quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Padre Cícero do Juazeiro - Por Pe. João Medeiros Filho

Padre Cícero do Juazeiro - Por Pe. João Medeiros Filho
“É inegável que o padre Cícero Romão Batista, no arco de sua existência, viveu uma fé simples, em sintonia com o seu povo e, por isso mesmo, desde o início, foi compreendido e amado por este mesmo povo”. Estas foram palavras do Cardeal Parolin, no documento de reconciliação do Patriarca do Juazeiro. Datada de 20 de outubro de 2015 (centenário da diocese do Crato), a carta foi enviada a Dom Fernando Panico, pelo Secretário de Estado do Vaticano, em nome do Sumo Pontífice. Recorda a incansável missão do padre Cícero no Nordeste e sua dedicação aos pobres e sofridos. Suas virtudes eram bem maiores que as limitações, sua fé e amor a Cristo suplantavam suas falhas, a misericórdia divina transbordava em seus atos e palavras. Daí, o reconhecimento do povo de Deus, que sempre o venerou ao longo do tempo, apesar da proibição da hierarquia eclesiástica, passados mais de oitenta anos de sua morte. Somos de um tempo, em que não podíamos batizar as crianças com o nome de Cícero. Não raro, tínhamos problemas na pia batismal. Por ordem das autoridades diocesanas, devíamos acrescentar um prenome (José, Francisco, Antônio, Manuel etc.) a Cícero. 

Em 1964, Dom José de Medeiros Delgado, então arcebispo de Fortaleza, lançou o movimento pela reabilitação de Padre Cícero. Constituiu uma comissão composta dos padres Azarias Sobreira, pesquisador e escritor, Murilo de Sá Barreto, pároco de Juazeiro e os sociólogos: Francisco Cartaxo Rolim, frade dominicano e Eugênio Collard, professor da Universidade de Louvain (este último serviu à arquidiocese de Natal, durante três anos), auxiliados pelos historiadores Luís Sucupira e Renato Cassimiro. Tal equipe tinha como missão estudar o fenômeno do Juazeiro. O próprio dom Delgado dedicou-se à pesquisa e levantou a tese de que Padre Cícero “foi um incompreendido e mártir da disciplina eclesiástica”. O resultado de suas buscas consta de dois trabalhos publicados com os títulos: “Juazeiro, Padre Cícero e Canindé” e “Padre Cícero, o mártir da disciplina”, editados respectivamente em 1968 e 1970. O segundo tinha o intuito de comemorar o centenário da ordenação do “Santo do Juazeiro”. A partir desses levantamentos, começaram a aparecer estudos mais documentados, objetivos, menos apologéticos e negativos, dentre os quais podemos destacar: a acurada pesquisa do Monsenhor Sobreira “O Patriarca do Juazeiro” e a tese doutoral do brasilianista Ralph della Cava, intitulada “O milagre em Juazeiro”, defendida na Universidade de Columbia. Não é menos importante a dissertação de mestrado da Professora Luitgarde Cavalcanti Barros, apresentada à USP, que resultou numa valiosa obra: “Um estudo do movimento religioso de Juazeiro do Norte”. Padre Cícero não foi um teólogo, ideólogo, cientista político, filósofo, intelectual etc. Era, sim, um pastor do seu tempo sensibilizado com os problemas humanos e sociais de seus irmãos na fé. Não podemos nem devemos ideologizar as ações e o pensamento do venerável patriarca. É preciso fazer a leitura dos fatos e ver o personagem com os olhos da época e dentro do agir da Igreja do seu tempo.

Uma carta de padre Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva (que veio a ser o primeiro bispo do Crato) a Dom Joaquim José Vieira, datada de 01 de julho de 1903, deu novo rumo às pesquisas. Assim lemos no documento: “Tenho a honra de comunicar a V. Exª Revma. que levei ao conhecimento do Revmo. Padre Cícero Romão Batista o ofício de V. Exª. mandando aquele sacerdote suspender as obras da capela que estava construindo perto da povoação do Juazeiro e ele me respondeu que obedeceria prontamente a V. Exª, suspendendo o serviço, o que efetivamente fez”. Era a prova inconteste do espírito de obediência do Patriarca do Juazeiro, vítima de idiossincrasias, intrigas políticas e “invidia clericalis”. Segundo dom Delgado, um dos motivos de controvérsias, contribuindo para a exclusão de Padre Cícero, foi o seu desejo de criar uma diocese, no sul do Ceará, cuja sede não seria no Crato. Dom Delgado chegou a propor à Nunciatura Apostólica a ereção de uma prelazia eclesiástica na cidade de Juazeiro.

O Papa Francisco não apenas reabilitou – tratando da recuperação das ordens sacras que estavam suspensas – mas também o reconciliou, anulando qualquer oposição à ação pastoral de padre Cícero. Esta decisão reconhece como autênticas manifestações de fé cristã as romarias e devoção ao “Santo do Juazeiro”, possibilitando, deste modo, maior aproximação dos romeiros com a Igreja Católica. Para os devotos do Patriarca do Cariri, nada mais confortador. Neste tempo, conturbado por agruras, seca, problemas de toda espécie, a reabilitação de Padre Cícero é uma brisa do céu, um mimo e afago do Sumo Pontífice a nos mostrar a face da ternura de Deus. Assim se expressa o Papa Francisco: “A atitude do padre Cícero em acolher a todos, especialmente os pobres e sofredores, aconselhando-os e abençoando-os, constitui sem dúvida, num sinal importante e atual” daquilo que deve ser a Igreja, sacramento da misericórdia divina.
pe.medeiros@hotmail.com

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