terça-feira, 4 de junho de 2019

O Amanhecer no meu sertão



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O Amanhecer no meu sertão

MEU QUERIDO BODOCÓ- MINHA SERRA DO ARARIPE, QUANTAS SAUDADES DA MINHA TERRA-  O MUNDO NÃO TEM VOLTA, SE TIVESSE...


Cantava o galo Chulipa três vezes antes do sol nascer, isto  para informar aos outros animais , inclusive para  os outros galos,   quem era o verdadeiro dono do terreiro, quem era o senhor daquele arrebol, na outra extremidade  zurrava o jumento Jericó por três vezes, isto  com a finalidade de mostrar aos seus companheiros e companheiras  a sua localização num raio de quatro a cinco quilômetros  e que chegara a hora de transportar a água para encher os potes da casa. 


 É o asinino  um animal de origem desértica, possui uma grande cabeça, olhos laterais  para proteção ,  duas longas  orelhas forradas com pelos macios, ouvidos atentos e de boca grande que se afunila ao chegar à sua inserção,  o cume da cabeça,  como se fossem um par de chifres ou duas antenas de  abas  largas,    tais quais    dois radares em movimentos rotativos numa varredura de  280º, ora para cima , ora para baixo , para frente e para trás com a finalidade de captar longínquos sons . 

É o Jumento um animal inteligente, cheio de manhas , pantins,  manias,  mistérios e superstições, é um bicho de grande adaptação, come de tudo, de camisas nas cercas a solas de sapatos encontradas nos monturos , precisa de pouca água , é resistente as intempéries da natureza,  chova ou faça sol   lá está o asno a sobreviver, num raio de cinco mil metros é quem manda na caatinga, é um animal testosterônico em demasia, enfeitiçado pelo hormonio feminino é um perigo.   Foi ele quem ajudou o menino Jesus  a escapar em Belém das garras do Rei Herodes, quando este autorizou o maior infanticídio da face da terra, o Jumento é nosso irmão.


Neste cenário bucólico, a brisa fria batia  nas gramíneas, nas babujas  e nos arbustos, o orvalho da noite, que se  precipitava sobre as folhagens da caatinga,   molhava o rosto e as vestes  de algodão grosseiro  que protegia a pele áspera do  homem serrano.  

Quando este Corema caminhava em direção ao curral   em busca do necta branco da vida, o leite  oriundo do ubre  das pacientes e abençoadas  vacas,  era gratificante o banho de orvalho a umidificar as suas  poídas vestes. 


Com o cheiro contagiante vindo da terra orvalhada , com os cantos dos pássaros e o zoar dos sons  de dezenas de chocalhos   todos os viventes do arraial despertavam.


O vaqueiro com a sua corda de croá e o seu balde a tiracolo chegava ao curral, a vaca diligentemente chamava  a sua cria, abriam-se as porteiras e o bezerro logo ia até as  edemaciadas tetas , cabeça junto ao ubre ,  peia nas pernas da vaca leiteira  , para contê-las, mãos grossas do  sitiante a amaciar o túrgido alforje natural  repleto de leite,     neste momento a cuidadosa e desconfiada mãe liberava o proteico líquido. 


Enquanto a vaca  mugia,   mungia o vaqueiro, e entre um mugido e outro , o vaqueiro ia mungindo, ia mungindo até o momento em que o bezerro faminto berrava, era um  alerta , era um pedido de socorro, informava  que o  leite não estava lhe sendo entregue, estava sendo desviado para outro mamador, a sua mãe estava sendo enganada,  de imediato a vaca segurava o necta  da vida ,  só liberava para a boca faminta de sua cria,  este com muita sede   ordenhava as  tetas com a sua língua de lixa, beiços grossos lubrificados  e duas ou três marradas  no  ubre pseudovazio , num aforismo nordestino que diz , bezerro que não berra não mama, daquele momento em diante  só o bezerro poderia mamar,   terminada esta ordenha, partia o vaqueiro para outra  vaca que mugia a procura do seu rebento ,  enquanto a vaca mugia, o vaqueiro mungia, mungia de uma a uma, de teta em teta, era assim o amanhecer na minha querida Serra do Araripe, o vaqueiro mungido e a vaca mugir.


O galo  cantava, o Jumento Zurrava, as vacas mugiam, os bezerros berravam, os pássaros cantavam, os chocalhos zoavam e o vaqueiro mungia, nascia o sol, abriam-se as porteiras, os animais corriam, enchiam os pastos e as mangas  ,  o tilintar dos chocalhos preenchiam sonoricamente os espaços, estes com   cheiros de flores, jasmins, cedros, cidreiras, capins, estercos e urinas espumantes cobertas por milhares de borboletas de asas grandes e amareladas.


Mesa posta, aroma de café em toda a casa, queijos de coalho e de manteiga na mesa,   prato fundo com leite fresco, espumante e fervendo de quente, farinha de milho ou de mandioca, sal, carne do sol, tigelas de qualhadas, um prato de macaxeira cozida, bule vermelho  esmaltado  cheio de   café  torrado e pilado em casa,  tapióca untada com muita manteiga de garrafa , ovos estrelados na banha de porco, que na maioria das vezes  a gordura caia  pelos cantos da boca, era assim o amanhecer na minha querida Serra do Araripe e haja saudades e haja.

Iderval Reginaldo Tenório

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