FÉRIAS
NA SERRA DO ARARIPE
Era
5 da tarde, o jipe azul parou defronte da casa, as crianças desceram correndo,
a prima Helena já se encontrava na porta à espera de “meu padrinho e minha
madrinha”, como sempre os chamava, os cachorros abanando os rabos faziam a
festa e mais de 10 moradores , uns com os cabos das suas facas-peixeiras à
mostra na cintura , observavam o desembarque, era a chegada da família citadina
em gozo de férias escolares .
No
veículo, dois adultos e uma criança nos bancos da frente , 05 crianças atrás com idades
variando de 08 a 16 aos, quase todas filhos, aqui e acolá um vizinho quase
irmão, quase filho de consideração, eram assim os vizinhos dos pretéritos tempos.
Era
carga completa, viagem longa , mais de 100 quilômetros de estrada de barro e
muita poeira, duas paradas: a primeira no posto do Exu para abastecer o carro
de gasolina na bomba a manivela manual; e encher as barrigas das crianças com pão , doce
de leite e queijo de manteiga , a outra na entrada da estrada vicinal para
visita de cortesia aos parentes , que aos poucos vão se achegando para desejar
boas vindas aos citadinos, uns para pedir a benção , outros para abençoar e
servir aquele belo e esperado saboroso café , grãos arábicos torrados no tacho,
regado a beiju de forno com o assado
queijo coalho.
Trinta
minutos depois chega o caminhão Chevrolet 66 , neste, aboletados na boléia com
seu Chico Pié alguns funcionários e os filhos mais velhos, na carroceria
tonéis de gasolina cada um com 200 litros , diversas malas,bolsas e sacos
cheios de redes, lençóis, tolhas e roupas de frios, alguns sacos de cereais, latas
de biscoitos, sacos de pães, fardos de rapadura , sacos de açúcar ,
sacos de sal grosso, sabão em pedra, anil, fósforos , sabonetes para as
meninas, cocos secos, um saco de pequi com dois centos comprados nos
pequizeiros , três sacos de cordas, arupembas de palha e de arame, cestas,
fardos de paneiros para as prensas nas farinhadas, enxadas tupy, sendo algumas
delas meias lua, enxadecos, cavadores sem cabos , dois pés de bode, grampos para arame farpados do grande e do pequeno, facões
colinos, meia dúzia de foice, roçadeiras bem afiadas ,feitas de molas de caminhão,
ciscadores, espingardas soca-soca, quilos de pólvoras da preta e
quilos de chumbos de diversos calibres, caixas de espoletas sendo para
espingarda de cartucho, caixas de cartuchos da praça calibre 36 cada uma com
100 unidades, quilos de café em grãos e torrados e pisados
oriundos da cidade do Crato, latas de óleo salada, muitas latas de doces de
goiaba ou de banana Palmerom ou Boa Idéia, muito apreciadas pelo chefe da casa,
duas ou três latas de biscoitos sortidos e cream craker pilar, latas de
querosene jacaré cada uma com 20 litros, algumas bolas de arame farpado do grosso e
do fino, fardos de fumo de rolo da marca Arapiraca do bom , caixas de
papeis fino para cigarro , cada caixa com 10 pacotes de mil folhas 4 por 8 cms
que eram vendidos aos fumantes em pacotinhos com 100 unidades, todos
branquinhos separados por uma folha azul claro , muitos sacos de algodão vazios
para ensacar farinha para a próxima viagem, rolos de cordão para costura ,
agulhas de fardos, sem contar com caixas de cibalena, cibazol, melhoral,
mercúrio cromo , pomada terramicina , pomada de penicilina, sonrisal ,
quilos de pimenta do reino, cominho, cebola roxa, erva doce
, três tranças de alho do grande que
ficavam penduradas em pregos nas paredes da dispensa , 05 quilos de pedra hume
para clarear a potável água barrenta, decantando as impurezas sólidas para o
fundo do pote produzindo uma lama escura constituída de girinos, insetos
variados, ferro, lodos e outras matérias , litros de creolina, quilos de
enxofre, pomadas calminex da grande para as bicheiras e os machucados dos
animais, tudo isso coberto por uma grande grossa lona encerada de cor amarela
que quando chovia formava uma poça d´agua sobre a carga e não caia uma única gota
nas mercadorias, salvo quando um dos passageiros devido o frio mergulhava por
debaixo deixando apenas o cocorote às vistas, uma verdadeira viagem.
Era
festa para as crianças por três meses e trabalho para os adultos, apesar de não
se levar brinquedos, estes faziam partes da natureza ,eram eles: o sol, o
vento, a lua ,as estrelas, as nuvens, os relâmpagos, os trovões, as chuvas, os
redemoinhos, as poeiras ,os sapos, os maracujás bravos, as lagartixas, os
calangos, as borboletas, os imbuas, as joaninhas, os grilos soldadinhos de
diversas cores para serem encangados, os
verdes gafanhotos, os besouros, os burregos, os bezerros, os potros, os
cachorros , os gatos, as outras crianças que eram muitas e os adultos que
vinham ou passavam no terreiro com os seus “BONDIA” , os pássaros, as cobras, muitas vezes cascavéis, cavalos de paus feitos de cabos de vassouras ,
os umbuzeiros, as canafistas e tudo quanto aparecia que pudesse alegrar uma
criança, como bicicletas, animais apenas com a manta para serem montados nas
brincadeiras como se fossem índios.
A
natureza era viva , apesar dos fojos , das arapucas e das baladeiras artesanais
feitas no capricho, com os seus cabos de
madeiras recobertos por ligas de borrachas pretas, tudo para o abate de caças menores com balas
esféricas de barros amarelo-laranja, feitas e secadas à mão nas beiradas dos
barreiros, herança dos ancestrais da mama África.
As zoonoses faziam parte deste universo , não havia distinção entres os três reinos da natureza , nem entre os racionais e irracionais, todos eram integrantes da divertida e empolgante vida, o importante era viver.
As zoonoses faziam parte deste universo , não havia distinção entres os três reinos da natureza , nem entre os racionais e irracionais, todos eram integrantes da divertida e empolgante vida, o importante era viver.
Enquanto
descarregavam a carga para o armazém colado à grande casa, ficavam os barris de
gasolina para o fim, os tonéis com o
combustível numa arriscada manobra, eram
descarregados um a um ,j ogando-os e rolando-os da carroceria sobre grandes
pneus sem câmaras de ar, que ficavam no
solo para amortecerem as quedas, o jipe era colocado na garagem com muita
manobra, pois nas laterais ficavam enfileirados os ditos vasilhames de gasolina
para consumo próprio e para a comercialização a granel junto a todos do arrebol
num raio de 15 quilômetros.
A
mãe ia para a cozinha preparar o jantar ajudada pela sobrinha Helena, por sinal,
muito bonita apesar dos maus tratos da lida diária no campo , outra ajudante
era dona Maria Passarim, esposa de Véi Joaquim, velha dos seus 70anos ,
saias rodadas e fofas sempre, com mais de uma, uma por cima da outra , lenço
enrolado na cabeça, peles enrugadas e maltratadas pelo escaldante sol , grandes pterígios em ambos os olhos
complicados pelo tracoma, mas muito
disposta, as crianças corriam para olhar a quantidade de água nos dois barreiros,
Antonio Passarim filho de dona Maria e
os primos bem menores , alguns eram filhos da prima Helena sempre acompanhavam
dando as coordenadas e as novidades dos quatros meses de ausência dos donos
mirins da casa.
Vinha
o jantar: arroz ainda enfumaçando, galinha caipira cozida na hora , muito
gostosa por sinal,f arofa de banha de porco com nacos de toicinhos, lascas de
queijos, pão de milho e depois café de coador com tapioca e ovo estrelado, o
rádio a pilha sintonizado na Sociedade da Bahia ou na Tupy de São Paulo. Terminado este manjá, era hora de retirar as
redes dos sacos, cada um com a sua procurando o melhor armador, uns nos quartos
de meias paredes , outras na sala do grande pote d’água assentado num pé de pote vazado, sempre úmido para deixá-la eternamente
refrescante e saborosa , sem esquecer o porta copos e canecos feito de madeira,
as ultimas sempre as ultimas, ninguém queria , eram armadas na sala da frente
bem defronte das frestas das janelas, por onde passava de madrugada o ar frio e
encanado , que os finos lençóis carimbados com os nomes das usinas de nada
serviam, primeiro se procuravam as cordas , os meninos maiores davam os
esperados nós de porco nos punhos de cada uma, o meu irmão João era o maior
especialista no assunto, armavam-se as redes uma ao lado da outra, em cada uma
um pequeno lençol feito de sacos de açúcar, lavado com sabão em pedra pavão e
clareado com anil, estavam prontos os leitos noturnos.
Abria-se
a porta da frente, sentava-se na alta e fria calçada de cimento bem na quina, era
um verdadeiro batentão de fora a fora, de onde se avistava um grande pé de
umbu, a casa de Helena, a de dona Maria Passarim , dois grandes pés de cedro , a
estrada que ia para a central e a desembocadura do grande barreiro, que de vez em quando, pelo lado direito , tangenciado a casa de seu
Joaquim e dona Maria Passarim, chegava
um senhor com um surrado chapéu de palha montado no seu jeguinho, cabresto de
corda de croá, sem sela, no seco, só na puída manta de algodão, não sei porque,
muitas vezes de roupas rasgadas, alpercatas velhas e que só enxergava por um
olho, dizem que um graveto furou o olho direito, era um proprietário rural e o
maior criador de porcos que conheci, seus porcos chegavam a pesar 250 quilos, era
o irmão do dono da Serra, era o Tio Ontõe.
Olhar
para o céu era o entretenimento, a noite era curta, a lua cheia com São Jorge e
o seu cavalo encravado no meio clareava o terreiro, na sua ausência eram as estrelas, nas suas constelações, as luzes da vez, o cruzeiro do Sul, as três
Marias, a estrela Dalva e muitas outras enfeitando o escuro azul do céu, não
poderia contá-las devido o risco de no outro dia as mãos amanhecerem cheias de
verrugas.
A
lua surgia cedo e numa carreira macia e constante cruzava o céu , sempre a nos
seguir , sem contar com as grandes e andantes nuvens, algumas muito brancas,
outras acinzentadas formando imagens de carneiros, bois, castelos, mapas, bolas,
perfis de caras e muitos outros objetos.
O
vento frio açoitava lentamente, era fim de novembro e começo de Dezembro, os
sapos coaxando nos barreiros, os cachorros latindo acuados com alguns
desavisados Pebas , tatus ou gambás, os caseiros e moradores de meia vinham
trazer as ultimas novidades, as noticias, os nascimentos, os casamentos, as
mortes e tudo quanto era necessário, sempre regado a um bom e forte café.
A
noite se aprofundava muito cedo, era hora de dormir, cada um na sua rede, mas
antes era obrigatório esvaziar a bexiga por trás da casa junto a um pequeno
matagal ou touceiras de bananas, lavavam-se os pés e se bebiam um chá hipnotizante,
bebida amarela e muito doce feita da
erva capim santo ou erva cidreira fresca
colhida do pé da parede da grande casa, escovavam-se os dentes e tibungavam nas
suas já armadas redes, a noite era curta, longas eram as conversas entres os
irmãos até a hora em que se escutavam a voz da mãe através da meia parede
mandando se calarem e que fossem dormir, os que dormiam na sala da frente
conferiam as pesadas tramelas de madeira, tampavam as frestas das janelas com
panos, impedindo a passagem do frio
vento da madrugada , era assim o primeiro dia de férias , férias estas que se
prolongavam por mais de 90 dias, num
grande paraíso chamado Serra do Araripe, só quem teve esta felicidade , sabe o
que um dia de férias em cima daquela Chapada, um dia ainda serei criança, um
dia serei, a Serra do Araripe que me espere.
Iderval
Reginaldo Tenório
Salvador,2011/junho/23
ESCUTEM DO MAIOR COMPOSITOR NORDESTINO DE TODOS OS TEMPOS,
JOÃO SILVA
O MAIOR PARCEIRO DE LUIZ GONZAGA, COM MAIS DE 150 MUSICAS GRAVADS PELO REI, DENTRE ELAS , VIVA MEU PADIM, TA DANADO DE BOM, FORRO DE CABO A RABO E UMA PRA MIM E OUTRA OURA TU .
MEU ARARIPE.
de
João Silva
Luiz Gonzaga - Meu Araripe (música para ouvir e letra da música com legenda)! Meu Araripe, / Meu ...
Meu Araripe - Luiz Gonzaga - VAGALUME
www.vagalume.com.br › Forró › L › Luiz Gonzaga
Meu Araripe - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=TrXCDamaYD4
18 de mar de 2012 - Vídeo enviado por apfrezende G
Música Meu Araripe com Luiz Gonzaga. ... Meu Araripe. apfrezende G ...
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