Chega até o baço e pinça os grandes vasos com uma hemostática gigante, cobre-lhe a víscera com compressas molhadas em soro fisiológico, e com a mão direita segura parte do fígado lacerado e os vasos da região, que ainda mostravam um esboço de pulsação, enquanto o segundo R2 enxuga o sangue residual e comprime os dois órgãos com compressas molhadas de soro. O paciente, de inerte, passa a reagir. Chega o banco de sangue e coloca-lhe três bolsas de sangue, enquanto o anestesista prontamente, e abismado, ocupa com afinco seu posto, entra em ação e conduz o ato até o fim.
Terminado o ato operatório, o paciente, sem baço, sem uma parte do fígado e sem 40 cm do intestino delgado, é levado direto para a UTI, contígua ao Centro Cirúrgico. Sete dias depois, já na enfermaria, ele reclama: “Doutor, o senhor queria me matar, o que direi aos amigos? Como ir à praia com esta transamazônica na minha barriga? Vi que foi grande a barbeiragem”.
O estranho veio depois. A ajudante da sala chamou o residente franzino, o que abriu o abdome do jovem, e assim se pronuncia: “Doutor, quem era aquele terceiro cirurgião; aquele homem alto que estava do seu lado, além do seu colega R2? Trabalho neste hospital há mais de 18 anos, dou plantão em todos os dias da semana e nunca o vi ou me deparei com ele nesta casa, quem era aquele cirurgião?”.
O residente franzino, meio encaipirado, olhou-a, mirou seus olhos, pegou suas mãos e com um sorriso simples pausadamente falou: “Aquele homem era Deus!” Botou a capa e deu início a mais um procedimento cirúrgico: Ele; o R2; o R1; o interno de cirurgia do sexto ano; o anestesista; e aquele homem alto, Deus, que está ao lado de todos os seus filhos, principalmente nas horas mais difíceis.
Iderval Reginaldo Tenório
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Um comentário:
Linda e emocionante esta história, nobre amigo e e R2 em tempos idos, Dr.Iderval Tenorio! Deus está sempre operando nos centros cirúrgicos e operando milagres em nossa vida. Gratidão!
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