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Por que o Brasil é Assim?
É difícil ser intelectual negro no Brasil? Milton Santos ...
Aos estouros dos possantes canhões, mosquetes e rifles dos invasores, os guerreiros tupi-guaranis partiam artesanalmente para a luta a defender a sua prole com arcos, flexas, tacapes, garra e inocência.
Autóctones livres, nômades, donos de suas vidas, dos seus territórios, de convivência pacata e que tiravam os sustentos dos frutos da terra e das águas, passaram a ser os intrusos e tachados pelos invasores ocidentais de brutos, sanguinários e perigosos, uma vez que a coroa portuguesa desde 22 de abril de 1500, já se achava dona da "TERRA À VISTA!". Eram considerados irracionais, preguiçosos, sujos, ignorantes, canibais e que nem as suas vergonhas cobriam.
Homens, mulheres e crianças andavam nus como vieram ao mundo, dormiam no chão ou em redes sob grandes cabanas sem divisórias, viviam como animais selvagens, não poderiam ser considerados da raça humana, eram seres pré-históricos e brutos.
Povos que, com a chegada dos armados desbravadores em busca de riquezas das terras invadidas, fugiram do litoral, ocuparam os sertões, constituindo uma raça abandonada, perseguida e em eterna posição de defesa. Eram caçados em todo o país como animais para trabalharem na produção do açúcar, na corta do pau brasil, na exploração do ouro de aluvião e lutavam até à morte para se livrarem da escravização. Desconheciam a pólvora, o aço, o cobre, as armas fabricadas com estes metais, o valor do ouro, as religiões, a escola, a cultura e as crendices ocidentais.
Sob o derrame de sangue, pólvoras, destruições de aldeias e balas poderosas, a morte era certa. As mulheres sequestradas passavam a ser as matrizes dos invasores, dando origem aos caboclos e as crianças, quando não mortas, as memórias vivas para os brasileiros do futuro. Como o país tem memória curta e desqualifica os seus, muitos brasileiros ainda se orgulham dos sanguinários exploradores e algozes dos seus antepassados.
Caboclos frutos do estupro, raiva, desentendimento, carnificina, desonestidade, emboscadas e do genocídio praticado contra os verdadeiros donos da terra, que aos poucos foram se multiplicando e dando origem a um povo valente, desconfiado, arredio e refugiados no interior do país.
Não conseguindo domá-los, restou aos invasores, o genocídio indiscriminado dos indigenas, mais de 70% deste povo foi extermiando pelos vilões bandeirantes. Sem contar com a conquista e a subserviencia das nações indígenas, sempre resistentes, foi iniciada a segunda etapa de ocupação, com o intuito de classificar um povo e uma nação livre, como colônia escravizada.
Deram inicio a chegada de um novo povo, também não considerado gente. Mais uma espécie de animal, mais uma espécie de gado, comprados e transportados do continente africano para o ocidente em navios considerados pocilgas. A diferença era o uso da chibata e o oceano atlântico para o descarte dos doentes e dos mortos, considerados mercadorias com avarias e sem preços.
Foi iniciado o segundo tempo de um dos maiores genocídios da terra da contemporaneidade, que vigeu do século XVI ao século XX e que hoje, com diretrizes oficializadas pelo poder econômico desenvolvimentista, permanece disfarçado de países desenvolvidos, subdesenvolvidos e países atrasados, ou melhor, gente do primeiro mundo, o quase gente dos subdesenvolvidos e outra espécie parecida com gente, a dos países atrasados, é assim que se divide o mundo atual. Os humanos, os quases humanos e os humanóides, os que se defendem e sofrem para serem humanos.
A negra levanta a saia de cetim ou de algodão trançado, de soslaio o algoz admira, olha para as ancas, os peitos, a perfeição da cintura, ativa as narinas e sente o cheiro do pecado nas profundezas cerebrais. Nariz antenado no odor vindo da região pudenda, não resiste, ali dá-se início a mais um brasileiro mestiço, parte Alentejo e partes de Angola, Congo, Costa da Guiné, Costa do Ouro, Costa dos Escravos e do Benin. Sem o consentimento das matrizes, muitos brasileiros foram gerados à força, por parte do opressor.
Sob os chicotes nas senzalas, trabalhos árduos por mais de 18 horas ininterruptas, tambores a rufarem madrugadas a dentro, brigas, mortes e a mistura entre povos de três continentes, nascia o gigante Brasil, a mais miscigenada nação do mundo. Nascia um povo sem rumo e sem prumo, com raizes diferentes, sem língua e sem costumes, foi assim que nasceu o Brasil, uma nação plural e heterogênia, um povo com várias raízes, cuja raiz principal foi aos poucos fagocitada e oprimida pelas invasoras. Assim nasceu o Brasil e é por isso que o Brasil é assim, um país explorado desde a sua invasão.
Nação que, mesmo com esta mistura genética, alguns sentem-se superiores, "os originais" e multiplicam todos os tipos de preconceitos pela pele e ancestralidades, quando na verdade todos os ocupantes desta terra chamada Brasil, foram forjados no mesmo calderão em efervescência sexual.
Todos são brasileiros, não no caráter pejorativo de antigamente, que eram designados os cortadores do Pau Brasil para o deleite dos ocidendetais, e sim o Gentílico daqueles que nascem no Brasil, aqueles que geneticamente possuem os mesmos genes. O que muda é a dosagem, a interação e a distribuição nos cromossomos, num percentual de 0,004% do genoma humano apenas em relação ao cabelo e pele.
Conclui-se que, todas as raças são iguais, constituem a Raça Humana.
Salvador, 18 de março de 1988
Iderval Reginaldo Tenório
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