Num momento de conversa após o almoço, o pai ficou nervoso e falou para a esposa que não ia ficar de cabeça quente e de saco cheio com os problemas no seu emprego. Ele mesmo que não ia ser um trouxa. E logo que calou a boca, Dioguinho perguntou-lhe:
- Pai, o que é ficar de cabeça quente?
- É ficar aborrecido, preocupado, filho.
- E de saco cheio?
- É ficar aborrecido, nervoso.
- E o que é ser um trouxa, pai?
- É uma pessoa boba, meu filho. Um otário, um idiota, um mané. E eu já estou por um fio.
O menino não se aguentou:
- E como é esse estar por um fio, pai?
- É estar já perto de ficar de pernas pro ar.
- Como é que é, pai? De pernas pro ar? - e deu uma risada.
O pai, que já não aguentava com as perguntas do filho, mesmo assim, explicou-lhe:
- De pernas pro ar, filho, é estar arrasado. E quer saber de uma coisa? Todo mundo tá a fim de me ferrar.
- Como é tá a fim de me ferrar, pai?
O pai explodiu:
- Ferrar, seu bestinha, quer dizer que lá na firma eles estão a fim de me prejudicar. Eu termino sendo tratado como um daqueles de meia tigela.
- De meia tigela? - e o menino deu outra risada. - Que é isso? Eu nunca vi uma meia tigela.
O pai abriu pequeno sorriso diante da ingenuidade do filho. Mas terminou explicando-lhe a expressão popular:
- Meia tigela, ou de meia tigela, é uma pessoa sem valor, sem importância. Mas eu só sei de uma coisa: basta de tanta mutreta neste mundo.
- E o que é mutreta, pai?
- Eita menino perguntador. Mutreta, filho, você vai saber o que é quando crescer. É desonestidade. Coisa de gente sem-vergonha, que vive fazendo o que não presta. E mais uma vez chega, que estou mais morto que vivo.
O menino deu um grito e saiu correndo para a cozinha. Lá, num choro só, disse para a mãe que o pai lhe falou que estava mais morto que vivo.
- Calma, calma, meu filho, consolou-lhe a mãe, enquanto lhe enxugava as lágrimas. - Seu pai quis lhe dizer que estava muito cansado, exausto, esgotado não só com os problemas do trabalho mas também com suas perguntas. Ele quer somente esfriar a cabeça.
- A cabeça dele tá quente, mãe?
- É, filho, seu pai quer ficar calmo, se acalmar. Vá brincar lá no seu quarto. Mas passe pela sala pé ante pé.
- E como é pé ante pé, mãe?
- Silenciosamente. Com cuidado para não acordar seu pai, se ele já estiver dormindo. Vá, vá logo.
Dantas de Sousa
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