quarta-feira, 16 de julho de 2025

Lampião invade a fazenda do Coronel Tenório nas Alagoas.

 

Lampião invade a fazenda do Coronel Tenório nas Alagoas.


COISAS DO NORDESTE

                                                                 Coronel Tenório  

                                                                             e o

Capitão Virgulino Ferreira Lampião
 
I

A CHEGADA DO BANDO

O Coronel  Tenório era um homem de fibra. Um Nordestino autêntico, valente, decidido, justo  e respeitador, um homem calmo e sereno.  Foram estas  propriedades que deram ao coronel, uma  grande liderança  em todo o sertão, notadamente  nos grotões  das terras dos marechais.

Historiam  os mais velhos da família, os amigos e alguns dos seus comandados,  que num belo domingo ensolarado, na Fazenda Alvorada, nos sertões das Alagoas, lá pelos idos de 1930,  adentrou no casarão de  sua sede, o bando do famigerado e facínora Capitão Virgulino Ferreira Lampião.  
 
Naquela época,  o capitão  era considerado o terror do nordeste, o destruidor das famílias e dos homens de bem e de bens, e  que para se manter popular, protegido e invisível,  deixava para  os abandonados e sem camisas,  uma pequena parte dos seus roubos. Propriedade esta, praticada há centenas de anos pelos conquistadores e políticos desonestos da humanidade, vide o seu maior exemplo e espelho, o  inglês  Robin Hood. Com esta estratégia, raro era o sertanejo que o denunciasse ou passasse informações sobre os seus escondirijos. Foi assim que construiu o seu condado, a sua governança e o seu império. 

Contam os mais velhos, que Lampião chegou à sede da fazenda, bem na hora do almoço, o calor era infernal e o sol batia verticalmente sobre a cabeça dos sitiantes, escaldava e queimava a mais de quarenta e dois  graus. Encontrava-se com  sede e muita  fome, a munição de bucho estava no fim. Cortara os sertões  toda a madrugada por cima de pedras, tocos,  mandacarús, rabos de rapousa e xique-xiques.  
 
O capitão adentrou com seis capangas, dentre eles, o perverso ferrador de mulheres,  Zé Baiano. Este,  deixava a ferro quente, a sua marca  ZB no rosto das vítimas

Maria Bonita, a Santinha, por segurança, ficou no oitão da casa protegida por dezoito homens armados até os dentes, além do seu maquiador, carregador de sacolas e cuidador dos animais, o Volta Seca, à época com 13 anos de idade e que depois dos 15 anos, transformou-se num dos mais miseráveis cangaceiros, estava acompanhada também   do novato Zé Sereno,  com 14 anos de idade,   e que dizia   que a sua caneta era um punhal e o papel o bucho de suas vítimas. 
 
Zé Sereno era um menino negro, magro, zoiúdo, serelepe e analfabeto,  era primo carnal do sanguinário Zé Baiano, um cangaceiro de olhos vermelhos e rosto petrificado.  Toda a sua família fazia parte do cangaço, pai, tios, tias, primos, sobrinhos, cunhados   e irmãos. Para matar, não fazia nem careta, bastava ser ordenado, tomava ódio da vítima logo que fosse designado ao crime. 
 
O capitão, o governador do sertão,   foi recebido pelo velho Tenório com muito respeito e entusiasmo.

          II- 

A RECEPÇÃO 

O Velho  Tenório, que saboreava um apetitoso e apimentado ensopado de carneiro, levantou-se e com voz firme e encorpada, falou dirigindo-se ao nobre visitante:

"Seja bem vindo a esta morada Capitão Virgulino Ferreira Lampião, há muito que espero e aguardo por sua aconchegante visita.  Aproxime-se,  aprochegue-se, junte-se a nós e traga os seus cabras. Aqui tem comida para todos e da boa, depois tiraremos uns bons dedos de prosa."

Lampião ficou em silêncio e perplexo com a inusitada e   corajosa recepção.  Um dos seus homens, mansamente  preparou o fuzil mauser 1908,  avançou o polido pente amarelo  cheio de cápsulas e encaixou a primeira para disparo. Apoiou a coronha no músculo peitoral   direito,  colocou o grosso e calejado  dedo indicador no gatilho e mirou a fuça do velho Tenório.

O Capitão Lampião na bucha falou:

"Abaixe a arma cabra safado, abaixe o fuzí e vorte os cartuchos, fique carmo, deixe de liotria, escuite o home."

O coronel Tenório emendou:

"Onde anda a guerreira Maria Bonita capitão, eu e a minha mulher, Waldirene, ficaríamos muito gratos em conhecê-la e termos a mesma na nossa mesa, seria um orgulho para todos nós"

 O capitão Lampião olha para trás e fala em voz arrastada:

"Pode entrar Santinha, o Coroné Tenório  e a sua patroa quer  lhe conhecer, pode entrar,  o coroné é de páiz."

Quando Maria Bonita entrou, o coronel levantou-se da cadeira, deu alguns  passos para frente e com entusiasmo falou:

"Capitão Virgulino Ferreira  Lampião, a mulher é muito mais bonita e formosa do que eu pensava e imaginava, o senhor está de parabéns em viver com uma senhora tão bonita, forte, firme, educada, inteligente, valente, corajosa muito afeiçoada. O capitão é na verdade um cabra muito macho, é um homem altivo, vencedor e de muita sorte.

Os cabras de Lampião não aguentaram as cortantes palavras e todos armaram os seus fuzis 1908 e miraram o coração  do dono da casa.
 
Lampião não suportou a ofensa dos seus cangaceiros  para com o corajoso anfitrião,  falou com o dedo em riste, olhos arregalados, cara de boi bravo  e voz em trovão:

"Abaixem as armas seus cabras  mal agradecidos, aprendam a respeitar um homem que é homem, um homem de valor. Um homem deste tipo, altivo, valente, decidido, macho e corajoso não merece morrer e nem ser importunado. Temos é que elogiar as suas ações, se mirar na sua coragem,  força e  ensinamentos, são homens deste tipo que o Brasil precisa, abaixem os fuzis cabras safados e respeitem o  coroné".
 
O silêncio foi sepulcral. 

Lampião e o seu bando almoçaram, confabularam até o anoitecer, jantaram os  miúdos do carneiro, em forma de buchada,   encheram  os seus alforjes de mantimentos, oferecidos pelo coronel e arriaram os animais. Maria Bonita, a Santinha, ganhou da esposa do coronel, dona Waldirene, alguns frascos de Perfumes e sabonetes  Phebo, os melhores da época, como também uma caixa aveludada portando um grosso cordão de ouro, 18 quilates, e uma medalha, também de ouro, cunhada com a imagem do  Padim Ciço de Juazeiro do Norte e  abençoada pelo próprio  Santo padre.
 
Perfilados e após o aval dos dois  rastejadores do bando,   sumiram e se encantaram   na caatinga  sertão adentro. 
 
Dizia Lampião que a noite é mais fresca,  mais segura e as fazendas ficam desertas. Enquanto o povo dorme o seu bando trabalha.
 
Nunca mais se soube de qualquer invasão do Capitão Lampião naquelas paragens.
 
O velho  Tenório, além de forte e corajoso, foi muito macho.
 
Coroné nos sertões do nordeste não é Coronel de Patente, basta ter terras, dinheiro e prestígios. Geralmente de pai para filho, não diferente dos políticos de hoje em alguns Estados do país. 

Iderval Reginaldo Tenório


O fuzil Mauser 1908, conhecido no Brasil como "Mauser 1908", foi uma arma de fogo amplamente utilizada no país, incluindo pelo grupo de Lampião e seus cangaceiros. O fuzil Mauser 1908 era uma cópia do Gewehr 98 alemão, calibre 7x57mm Mauser, e foi adotado pelo Brasil para substituir o Mauser 1894. 

Em 1926 para enfrentar a coluna Prestes, o Bando de Lampião foi convidado pelo Dr, Floro Bartolomeu, médico baiano que ajudou   o Padre Cícero e o Juazeiro do Norte  a decretar a emancipação politica, passando de distrito do Crato para cidade, na famosa guerra de 14, a Sedição de Juazeiro. Quando deputado pelo Ceará foi convocado pelo Governo Federal a enfrentar  o Carlos Prestes . Iderval Reginaldo Tenório

"Na época em que a Coluna Prestes, importante facção do movimento tenentista, ameaçava entrar no Ceará, uma força de combate à mesma foi armada em Campos Sales. 

O movimento liderado por Luis Carlos Prestes visava a conscientizar os sertanejos dos males causados pela república oligarca vigente até então.

 Organizado às pressas, em Juazeiro do Norte, no ano de 1926, pelo médico baiano e deputado federal pelo Ceará, Floro Bartolomeu da Costa, o Batalhão Patriótico tinha por missão deter a Coluna Prestes. 

O Batalhão foi deslocado de Juazeiro para Campos Sales, onde fixou seu QG, nos limites do Ceará e Piauí, sob o comando do Coronel Pedro Silvino de Alencar, do Araripe. O Governo enviou centenas  de fuzis e munições  que foram entregues a Lampião." Cariri Cangaço

 Não ouve a batalha, a coluna Prestes desviou o seu itinerário e lampião não devolveu os fuzis.  Debandou sertão a dentro, em 1928, entrou na Bahia e firmou reduto no Raso da Catarina (Bahia, Pernambuco e Alagoas), ali reconstruiu o seu Império e governança armado de fuzis, munição e muitos coiteiros.

Iderval Reginaldo Tenório

Um comentário:

  1. Caramba...
    Essa história é um marco daquele período em que Lampião fazia o que fez!
    Eu soube que meu avô, chamava-se Alyrio, também conheceu Lampião!

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